Nativo da bacia Amazônica e considerado um “alimento dos Deuses”, pelos seus atributos sensoriais e pela magia criada ao redor do consumo do chocolate, o cacau ou o Theobroma cacao (Theo, Deus. Broma, alimento) é um fruto tropical que emana sabores e gera negócios ao redor de todo o mundo.

Seja no consumo de massa ou de nicho, o chocolate e seus derivados fazem a alegria de quem os consome e estão presentes em situações da alimentação cotidiana e nos círculos da alta gastronomia, chegando ao símbolo de status em produtos finos de boutiques especializadas e chocolatiers.

Dada a relevância do chocolate como produto global, o cacau ainda é um produto rural expressivo em nosso país mesmo tendo passado por diferentes desafios que trouxeram um gosto amargo e exigiram resiliência do setor, como a concorrência dos países africanos, o turbilhão da praga conhecida como vassoura de bruxa e, mais recentemente, os efeitos da mudança climática e seus eventos extremos.

Cultivar o “fruto sagrado” requer muita devoção numa atividade agroflorestal que lida diretamente com questões de manejo e preservação ambiental para atender a uma demanda por elevados padrões de qualidade, sustentabilidade e rastreabilidade.

De acordo com a CocoaAction Brasil, organização vinculada a World Cocoa Foundation e engajada no desenvolvimento da cadeia do cacau no país pelo Plano Inova Cacau 2030, a cultura cobre uma área de 700 mil hectares com mais de 95 mil produtores em atividade, sendo 80% entre pequenos e médios, concentrados nos estados da Bahia, Pará, Espírito Santo e Rondônia.

Pelo que informa a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), o Brasil é o sexto maior produtor de cacau em nível mundial, gerando cerca de 200 mil empregos, diretos e indiretos, numa cadeia que movimenta mais de R$ 21 de bilhões anuais com a produção de chocolates, biscoitos, bebidas e cosméticos.

Capaz de aguçar os nossos sentidos e desejos, esse é um segmento que mostra a capacidade de transformação e agregação de valor a um produto agropecuário. Isso sem falar nos aspectos de marketing e branding empacotados globalmente pelas grandes indústrias chocolateiras.

E é justamente nesse ponto que surge a oportunidade de reflexão para algo que talvez não seja de fácil digestão.

Será que quem cultiva o cacau tem a mesma visibilidade e remuneração de quem vende o chocolate?

Se temos tradição na produção do fruto, por que ainda exportamos sacas da amêndoa para depois importar caixas de bombom?

Parece que nem tudo é doce nessa história.

Mas, o bom é que já está se configurando um movimento de valorização do chocolate do Brasil para brasileiros, puxado por processadores nacionais e pelos produtores da agricultura familiar dedicados ao cacau. Algo que ajuda a equalizar a balança na cadeia e a promover a diversidade de produtos originais das regiões produtoras.

Sabores e Biomas

O sul da Bahia sempre foi referência na produção de cacau e chegou a ser eternizado nas obras de Jorge Amado, em sua “Trilogia do Cacau”, e nas cenas da novela “Renascer”, atualmente com remake em exibição pela TV Globo.

Com cultivo na Mata Atlântica, mesmo depois de ter sido assolada pela vassoura de bruxa, a região se especializou na produção de chocolates finos e de sabores únicos que exaltam justamente a característica do cultivo sustentável em meio a vegetação nativa.

O sistema agroflorestal conhecido como Cabruca, onde os pés de cacau são plantados à sombra das outras árvores da floresta original, tem sido utilizado, inclusive, como mote de produtores de chocolate locais e de marcas nacionais como Cacau do Céu, Amma e Dengo para reforçar os aspectos de sustentabilidade e brasilidade.

Ainda na linha da diferenciação de produtos, outro fato que merece destaque é a utilização dos sistemas de produção “Bean to bar” e “Tree to bar” (“do grão à barra” e “do pé à barra” em tradução livre), em que a produção do chocolate passa a ser verticalizada pelos produtores e com adição mínima de outros ingredientes que não o cacau.

Como contraponto a produção massiva, essa é uma receita que traz como oportunidade a geração de produtos originais, orgânicos, gerando mais rentabilidade e visibilidade para as comunidades produtoras locais.

Tendência que também está se consolidando na região do Pará, no bioma Amazônico, que desponta como nova rota de produção com cacau e chocolates premiados internacionalmente, como no caso da cooperativa Cacauway e de seus 40 cooperados da agricultura familiar.

O cacau que dá show

Pelo que se vê, a intensidade do cacau vai além do chocolate. Ele representa toda uma cultura que transcende o lugar comum do agro tradicional e se eleva a um outro nível de experiência de consumo. E olha que isso não é papo de confeiteiro. Atenta a esse potencial para o marketing de experiência, a Cacau Show tem feito jus ao nome na hora de entreter o seu público de “Cacau Lovers”.

“We are the music makers, and we are the dreamers of dreams”

Willy Wonka, no filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”

Além de itens do portfólio que enaltecem a produção nacional, como a linha Bendito Cacao e o seu tablete “Dedo de Deus”, produzido com amêndoas de fazenda proprietária de mesmo nome no Espírito Santo, a marca passou a diversificar seus investimentos para uma frente que vai de resorts a parques de diversão temáticos.

Com hotéis temáticos em Campos de Jordão e Águas de Lindoia – SP, junto com a recente aquisição do grupo Playcenter, pioneiro no segmento de parques de diversão no Brasil, a Cacau Show segue com uma estratégia de “tocar a vida das pessoas pelo cacau” que prevê não apenas o entretenimento, mas o conhecimento sobre a história do cacau e dos produtos derivados para que o consumidor saiba o que compra e entenda os desafios da cadeia.

Seguindo a escola de quem já domina os negócios da experiência, como Disney e Virgin, a empresa está subindo a barra ao abrir um novo horizonte no mercado brasileiro, aproveitando um segmento que tem apetite por novidades sensoriais e por produtos que permitam uma conexão com o ambiente produtivo e pegada ambiental.

Nas dores e delícias da cadeia produtiva, essa parece ser uma fórmula interessante para agregar mais valor, reduzir oscilações de sazonalidade, cativar mais consumidores e aumentar as barreiras para a concorrência. Neste showbusiness do cacau, qualquer semelhança com a “Fantástica Fábrica de Chocolate” é mera coincidência.

Ricardo Campo é coordenador de inovação digital da Raízen e do Pulse Hub. É professor da faculdade CNA, com MBA em Marketing pela FGV e mestrado em Administração e Agronegócios pela ESALQ-USP.