A maior parte dos grandes avanços no agro brasileiro ocorreu a partir do início dos anos 1990, principalmente com a desregulamentação do mercado e a consolidação do Plano Real, transformações que ocorreram em menos de cinco anos no começo daquela década.

Nas proteínas animais, a produção aumentou de forma consistente desde então. Em 35 anos, o Brasil se consolidou como o maior exportador de carne de aves, embarcando atualmente 70% a mais do que o segundo do ranking. Passou também a ser o primeiro do ranking em carne bovina, exportando quase o dobro do que a Austrália, que ocupa a segunda posição. Na carne suína, o país chegou à terceira posição, quando não são consideradas as exportações da Comunidade Europeia. Em 2025, ao que tudo indica, ocupará a segunda posição.

Ainda assim, o consumidor interno não ficou na mão. Durante o período, a disponibilidade per capita das três carnes somadas aumentou 135,2%, saindo de 42,1 kg por habitante em 1990 para os atuais 104,6 kg, projetados para 2025. Individualmente, o acréscimo na disponibilidade per capita foi de 55,2%, 205,11% e 363%, respectivamente, para as carnes bovinas, de aves e suína.

O comportamento das três carnes derruba a crença ainda arraigada de que exportações contrariam os interesses do consumidor interno. É justamente a atratividade das exportações que tem estimulado o constante investimento em produtividade, com o consequente aumento na produção.

Em valores atualizados, o preço médio da carne suína ao consumidor em 2025 é 54,3% mais baixo do que na década de 1980, quando ainda não havia começado a profunda transformação na cadeia produtiva.

O preço da carne de aves recuou ainda mais, cerca de 60,6% no período.

Até o início dos anos 2000, a carne suína chegava ao consumidor com preços mais altos do que a carne bovina. Esta, por sua vez, é que a registra a menor queda de preços em comparação com as demais, contabilizando valor atual 16,3% inferior à média da década de 1980.

No entanto, no caso da carne bovina, o setor varejista acabou não repassando integralmente o ganho de eficiência registrado no setor produtivo, diferente do que ocorreu nas outras carnes. Considerando o mesmo período analisado, nota-se que indústrias e produtores perderam, respectivamente, 37,5% e 30,5% nos preços de mercado, praticamente o dobro do que caiu ao consumidor.

No caso da indústria, a perda é ainda maior, visto que nos últimos 15 anos o setor passou a se responsabilizar pela maior parte do custo antes assumido pelo setor varejista: a desossa da carcaça. Estima-se que, atualmente, mais de 75% da carne bovina que chega ao consumidor brasileiro já sai desossada da indústria.

Quando analisamos as carnes suína e de aves, a queda nos preços aos consumidores foi proporcional à observada para indústrias e produtores. Ao longo dos anos, o markup, ou sobrepreço, do varejo respondeu permitindo que o consumidor usufruísse de todo o benefício do aumento da produtividade.

Enquanto a queda do markup da carne bovina vem ocorrendo de forma muito lenta ao longo dos anos, o da carne suína se reduziu drasticamente à medida que o setor se modernizou entregando carnes já desossadas em cortes organizados e, em muitos casos, até temperados e prontos para o preparo.

Na carne de aves, o markup é praticamente estável no período pelas características do próprio produto, que sempre demandou pouco manuseio do setor varejista.

Independentemente de o frango ser negociado inteiro ou em cortes, o custo da operação é menor quando comparado a suínos e bovinos.

Mesmo que a maior parte dos cortes bovinos chegue desossada ao setor varejista, os custos de manuseio são mais elevados do que o das carnes suína e de aves, pois muitos cortes ainda precisarão ser porcionados nos pontos de venda.

E há também que se considerar o hábito de parte do consumidor que ainda prefere pedir que a carne seja preparada no “açougue” dos supermercados ao invés de comprar os cortes embalados pelos frigoríficos.

Para analisar o potencial, a Athenagro simulou qual seria a queda histórica e qual o preço médio atual se os ganhos de produtividade do setor varejista tivessem acompanhado os ganhos do setor produtivo. Para tanto, foi usada a média histórica dos markups nas carnes suína e de aves, acrescidas de 60% para compensar a diferença entre os tipos de carne.

Em 2025, por exemplo, o markup médio das carnes de aves e suínos está em 25,4%, enquanto o da carne bovina desossada está em 72,9%. Na simulação foi considerado o sobrepreço de 40,6% para a carne bovina.

Nessa realidade, os preços atuais em relação à média da década de 1980 teriam recuado 36,2% - até mais do que a queda dos preços aos produtores. E o valor de mercado atual, na média acumulada de 2025, seria de R$ 35,50/kg, bem abaixo do atual preço médio de R$ 43,64/kg, de acordo com dados do Instituto de Economia Agrícola de São Paulo. Considera-se, para esse cálculo, o preço médio ponderado de todos os cortes dos bovinos, usando a carcaça de um macho como referência.

Sendo assim, mesmo preservando as diferenças entre os custos de manuseio das carnes no varejo, há muito espaço para que a etapa final da cadeia produtiva melhore a eficiência, tornando a carne bovina ainda mais acessível ao consumidor.

No entanto, a redução do sobrepreço da carne bovina não acontecerá por vontade do setor varejista em ceder margens. Essa queda ocorrerá lentamente, forçada por competição entre os pontos de venda. À medida que os varejistas forem hábeis em melhorar o processo de apresentação das carnes aos seus clientes, poderão trabalhar com preços menores, atraindo a clientela dos demais concorrentes para seus estabelecimentos.

Nesse contexto, parcerias entre frigoríficos e varejistas podem se traduzir em grandes oportunidades para agregar valor no processo. Não se trata de reduzir ganhos, mas sim de cortar custos e aumentar o giro de mercadorias.

Pela simulação da Athenagro, a carne bovina poderia chegar hoje na gôndola a preços R$ 8,14/kg mais baixos do que é praticado. Trata-se de um valor 18,6% menor, sem alterar a remuneração da indústria e dos produtores.

Os pontos de venda e os próprios consumidores precisam explorar ao máximo os benefícios que a desossa realizada nos frigoríficos pode oferecer, especialmente no que diz respeito à redução dos preços finais da carne bovina.

Medidas voltadas para maior eficiência no manuseio no varejo, aliadas a estratégias eficazes de comunicação, têm potencial para gerar ganhos expressivos em toda a cadeia produtiva — como já se observou com a carne suína.

No entanto, enquanto essas iniciativas não avançam, impulsionadas pelo esperado aumento da concorrência entre os pontos de venda, o consumidor continua arcando com os custos da ineficiência que persiste na etapa final da cadeia.

É curioso — e até preocupante — perceber que o varejo ficou para trás em relação ao avanço tecnológico da produção e da indústria, mesmo diante das inovações das últimas décadas e da ampla disponibilidade de ferramentas digitais para a gestão de vendas e atendimento personalizado aos clientes.

Ao mesmo tempo, a produtividade do setor aumentou significativamente nas etapas anteriores à chegada da carne aos supermercados, superando obstáculos culturais, burocráticos, climáticos, financeiros e logísticos em um ambiente bastante adverso.

Por isso, é fundamental que o varejo acompanhe o ritmo acelerado de evolução do setor produtivo. Melhor ainda seria se assumisse uma posição de liderança, impulsionando a modernização do mercado. Não basta apenas exigir conformidade na produção — é preciso também fazer a própria lição de casa.

Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária.