Principal parceiro comercial do Brasil nos últimos 30 anos, a China continua atraindo as atenções do mundo. Mas, desta vez, não pela pujança dos seus índices de expansão econômica.
Com PIB (Produto Interno Bruto) em desaceleração, preços em deflação, taxas de desemprego em alta e nível de endividamento em patamares acima dos aceitáveis, o mundo teme que o gigante asiático protagonize uma das piores crises econômicas da história, na visão de economistas de bancos e instituições financeiras de todo o planeta.
Mas em que medida o cenário mais adverso da economia chinesa, de fato, impacta as relações comerciais com o Brasil, especialmente o agronegócio?
“A China foi a alavanca das exportações brasileiras nas últimas décadas”, comentou César de Castro Alves, da consultoria de agronegócio do Itaú BBA, em análise recente sobre o a forma de atuação do setor. “O agro brasileiro ganhou muita produtividade nos últimos anos, algo que não aconteceu no mesmo ritmo em outros setores da economia”.
Os números comprovam. Há 30 anos, apenas 2% das exportações brasileiras tinham a China como destino. Hoje, esse percentual é de 30% e é liderado por produtos como soja, carne bovina, celulose, açúcar, carne de frango, algodão e carne suína.
Combustíveis como petróleo e biodiesel, e o minério de ferro também estão na pauta. Em 2022, o total das exportações para a China somaram US$ 92 bilhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
“O risco da crise chinesa para o agricultor brasileiro é menor do que para o comércio de minério de ferro”, afirma Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Isso se dá porque o centro da crise chinesa está no mercado imobiliário - responsável por 30% do PIB.
Além da crise do financeira impulsionada pelos problemas no mercado construção civil, a China enfrenta outros obstáculos que surgiram no pós-pandemia de Covid-19.
A deflação de 0,3% registrada em julho, associada ao crescimento do PIB em taxas muito abaixo do esperado (foi de 0,8% no segundo trimestre) se somam à queda no ritmo de exportações – redução de 14,5% em julho – e, consequentemente, das importações (-12,5%).
Apesar dessa situação de crise econômica, para o governo brasileiro a projeção é de que as exportações nacionais para a China continuarão expressivas.
“Estamos falando da desaceleração de uma economia que irá crescer 5%”, lembra Tatiana Prazeres, secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), ao comentar os temores de impacto da crise nas exportações brasileiras.
Tatiana é uma especialista no assunto. Depois de passar cinco anos como uma das principais assessoras do então diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo, ela viveu dois anos na China, como pesquisadora no Center for China and Globalization (CCG).
Roberto Rodrigues reforça que que a situação da China é sim delicada, mas está longe de ser “o fim do mundo”. “A demanda por alimentos na China seguirá aquecida”, afirma. Ele lembra dados da economia chinesa que fazem um contraponto às projeções negativas e de que um caos está à beira de se instalar, com dados sobre a pujança da economia chinesa.
“Há 20 anos, a China crescia a uma taxa de 10% ao ano, mas tinha um PIB de cerca de US$ 2,8 trilhões. Hoje, o PIB da China é de US$ 17 trilhões. Se ela crescer 4,5%, que é abaixo até das estimativas do governo, ainda assim será uma expansão em dólares de três a quatro vezes maior do que a registrada no início dos anos 2000”, analisa.
Em junho, a produção industrial da China cresceu 4,4%. É uma taxa que é insuficiente em relação às médias históricas, mas que abre caminho para a compra de insumos de parceiros como o Brasil.
Além de abastecer a sua indústria, a China tem ainda um contingente gigante de pessoas para alimentar. Nas últimas décadas, cerca de 250 milhões de pessoas migraram dos campos para as cidades. Mesmo com as investidas do governo chinês para ampliar a produção interna de alimentos, a dependência por importações ainda é grande.
Rodrigues explica que o nível de renda dos chineses aumentou e, com isso, a capacidade de compra – especialmente de alimentos. “Se a China ampliar sua produção de carne e o resultado seja redução das importações, ainda assim vai precisar de grãos brasileiros para alimentar os animais de seus pastos”.