Depois de completar 85 anos de existência no ano passado, a companhia de alimentos J. Macêdo, dona de marcas conhecidas dos consumidores como Dona Benta e Sol, se prepara para consolidar a retomada de crescimento e investimentos que viveu nos últimos anos, após algumas dificuldades enfrentadas no começo da década atual.
Para sair delas, a companhia olhou para dentro de casa. À frente do processo de recuperação está o engenheiro agrônomo Irineu Pedrollo, CEO da empresa desde 2022.
Pedrollo é um veterano de J. Macêdo. Gaúcho de Getúlio Vargas, município do Noroeste do Rio Grande do Sul, filho de produtores de trigo, o executivo está na companhia desde 1992.
Por muitos anos atuou como comprador de trigo, além de outras várias funções, e conhece o negócio como poucos – além ser também ele próprio produtor de trigo, em uma propriedade herdada dos pais em sua cidade natal.
Com essa experiência acumulada dentro e fora da empresa, Pedrollo foi escolhido para assumir a liderança da empresa em um período de desafios e de reestrutuação, anos após a morte de seu fundador, José Dias de Macêdo, aos 99 anos, em 2018.
Macêdo já havia, desde meados dos anos 2000, transferido a presidência do Conselho de Adminsitração da empresa a seu filho Amarílio Macedo.
Em 2019, Amarílio convocou José Honório Tófoli, um ex-funcionário da empresa, com passagem também em outras companhias, para liderar a recuperação da J. Macêdo, ao lado de Pedrollo e outros colegas.
Honório ficaria no cargo até agosto de 2022, quando passou o posto de CEO a Irineu, e seguiu como chairman até outubro do mesmo ano, quando faleceu.
A reestruturação da empresa é passível de ser sentida nos números dos balanços. Em 2019, ano da chegada de Tófoli e Pedrollo, a relação dívida líquida/Ebtida, importante métrica de endividamento das empresas, chegou a 12,97x, indicador que foi caindo até chegar a 0,53x no ano passado.
"A J. Macêdo passava por um momento difícil entre 2019 e 2020. A gente fez uma reorganização interessante, usando os quadros existentes dentro da companhia”, afirmou Pedrollo, em entrevista ao AgFeed nos bastidores do 32º Congresso Internacional da Indústria do Trigo, realizado nesta semana no Rio de Janeiro (RJ).
“Nós não fomos buscar no mercado um número grande de novos executivos, simplesmente reorientamos a filosofia da gestão, fazendo um resgate daquilo que era a história da companhia no passado e, graças a Deus, tivemos sucesso".
Segundo o executivo, a base da atual estratégia de crescimento combina disciplina na gestão de custos e despesas com uma política comercial voltada à rentabilidade.
“Para garantir rentabilidade adequada, é necessária uma boa venda. A ideia é que quanto maior o volume vendido a preços saudáveis, maior será o resultado. Perseguir essa venda de qualidade, se precisar escolher um ponto para fazer bem feito, escolher vender pelo preço correto, o volume possível, é o que faz a diferença”, afirma.
“Como é que a gente vai investir se não houver geração de lucros para gerar recursos para pagar esse investimento? É um ciclo virtuoso.”
Os números mostram que o discurso do executivo se reflete na realidade. Em 2020, a J.Macêdo havia faturado R$ 2,1 bilhões. No ano passado, o faturamento foi de R$ 3,6 bilhões, ou seja, 71% a mais do que quatro anos antes.
Para este ano, a projeção é de estabilidade, explica Pedrollo. “Somos muito sensíveis ao preço da commodity, que acaba impactando os preços de toda a cadeia. E no momento nós estamos num dos menores preços de trigo dos últimos muitos anos. Isso obviamente afeta o nosso faturamento, não necessariamente a nossa rentabilidade e atratividade do negócio”, diz.
Em março, o trigo estava cotado na faixa de um preço médio de R$ 1,5 mil a tonelada, segundo dados do Cepea/Esalq/USP. Agora, está sendo vendido na faixa de R$ 1,2 mil a tonelada.
A J. Macêdo consome tanto trigo nacional quanto importado, explica Pedrollo. “No trigo nacional, a comercialização está bem avançada, nós fazemos as nossas posições, entendemos que os preços chegaram praticamente no seu limite de baixa, o espaço para baixa agora é um espaço muito pequeno porque começa a inviabilizar produtor.”
“No trigo importado, nós temos agora a entrada da safra de trigo argentina, começando a colher agora lentamente, mais intenso em novembro e dezembro, também com uma perspectiva de grande safra. Mas nós entendemos que os preços chegaram a um ponto em que novas reduções de preço vão gerar desestímulos de produção e isso não é interessante para o mercado.”
Com essa relação bem azeitada, a J. Macêdo também está conseguindo executar investimentos relevantes. Pedrollo diz que a companhia investiu R$ 800 milhões no período recente, sendo R$ 600 milhões em dois projetos greenfields e mais R$ 200 milhões em modernização e aumento de eficiência em suas estruturas.
Uma das plantas greenfield é um moinho que está sendo construído em Londrina (PR) desde março do ano passado e que deve entrar em operação em abril do ano que vem, empregando 800 pessoas e ocupando uma área de 276 mil metros quadrados.
A nova estrutura, com capacidade inicial de processar 220 mil toneladas de trigo, podendo chegar a 440 mil toneladas se a companhia quiser ampliá-lo, vai se somar ao moinho que a empresa já possui em Londrina, construído ainda nos anos 1950, com capacidade de processamento de 100 mil toneladas de trigo.
Além do moinho, o complexo industrial também terá uma estrutura de armazenamento de 40 mil toneladas de trigo em grão e um centro de distribuição, que vai atender o Sul do Brasil e parte das regiões Sudeste e Centro-Oeste.
A outra planta, que também começou a ser construída em março do ano passado, está localizada em Horizonte (CE), é uma fábrica de massas e misturas para bolo.
Serão implantadas três linhas de fabricação de massas, com capacidade produtiva de 100 mil toneladas por ano, além de uma linha de fabricação de misturas para bolo com capacidade de produção de 10 mil toneladas por ano.
A fábrica também contará com um centro de distribuição que atenderá as regiões Norte e Nordeste.
“A nossa proposta em 2026 é fazer a consolidação e a operacionalização desses investimentos e, obviamente, temos planos para dar sequência ao processo de crescimento da companhia”, diz Pedrollo.
Para colocar de pé as novas estruturas, a companhia conta com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que concedeu, em junho do ano passado, R$ 236 milhões para a instalação da unidade em Horizonte, e depois, em outubro, mais R$ 125 milhões para a nova estrutura em Londrina.
Além dessas estruturas, a companhia já possui moinhos em Londrina, Varginha (MG), Fortaleza (CE), e Salvador (BA), e fábricas em São José dos Campos (SP), Simões Filho (BA) e Horizonte (CE).
Sem IPO por ora
Apesar dos investimentos, não está nos planos da J. Macêdo, pelo menos, por enquanto, fazer o IPO da empresa, ainda que a empresa acabe sendo assediada, segundo Pedrollo.
“A companhia passa por um momento muito bom e ela tem recebido bastante oferta, mas há uma decisão. Quando se fala em ir para o mercado de capitais, essa é uma decisão do acionista [de não listar a empresa]. Não é um momento legal para isso”, explica.
Ainda assim, a J. Macêdo estaria apta à listagem, segundo o CEO, se os acionistas achassem que esse caminho fosse conveniente. “A J. Macêdo é uma companhia aberta há 15 anos pelo menos. Não negociamos ações em Bolsa, mas somos uma companhia aberta e estamos prontos para quando o acionista decidir partir para isso”, avalia Pedrollo.
Por ora, a companhia segue sob o comando da família Macêdo, representada pelos irmãos Amarílio e Roberto Macêdo, filhos do fundador, e outros membros já da terceira geração da família, uma das mais ricas do Ceará.
Se hoje a companhia é um gigante da indústria do trigo, no seu início a J. Macêdo era uma simples representação comercial de secos e molhados mantida pelo patriarca José Dias de Macêdo, que a criou em 1939, vendendo diversos produtos tradicionais, da manteiga mineira à madeira do Paraná.
Os negócios foram crescendo e se diversificando na década seguinte, quando Macêdo passou a ser representante de montadoras como Ford, Toyota, Jeep e Mercedes em diferentes estados do Nordeste. Só a partir de 1952 entrou no mercado de alimentos derivados de trigo, ao fazer uma primeira importação de farinha de trigo vinda dos Estados Unidos.
Macêdo fez uma incursão na política ao longo dos anos 1950 e 1960, sendo deputado federal por três mandatos, entre 1959 e 1971, até abandonar a vida pública e se concentrar no mundo empresarial.
Foi a partir dessa virada que a J. Macêdo ganhou corpo, adquirindo moinhos em várias regiões do país e se consolidando como um player importante do segmento.
Em 1979, a companhia criou a marca de farinha Dona Benta, como forma de unificar sua produção, já espalhada por todo o país, e que logo passou a ser conhecida por consumidores de diferentes partes do Brasil.
Mais tarde, já nos anos 1990, a empresa passou a fabricar misturas para bolos, farinha de trigo com fermento, massas e fermento em pó. Nos anos 2000, agregou marcas históricas do mercado como Petybon, de massas, Sol, de misturas para bolo, e farinha Boa Sorte.
“As empresas vivem em ciclos. A J. Macêdo tem uma história de 87 anos com sucessos fantásticos e grandes conquistas”, resume Pedrollo. Pelo visto, a fase atual é mais um desses momentos de sucesso e conquistas.
Resumo
- Sob comando de Irineu Pedrollo, J. Macêdo reduziu endividamento e ampliou faturamento em 71% desde 2020
- Empresa consolida investimentos R$ 800 milhões em novas plantas no PR e CE, modernização e centros de distribuição regionais
- Empresa mantém família fundadora como acionista e descarta, por ora, listagem na B3, apesar do assédio do mercado