Sinop (MT) – No famoso “Nortão”, região do norte de Mato Grosso que abriga alguns dos maiores polos de grãos do país, a palavra que melhor define o clima da safra 2025/2026 é “cautela”.
Depois de anos de bonança substituídos por anos de instabilidade climática e volatilidade nos preços, os produtores entram em campo para a temporada 2025/2026 com um olho no céu e outro na planilha.
Com um custo mais elevado dos fertilizantes somado a preços estáveis na soja e no milho, grupos agrícolas têm buscado alternativas para compensar a alta nas despesas e manter a margem.
Essa busca deve fazer, inclusive, o algodão perder espaço para o milho em parte das áreas de segunda safra, refletindo tanto o avanço da demanda pelo cereal com o avanço das usinas de etanol quanto uma necessidade de proteger o caixa.
Dados divulgados pela consultoria StoneX há uma semana mostram que, apesar da manutenção da área nacional, Mato Grosso deve reduzir sua área total de algodão em cerca de 90 mil hectares, o que representa queda de aproximadamente 6% em relação ao ciclo anterior.
A produção nacional da fibra na safra 2025/2026 deve bater 3,73 milhões de toneladas, uma baixa frente aos 4,15 milhões de toneladas estimados pela mesma StoneX na temporada passada.
Se a soja e milho mostram praticamente uma estabilidade nos preços, o algodão é uma exceção. Dados do Cepea/Esalq mostram que em outubro, o preço médio do algodão em pluma no Brasil foi o menor desde o mesmo mês em 2009.
Em termos reais, um levantamento do órgão apontou que o preço foi de R$ 3,51 por libra-peso, uma queda de 12,7% ante o ano passado. O Cepea informou que a desvalorização se dá pelo aumento da oferta nacional somada a um consumo global contido, além da cotação mais baixa do dólar.
Do outro lado, nas planilhas dos produtores, o custo da lavoura segue como um fator de tensão. Em entrevista recente ao AgFeed, Aluísio Schwartz Teixeira, presidente do Sindiadubos, citou que o preço médio dos fertilizantes ficou cerca de 15% mais alto em 2025.
“A agricultura brasileira foi salva pela China neste ano. Se não fossem os produtos chineses chegando, especialmente os fosfatados e o sulfato de amônio, teríamos tido desabastecimento e disparada de preços”, disse.
A China, que dobrou o volume exportado em alguns nutrientes, segurou o mercado e evitou um novo choque de custos, mas não impediu o aperto nas margens. Em meio a esse cenário, o movimento entre os produtores é de ajuste fino: aproveitar recursos internos para alongar a margem financeira.
No Norte de Mato Grosso, dois exemplos ajudam a traduzir a resposta no campo: o Grupo Biancon, com propriedades entre Lucas do Rio Verde e Sinop, e o Grupo JCN, com base em Paranatinga.
Ambos, visitados pela reportagem do AgFeed no mês passado, adotaram estratégias distintas, mas com um mesmo ponto de partida: baixar custos de dentro para fora para enfrentar os desafios da temporada.
O Grupo Biancon, tradicional na região e dono de 45 mil hectares entre safra e safrinha, aposta na reutilização de resíduos de dentro da porteira para diminuir as compras de fertilizantes.
Igor Biancon, um dos diretores e sócios, define o momento como de “cautela, não de expansão”. “O foco é otimizar e maximizar o resultado com o que já temos”, disse. Além do cultivo de soja, milho e algodão, a companhia ainda atua com pecuária num sistema de ILP (Integração lavoura-pecuária).
Por meio do programa Reverte, do Itaú BBA e da Syngenta, transformou áreas de pastagem degradadas em lavouras mais produtivas. O modelo de integração lavoura-pecuária, chamada pelos Biancon de “safrinha de boi”, ilustra a estratégia de reaproveitamento.
Depois da colheita da soja, entra a braquiária, que serve de alimento e cobertura. O gado, por sua vez, devolve nutrientes ao solo por meio do esterco, o que reduz a necessidade de adubos químicos. O grupo calcula ganhos médios de até 8 sacas de soja por hectare nas áreas com integração.
“A gente chegou até áreas que produziram de 7 a 8 sacas a mais do que uma área sem integração. Os marcadores mostram uma evolução biológica importante”, contou Igor, referindo-se à diferença entre talhões com e sem o uso de braquiária e gado na safrinha.
Além do esterco como adubo, o caroço de algodão vira ração. A produção de algodão na algodoeira própria do grupo ainda gera resíduos que completam o uso de fertilizantes orgânicos.
"Hoje, uma tonelada de composto custa cerca de R$ 350. Considerando R$ 700 por hectare no manejo, que usa duas toneladas, em algumas áreas conseguimos acréscimo de até 8 sacas de soja por hectare. Solo é uma construção", disse Ivan Biancon, irmão de Igor e também um dos administradores do grupo.
Com cerca de 8 mil cabeças de gado distribuídas entre cria, recria e engorda, o grupo pretende dobrar o rebanho até 2030 e reduzir entre 30% e 40% o uso de fertilizantes minerais nas áreas com integração.
Na temporada 2025/2026, que será marcada, segundo Ivan Biancon, por margens mais apertadas, além da aposta em aumentar cada vez mais o plantel bovino, a empresa vê um momento melhor para o milho.
"O algodão passa por um momento difícil. Vamos reduzir a área em cerca de 10% para dar espaço ao milho, que aqui na região está mais atrativo por causa do etanol", disse.
Segundo ele, não há muito espaço para reduzir mais o algodão porque "o Capex do algodão é alto". "As máquinas já estão aí, a algodoeira já está aí, então não posso parar. A gente aumentou a área de milho e a pecuária vive um momento bom", disse.
A poucos quilômetros dali, em Paranatinga, o Grupo JCN aposta numa lógica parecida, também com foco em regeneração de áreas e reutilização. O conglomerado é dono de 90 mil hectares, sendo 50 mil produtivos (28 mil de soja, 15 mil de milho e 14 mil de algodão e 8 mil cabeças de gado).
Em 2023, iniciou a conversão de 9 mil hectares com apoio de R$ 120 milhões em financiamento via Reverte.
O projeto envolveu 10 toneladas de calcário por hectare no primeiro ano e 300 quilos de KCL, além de manejo com gado para incorporação orgânica.
O plano agora é reduzir o uso de químicos em 50% até 2027, substituindo parte do fósforo e do nitrogênio por compostagem feita com esterco obtido através do confinamento de gado, um projeto que continua a crescer na empresa.
“A agricultura no geral é assim, para você baixar o custo você tem que produzir, mas chega um limite que você também não consegue mais”, conta Elson Esteves, diretor-geral do grupo.
Nas contas de Esteves, dez bois em um hectares dão, em 90 dias, cerca de oito toneladas de esterco.
Metade do faturamento do JCN vem do algodão, cultura que, apesar do custo alto e das cotações fracas, será mantida, porque o capex, elevado, já está feito. “Vamos manter porque a gente tem plantadeira, colheitadeira, algodoeira”, explicou Esteves.
O grupo pretende compensar o aperto de margem com o uso mais intenso da pecuária como fonte de adubo natural. “A ideia é fazer dentro de casa para o custo diminuir e a margem começar a ficar mais estável”.
Nem a SLC se salva
A alta dos custos chega a todos os tipos de produtores, e nem a maior operadora de terras do País, a SLC Agrícola, escapa dessa lógica.
Em um fato relevante publicado no início de outubro, a companhia dos Logemann divulgou um guidance da safra 2025/2026 e, apesar de projetar uma safra mais produtiva e com aumento na área cultivada, reforçou um avanço nas despesas em todas suas culturas.
Na média, os custos por hectare da SLC serão 10,2% maiores neste ano, com um custo médio de R$ 7,1 mil por hectare.
"Os principais impactos se referem ao aumento do volume de fertilizantes devido à necessidade de reposição de nutrientes no solo, além da melhoria e reforço no pacote de defensivos", disse a SLC no fato relevante.
Por cultura, o milho de segunda safra é o que sofreu a maior alta nos custos, de 11,8%, mas apesar disso segue tendo o menor custo médio por hectare, em R$ 4,4 mil.
Já a soja terá custos 11,1% maiores, atingindo R$ 5,1 mil. Os custos do algodão ficaram, na média por hectare, em R$ 13,8 mil na primeira safra e R$ 12,8 mil na segunda. Os avanços são, respectivamente, de 7,8% e 10,5%.
Ao apresentar o balanço do terceiro trimestre de 2025, o CEO da empresa, Aurélio Pavinato, cita que os preços mais baixos da soja, milho e algodão já comprimiram as margens nos últimos anos, mas que mesmo dentro dessa dinâmica, a área plantada tem aumentado.
“Obviamente, a margem da safra 2024/2025 mostra um ano de uma safra muito boa, então isso ajudou o setor e ajudou os produtores, até por isso que eu acho que o produtor no geral continua corajoso e continua expandindo. Em 2025/2026 houve um aumento de custos adicional, especialmente de fertilizantes”, disse.
Com essa pressão nas margens, Pavinato vê um produtor “dependente de uma safra boa”. “Se porventura houver uma quebra de safra, uma seca, um veranico que não é normal em especial no Mato Grosso, aí pode virar um problema por essas margens menores”, acrescentou o CEO da SLC Agrícola.
“O ano safra passado começou com uma taxa de juros a 10%, e agora está a 15%, então talvez a temporada 2025/26 seja de maior despesas financeiras”, finalizou.
Com reportagem de Italo Bertão Filho
Resumo
- Na região entre Sinop e Sorriso, produtores enfrentam safra 2025/26 com fertilizantes mais caros e preços estáveis de soja e milho
- Por conta dos custos mais altos, algodão deve perder até 90 mil hectares no estado do MT, segundo a StoneX
- Mesmo grandes players, como a SLC Agrícola, projetam alta média de 10% nos custos por hectare com a cultura