Em 2025 a pecuária brasileira inaugura uma nova fase em sua história, que se estende até o longínquo 1534, quando os primeiros bovinos pisaram por aqui. Ao longo do tempo, a evolução do rebanho foi caracterizada por diversas fases que contribuíram, inclusive, com a formação cultural do interior do país.

A importância em entender todo o processo não se restringe apenas a questões históricas e culturais: é essencial para construir projeções mais sólidas sobre a tendência para o futuro da pecuária. Para tanto, desde 2012, a Athenagro (que até então chamava-se Bigma Consultoria) vem buscando entender essas diversas fases a partir dos anos 1970.

Através de informações históricas, foram relacionados os indicadores de pastagens, rebanho, perfil dos sistemas de produção, custos e preços de mercado, relações de troca e a rentabilidade no campo a partir de diferentes níveis de produtividade. Pelo critério adotado, entre 1970 e 2024, identificamos quatro períodos típicos com os quais temos trabalhado.

Com a recente atualização de duas estatísticas do IBGE – Pesquisa Pecuária Municipal e Pesquisa Pecuária Trimestral – entendemos que havia necessidade de reclassificar esses períodos. Ficou claro que a pecuária está inaugurando uma nova fase em sua história de evolução: a quinta onda, caracterizada por uma aceleração no processo de aporte tecnológico.

É verdade que o ritmo de investimento em produtividade vem aumentando desde a consolidação do Plano Real. E, até o mês passado, classificávamos o período a partir de 2018 como início da fase de aceleração.

Em outubro de 2025, decidimos destacar o período de 2019 a 2024, marcado inicialmente por uma forte euforia, seguida por uma longa ressaca — ambas impulsionadas por oscilações nos preços de mercado. Essas variações, influenciadas por múltiplas variáveis, acabaram por acentuar os efeitos do já conhecido ciclo pecuário, tanto em sua fase de alta quanto na de baixa.

Estatísticas sobre o rebanho em 2024 e sobre o abate e a produção no primeiro semestre de 2025 indicam uma mudança nos padrões tecnológicos da pecuária. O desafio agora é dimensionar até onde essa nova dinâmica pode levar a produção.

Para entender os movimentos da pecuária, as classificações dos períodos estudados de acordo com cada fase são:

-Período de expansão, entre 1970 e 1994;
-Período de ajuste estoque/desestímulo tecnológico, entre 1995 e 2008;
-Período de transição/estímulo tecnológico, entre 2009 e 2018;
-Período de consolidação, entre 2019 e 2024;
-E, por fim, o período de aceleração tecnológica, que acreditamos ter iniciado a partir de 2025.

Em 1970, o rebanho brasileiro contabilizava 78,57 milhões de cabeças. Em 1995, de acordo o Censo, somava 153 milhões de cabeças. Desde então, avançou até as atuais 196 milhões de cabeças, conforme a metodologia sugerida pela Athenagro.

O período entre 1970 e 1990 costuma ser negligenciado nas análises sobre a pecuária, já que, apesar do avanço da atividade, o Brasil ainda precisava importar carne para suprir a demanda interna. Isso contribui para a percepção de que foi uma fase sem ganhos relevantes do ponto de vista tecnológico.

No entanto, durante esse período, toda a base técnica, tropicalizada, estava sendo estudada nas universidades, nos diversos centros de pesquisa e na Embrapa, criada no início dos anos 1970.

A expansão da pecuária entre 1970 e 1994 foi impulsionada por políticas governamentais voltadas à ocupação do interior do país, em um contexto econômico marcado pela hiperinflação. Nesse cenário, a adoção de tecnologias foi frequentemente deixada em segundo plano, refletindo o perfil predominantemente expansionista do setor.

Durante esse período, a área de pastagens cresceu, em média, 0,8% ao ano — passando de 154 milhões para cerca de 188 milhões de hectares. Ainda assim, a produtividade média avançou 3,5% ao ano, evidenciando ganhos que muitas vezes passam despercebidos em razão da baixíssima produtividade, mesmo ao final do período.

Em 1994, o Plano Real elaborado pela equipe do então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, durante o Governo de Itamar Franco, finalmente venceu a inflação dando início a um dinamismo da economia que mudaria a forma com que o brasileiro lidava com os ativos.

Com a inflação controlada, os ganhos financeiros passaram a depender da produtividade e do giro rápido do capital ao invés da estocagem e expansão, conforme acontecia nos anos anteriores.

Todas as atividades econômicas precisaram se adaptar, dando início a um processo de ganho de produtividade em ritmo acelerado. A pecuária de corte também entrou nesse processo.

No entanto, por ser uma atividade de ciclo longo, mantendo um rebanho e ocupando um espaço muito maior do que o necessário tecnicamente, a atividade levaria muito mais tempo para se ajustar, diferente de outras áreas da agropecuária.

A produtividade passou a crescer 5,3% ao ano entre 1995 e 2008. O desempenho da pecuária saiu dos quase 16 kg de carcaça por hectare, na média do período que estamos chamando de “expansão”, para 38 kg de carcaça por hectare no período chamado de “ajuste de estoque/desestímulo tecnológico”.

Embora pareça contraditório classificar o período como “desestímulo tecnológico” - afinal, foi o momento de maior avanço na produtividade nos últimos 55 anos - é importante entender que esse desempenho acelerado se deve, em grande parte, à liquidação dos estoques de animais mais velhos do rebanho. Isso pressionou os preços de mercado, elevando o risco para os sistemas mais produtivos.

O período entre 1994 e 2008 trouxe os piores preços médios na pecuária desde o início dos anos 1970, considerando valores convertidos para reais e corrigidos pelo IPG-DI, calculado pela Fundação Getúlio Vargas.

A conscientização de que a produtividade era a chave para o sucesso na produção pecuária ganhava força no campo, impulsionando produtores a adotarem técnicas mais eficientes. No entanto, aqueles com maior aporte tecnológico precisavam competir em um mercado pressionado pela liquidação de parte do estoque acumulado ao longo de anos de expansão do rebanho brasileiro. Em momentos de forte queda nos preços, os sistemas mais produtivos sofriam ainda mais, já que corriam o risco de ampliar prejuízos em vez de escalar lucros.

É por essa razão que, apesar do desempenho em ganho de produtividade, esse período é caracterizado como de desestímulo.

Outra característica do período é que, a partir de então, a área líquida de pastagens começou a recuar. A quantidade de terras repassadas a outras atividades, somadas àquelas perdidas por degradação – e que entraram no processo de regeneração involuntária da vegetação nativa - supera o total da área desmatada no país.

Quando finalmente essa fase de desestímulo foi finalizada, em 2009 teve início o período de transição para o estímulo tecnológico, que se estende até 2018. É o período em que a produtividade aumenta mais lentamente, consequência da adaptação dos produtores à nova realidade.

Importante ressaltar que a classificação dos períodos não tem a ver com a disponibilidade de tecnologias, mas sim com o ritmo de adoção dos produtores.

Pesquisadores, professores, consultores e empresas de insumos vêm divulgando e fomentando a maior parte das técnicas modernas de produção desde os anos 1970, 1980 e 1990. Melhoramento genético, cruzamentos, nutrição, inseminação artificial, sanidade, pastagens intensificadas, confinamento, integração etc. estão sendo difundidos há, pelo menos, 50 anos. E adotadas pelos produtores com maior vigor há, pelo menos, 30 anos.

De 2019 a 2024, durante o período de “consolidação”, o rápido aumento na demanda por exportações de carne bovina para a China acelerou a redução do período de recria e engorda, estimulando também a busca por aumento na eficiência reprodutiva das vacas.

O comportamento do criador de bezerros durante a fase de consolidação parece contradizer o histórico do avanço tecnológico na pecuária, já que a retenção de fêmeas atingiu níveis muito elevados — semelhantes aos observados décadas atrás. Nesse contexto, o rebanho voltou a crescer em ritmo próximo ao da fase de expansão, com aumento anual de 2,2% no número de cabeças no país.

A mudança abrupta nos preços pecuários, fazendo as cotações dobrarem em um curto espaço de tempo, acabou influenciando toda a percepção do mercado durante o período.

Diante da incerteza sobre os rumos dos preços, era natural que os produtores se esforçassem para expandir o rebanho, retendo o máximo possível de fêmeas. Mesmo quando optavam pela venda, uma parcela significativa dessas fêmeas acabava nas mãos de investidores interessados em entrar ou ampliar sua participação no setor.

Em termos zootécnicos, a taxa de abate na fase de consolidação foi inferior à da fase anterior, reflexo da retenção de fêmeas e do crescimento do rebanho até 2023 – mantendo-se estável em 2024. Por outro lado, o indicador de desfrute, medido em peso, apresentou melhora em relação à fase anterior, impulsionado pelo aumento do peso médio de abate.

Ao mesmo tempo, o peso médio dos animais mantidos no rebanho diminuiu, resultado da redução no número de animais mais velhos — um processo que vem ocorrendo desde o período pós-Plano Real, iniciado em 1994

Para a realidade histórica da pecuária, a parcial de desempenho em 2025 pode parecer elevada. Estimativas preliminares indicam que a produção, em milhões de toneladas, será equivalente a 43,4% do peso total do rebanho em estoque (desfrute). Nesse cenário, serão abatidos 24,3% do rebanho (taxa de abate). Com esses números, a pecuária atingiria a produtividade de 77 kg de carcaça/hectare, ou o equivalente a 5,13@/ha/ano.

A partir do campo, por meio de informações vindas dos clientes ou consultas a produtores durante os eventos realizados com participação da Athenagro, chegam confirmações que corroboram esse novo patamar de aceleração: é vantajoso financeiramente e há disponibilidade de insumos, como é o caso do DDG (distillers dried grains ou grãos secos de destilaria), subproduto da produção de etanol a partir do milho.

A dúvida é: até onde o desempenho da pecuária poderá chegar? Na falta de boas informações estatísticas que, quando muito, são divulgadas com considerável atraso em relação ao acontecimento, é preciso trabalhar com parâmetros pesquisados a campo. Para tanto, lançamos mão das últimas edições do Rally da Pecuária.

A produtividade média das últimas quatro edições do Rally da Pecuária, em ciclo completo, ficou em 205,98kg de carcaça/ha/ano. Cruzando outros indicadores, acreditamos que o público que responde as pesquisas represente uma realidade que, em média, está operando com produtividade de quase 130 kg de carcaça/ha/ano, 70% acima da média estimada para 2025. Essa é a realidade que estamos chamando, aqui na Athenagro, de pecuária comercial.

Sendo assim, a quinta fase da pecuária, ou a quinta onda, será liderada por pecuaristas que, em média, registraram o dobro da produtividade obtida pela pecuária brasileira entre 2019 e 2024, a maior da história.

Muitos tem insistido em dizer que o desafio está em aumentar o ritmo de adoção de pacotes tecnológicos na pecuária, transformando-a em uma atividade mais produtiva e, consequentemente, mais conservacionista. Mas essa transformação está em andamento há décadas.

O verdadeiro desafio está em dimensionar a proporção que a pecuária comercial responde atualmente em relação ao total. E o que fazer com os pecuaristas que estão sendo excluídos do processo?

Será que o nível de concentração está tão avançado ao ponto de alterar, rapidamente, as estatísticas médias da atividade?

Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária