Empresa que outrora se anunciava como capaz de “mudar a matriz energética do Norte do País” por meio da produção de biocombustíveis à base do óleo de palma, o Grupo Brasil Biofuels (BBF) sucumbiu à recuperação judicial. Um pedido que começou em julho passado, em um tribunal paulistano, foi encaminhado à Justiça do Pará e aceito nesta segunda-feira, 20 de outubro.

Os primeiros sinais de que as finanças do BBF estavam saindo dos trilhos foram dados em fevereiro do ano passado. Naquele mês, o conglomerado de 13 companhias, um dos maiores produtores de óleo de palma do País, obteve um pedido de proteção da Justiça para suspender execuções e ações de cobrança de seus credores por 60 dias.

Foi apenas um respiro. A crise se avolumou e caminhou para um pedido de recuperação judicial noticiado, também discretamente, em 30 de julho. A demanda foi feita à 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo (SP). Apesar de ter operações em cinco dos seis estados da Região Norte - Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima e Pará - o Grupo BBF declara sua sede administrativa na capital paulista.

Na petição inicial, o conglomerado empresarial reportou um passivo de R$ 1,264 bilhão e sustentou que o pedido de RJ ocorreu por uma série de fatores: operacionais, como conflitos fundiários, furtos, vandalismo e violência nas propriedades e unidades produtoras; climáticos, com estiagem no segundo semestre de 2023 que teria trazido perdas de 40% na produção; e financeira, com a restrição de crédito e de financiamentos, além da crise durante a pandemia de covid-19.

Em um dos primeiros despachos, o juiz Marcelo Stabel de Carvalho Hannoun, que recebeu o processo em São Paulo, negou uma nova tentativa de stay period para o congelamento de dívidas e condicionou a demanda do Grupo BBF à apresentação de documentos financeiros.

Paralelamente, pipocavam ações judiciais no Pará, principal polo produtor do Grupo BBF. Ao ponto de, em 7 de agosto deste ano, o juiz da 12ª Vara Cível e Empresarial de Belém (PA), Ivan Delaquis Perez, decretar falência da Brasil Biofuels Reflorestamento, Indústria e Comércio S.A, uma das empresas do grupo. O motivo: uma dívida de R$ 483,2 mil com a Seteh Engenharia Ltda.

A falência da empresa foi suspensa no Tribunal de Justiça do Pará pela desembargadora Luana de Nazareth Santalices.

De volta a São Paulo, o juiz Marcelo Hannoun decidiu que o foro para o julgamento do pedido de recuperação judicial seria mesmo o do Pará. No começo deste mês, o processo foi encaminhado para Belém e distribuído para a vara comandada pelo juiz Ivan Perez, que já analisava outras ações envolvendo a companhia.

Entre os processos está outro pedido de falência, agora da Brasil Biofuels Pará II S.A, por uma dívida de R$ 294,8 mil pelo calote de uma nota promissória com o OXSS Fundo de Investimentos. No entanto, a ação foi suspensa por Perez nesta quarta-feira, 15 de outubro, por 60 dias.

No despacho, o magistrado sustentou que a decisão foi tomada para que sejam aguardados os desfechos do processo de recuperação judicial e do processo de falência suspenso pelo TJ do Pará.

Na quinta-feira, 16 de outubro, Perez reforçou a cobrança do colega da Justiça paulista e intimou, no âmbito do pedido de recuperação judicial, que três empresas do grupo - BBF Transportes Fluviais, BBF Energia do Pará e BBF Híbrido Forte São Joaquim - apresentem balanços patrimoniais, demonstração de resultados do exercício de 2022, bem como relatório gerencial de fluxo de caixa e projeções.

Com as informações, Perez acatou a demanda e aceitou o pedido, nomeou o advogado Marcelo Ponte Ferreira de Souza como administrador judicial e deu 60 dias de prazo para que o grupo apresente um plano de recuperação.

“O Pedido de Recuperação Judicial busca proteger os trabalhadores, fornecedores, prestadores de serviços, financiadores e o Grupo BBF, possibilitando sua sustentabilidade econômica, com a continuidade de suas atividades, a proteção e manutenção dos empregos, dos serviços prestados pelo Grupo BBF, manutenção e cumprimento de suas obrigações, a preservação do valor da Companhia, sua função social e o estímulo à atividade econômica”, informou o grupo em comunicado publicado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

“A Companhia manterá seus acionistas informados sobre os desenvolvimentos relevantes dos assuntos aqui tratados, na forma da legislação e regulamentação vigentes”, completou no documento publicado na mesma CVM onde protocolou, em 15 de outubro a ata de uma reunião do Conselho de Administração na qual informa que decidiu cancelar seu registro de emissor de valores mobiliários “categoria B” junto ao órgão.

No Grupo BBF o silêncio impera. O portal da companhia está desatualizado. O telefone fornecido como o de contato no escritório paulista não atende desde os primeiros contatos feitos pela reportagem há dois dias.

Desde a semana passada o AgFeed tenta contatos também por meio de redes sociais e por e-mails, com executivos e representantes da companhia.

O único que respondeu foi o advogado responsável pelo processo, Thiago Vinícius Sayeg Egydio de Oliveira. Por e-mail, ele solicitou uma série de questionamentos na última quinta-feira, 16 de outubro, perguntas que lhe foram enviadas no dia seguinte. Ele prometeu respostas até esta segunda-feira, o que não ocorreu.

Planos amazônicos

A discrição e o silêncio do presente contrastam com o alarde do passado.

“O Grupo BBF é 100% brasileiro e foi fundado em 2008 com o propósito de mudar a matriz energética na região Norte do país, criando empregos, gerando renda e reduzindo o custo da eletricidade para a população da região, utilizando biocombustíveis desenvolvidos a partir do óleo de palma para geração de energia elétrica limpa no coração da floresta Amazônica”.

Assim se apresenta a companhia em uma das redes sociais, com destaque para 5 mil colaboradores diretos e 15 mil indiretos. “Nossa missão é descarbonizar a floresta Amazônica”.

Os planos da companhia eram “amazônicos” como a região de operação. Em junho de 2023, em uma rara entrevista antes do silêncio imposto pela crise o presidente do Grupo BBF, Milton Steagall, disse ao AgFeed que pretendia dobrar a área plantada com palma na região, onde controla 38 usinas para geração de bioenergia, sendo 25 já ativas e 13 em processo de implementação.

À época, a capacidade era de 86,8 megawatts (MW), que atendia 140 mil pessoas, e até o fim de 2024 a perspectiva era aumentar em 174% essa geração, para 238 MW, quando todas as 13 novas usinas estariam, segundo Steagall, em pleno funcionamento.

Ao longo de 2023, a empresa anunciou investimentos e uma parceria com a Vibra Energia para um projeto de comercialização de combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês) que pretendia produzir no Brasil a partir de 2025. Um investimento avaliado em R$ 2 bilhões para produzir 500 milhões de litros de biocombustível por ano.

O projeto não foi adiante e a Vibra foi parar na lista de credores do pedido de recuperação judicial do Grupo BBF.

Em 2023, a empresa emitiu seu primeiro título de dívida para finalizar a instalação de uma usina termelétrica em Roraima. O título em questão foi uma debênture de R$ 133,4 milhões, captado pela empresa no início do ano passado.

A emissão foi operacionalizada pela Vórtx, que também se tornou credora do Grupo BBF. A usina de Roraima, apontada como uma das soluções para suprir a demanda energética daquele estado - o único não ligado ao sistema nacional - teve suas operações suspensas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em agosto de 2026.

O órgão regulador alegou que a termelétrica BBF Baliza, em São João da Baliza (RR), tinha baixo desempenho da operação, com apenas 20% de disponibilidade de oferta durante mais de um ano.

Após a fiscalização, a Aneel concluiu que a unidade nunca esteve disponível para o sistema isolado de Roraima de forma consistente, desde a sua entrada em operação comercial. Um retrato da crise silenciosa e tortuosa do Grupo BBF.

Resumo

  • Justiça do Pará aceita pedido de recuperação judicial do Grupo BBF, que acumula dívidas de R$ 1,264 bilhão
  • Processo judicial foi transferido para o Pará, principal polo da empresa, com decisões que suspenderam falências e exigem plano de reestruturação
  • Projetos ambiciosos naufragaram, incluindo usinas e produção de biocombustível de aviação