As histórias de empreendedorismo na região Centro-Oeste do Brasil não se limitam aos agricultores, que abriram áreas no meio do nada, multiplicando a produção de grãos.
O caso de Evaristo Barauna, que chegou a ser engraxate e ajudante de pedreiro em Mato Grosso, estado onde nasceu, é um bom exemplo dos “homens de negócio” que surgiram na carona do crescimento da produção agrícola.
Em 1980, ele fundou o Grupo Cereal, em Rio Verde, Goiás, para atender demandas que começavam a surgir com o avanço da agricultura na região. A demanda, no caso, lá no começo, era apenas a sacaria, feira de ráfia. Os grãos plantados e colhidos na época ainda eram ensacados e alguém precisava fornecer esse insumo que antes era importante, mas hoje já não se usa mais.
Logo em seguida, em 1990, ele percebeu que os produtores precisariam bem mais que isso e passou a prestar serviços para armazenar, secar e padronizar os grãos.
“Naquela época, a Cereal começou também fazendo corretagem de grãos, comprando aqui na região para levar para as indústrias que na maioria se localizavam em São Paulo. E assim foi crescendo”, contou, com orgulho, Adriano Barauna, o atual CEO do Grupo Cereal, em entrevista exclusiva ao AgFeed.
A primeira atividade industrial da empresa foi iniciada em 1994, com o processo de desativação da soja.
“A soja desativada é muito usada para alimentação animal. Então, as grandes empresas de proteína animal e fabricantes de ração adquirem esse produto como fonte de energia. Se você der soja in natura para aves e suínos, eles vão morrer. Porque ela tem uma toxina natural chamada urease. E essa urease, ela é tóxica para esses animais”, explicou.
Com o avanço dos confinamentos e semi confinamentos de animais em Goiás, a Cereal também passou a produzir ração. Atualmente processa 10 mil toneladas por mês de soja, fazendo a desativação. A empresa diz que que está movimentando mais de 2 milhões de toneladas de ração por ano.
Adriano é engenheiro mecânico, filho do fundador Evaristo Barauna, e passou a integrar a administração da empresa em 2002, quando foram intensificados os investimentos na parte industrial.
É nessa época que o Grupo Cereal construiu a primeira esmagadora de soja. “Quando começamos eram 300 toneladas/dia. Hoje nós esmagamos 3 mil toneladas de soja por dia aqui, produzindo o óleo degomado e a farinha de soja”.
Outra atividade importante do grupo atualmente – responsável por 33% da receita – é o trading de grãos. Dos 2 milhões de toneladas que recebe, 1 milhão é soja que vai para o esmagamento. A outra metade é 70% soja e 30% milho, que são exportados ou comercializados internamente.
O Grupo Cereal exporta tanto soja em grão quanto farelo, principalmente pela ferrovia, um diferencial logístico importante conquistado pela região de Rio Verde nos últimos anos.
Déficit de armazenagem
A alta produtividade das lavouras de Goiás e a menor ocorrência de problemas climáticos se comparado aos estados do Sul vêm garantindo o terceiro lugar no ranking nacional de produtores de grãos. Para 2025/2026, por exemplo, são esperados cerca 33 milhões de toneladas entre soja e milho.
Segundo Adriano Barauna, o estado ainda teria um déficit de 50% em armazenagem, considerado a capacidade estática já instalada e a produção total. É uma oportunidade que o Grupo Cereal está aproveitando e quer seguir investindo.
“A gente vem, cada ano, ampliando essa nossa capacidade de armazenamento. Hoje, nós temos 14 unidades de armazenadores. Algumas nós adquirimos recentemente. E a ideia é crescer ainda mais. Nós temos uma capacidade estática hoje em torno de 700 mil toneladas e o objetivo é ultrapassar 1 milhão de toneladas nos próximos cinco anos”, afirmou.
O plano prevê construir, no mínimo, três unidades novas, principalmente nas “fronteiras de crescimento de produção”, mais ao Norte de Goiás. “Hoje, tem muitos produtores nossos que, infelizmente, têm de andar 300, 400 quilômetros para levar o grão para o armazém. Então, o nosso foco principal é esse, a originação de grão”.
No modelo da Cereal, o produtor pode armazenar sua produção e não necessariamente vender os grãos de imediato. É possível deixar “a fixar”, se ele preferir. Uma parte, na maioria, é sempre vendida com antecedência em função da necessidade de travar o custo dos insumos.
Mercado de Capitais
À medida que foi crescendo, a empresa que começou familiar foi também se estruturando do ponto de vista de governança. Em 2012, virou uma S.A. e passou a ter balanços auditados, um trabalho que atualmente é feito pela Ernest Young (EY).
Os resultados são avaliados trimestralmente e, com a melhoria contínua dos indicadores, a empresa passou a acessar também o mercado de capitais.
Até hoje já fez 5 emissões de CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), totalizando cerca de R$ 1,7 bilhão em captações. A última foi em meados deste ano, no valor de R$ 500 milhões.
A empresa diz que opera desde 2008 com o sistema SAP em toda sua operação, o que também ajuda nas questões contábeis e de governança.
“Nós somos uma empresa muito intensiva em capital. A gente precisa de capital para poder fazer essa compra do grão do produtor na hora certa. O produtor pode decidir vender o grão dele todos juntos de uma vez só. Então você tem que estar preparado para poder comprar esses grãos. Nós temos que ter uma credibilidade muito forte junto às entidades financeiras”, ponderou.
Barauna diz que o mercado de capitais “é uma boa opção” para quem tiver credibilidade e estiver estruturado do ponto de vista de governança. O Grupo Cereal é avaliado em brAA- pela S&P Global Ratings.
“Se você entrar despreparado, aí taxas serão muito altas e aquilo ali não vai parar em pé. Mas no nosso caso, não. No nosso caso, foi muito bom para alongamento das dívidas, temos valores de 10 anos, com taxas muito compatíveis”, disse o CEO.
No material que foi divulgado ao mercado, na última emissão de CRA, o Grupo Cereal informou que o indicador Dívida Líquida/Ebitda saiu de 3,41 vezes em 2019 para 1,12 vezes em 2024.
Sobre a chance de um IPO no futuro, Barauna diz que o Grupo Cereal “está bem preparado, estruturalmente falando”. Porém ele admite que um plano desse porte depende de “um mercado propício”, algo que ainda não está configurado.
O CEO do Grupo Cereal garante que a empresa praticamente não foi afetada pelo momento mais desafiador, em meio ao aumento das recuperações judiciais de produtores rurais. O motivo seria o fato de ser uma compradora do produtor e não uma vendedora.
Segundo Barauna, houve um reflexo limitado dentro das operações de barter, mas este segmento hoje representa apenas 3% da receita do grupo. Há uma determinação do conselho de administração de que o barter não pode ultrapassar 10% do faturamento.
Na visão dele, “o pior já passou” e o produtor já está mais consciente, melhorando sua gestão comercial. Barauna acredita que o agricultor não foi o culpado pelos tempos mais difíceis, o pico de preços de 2022, fora da curva, seguido de uma queda expressiva, teriam sido as razões das dificuldades que afetaram o setor.
Plano de Crescimento
Desde 2022, o Grupo Cereal passou também a produzir biodiesel, que hoje absorve toda a produção de óleo de soja da empresa.
“Percebemos também essa demanda. Nós, antes produzíamos o óleo e vimos que a maioria dos nossos clientes era de produtores de biodiesel. Percebemos que aqui em Rio Verde era um lugar muito estratégico para ter uma planta. Tem um consumo muito alto de diesel na região, principalmente pelos produtores”, ressaltou Adriano.
O executivo acredita que o biocombustível é hoje o principal pilar “para segurar o preço da soja no Brasil”. Hoje a mistura obrigatória está em 15%, mas ele acredita que poderá para subir para 16% num futuro próximo.
A primeira planta da Cereal foi erguida com capacidade para produzir 3 mil toneladas, mas vinham gerando 600 toneladas, já que ainda havia necessidade de comprar óleo no mercado.
Desde o ano passado, a usina de biodiesel já vem operando em plena capacidade, por isso o Grupo Cereal se diz pronto para investir na ampliação.
Nos últimos cinco anos, a empresa diz ter investido R$ 800 milhões, entre indústria, biodiesel e armazéns.
Em 2025, foram R$ 160 milhões, em ampliação das unidades de armazenamento e aquisição de novas. Houve um aumento de 150 mil toneladas na capacidade, ao longo do ano.
Já em 2026, mais R$ 100 milhões serão aplicados para um aumento de, no mínimo, 50 mil toneladas na capacidade estática e para o início do projeto de expansão do biodiesel.
“Para o ano que vem nós já estamos ampliando o biodiesel de 650 mil para 1 milhão de litros por dia. Vai começar a operar em 2027”, contou Barauna.
O faturamento do Grupo Cereal deve fechar 2025 em R$ 5 bilhões, acima dos 4,2 bilhões registrados no ano passado.
O resultado é comemorado, afinal o preço da soja hoje opera em patamares bem mais baixos. O crescimento ocorreu principalmente pelos maiores volumes que vêm sendo conquistados, ano a ano.
Segundo o CEO, o plano é chegar em R$ 8 bilhões no prazo de cinco anos. “A gente pretende pelo menos manter esse crescimento de dois dígitos por ano, como vem acontecendo”.
Para ser eficiente, um dos segredos é um time motivado – são cerca de mil colaboradores – e muita automação na indústria. “Porque a gente percebeu que se nós não fôssemos tão eficientes como é uma indústria chinesa, não sobreviveríamos”, afirmou Barauna, lembrando que a entrada da China no mercado da soja nas últimas décadas representou um grande desafio para quem tinha esmagadora no Brasil.
“Só que o ato de agregar valor também chamou o produtor a produzir mais. E o produtor veio produzindo mais, cada vez mais, atendendo essa demanda, tanto da China quanto nossa, brasileira”, frisou.
O executivo admite que também “olha para fora de Goiás”, mas garante que, no curto prazo, toda a expansão ainda deverá ter como foco o estado sede da empresa.
Barauna também está otimista com o anúncio de que a Inpasa vai construir uma usina de etanol de milho em Rio Verde. A expectativa é ter mais um comprador para os grãos que origina. Além disso, o Grupo Cereal diz estar bem preparado do ponto de vista da oferta de biomassa, algo necessário para expandir indústrias, tanto de biodiesel, quanto do próprio etanol.
“A gente já tem tem eucalipto nosso. Então isso, por si só, faz muita diferença. Se a Inpasa tiver de ir no mercado comprar biomassa, ela vai ter um custo muito alto para isso”, alertou.
Resumo
- Com R$ 5 bi em receita, o Grupo Cereal acelera expansão em armazenagem, esmagamento de soja e biodiesel, mantendo crescimento de dois dígitos
- Empresa reforça governança, acessa mercado de capitais com R$ 1,7 bi em CRAs e sustenta operações com logística robusta e eficiência industrial
- Planos incluem elevar capacidade estática a 1 milhão t, ampliar biodiesel para 1 milhão L/dia e atingir R$ 8 bi em faturamento até 2030