O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por quatro votos a dois, manteve a possibilidade de que 12 grandes compradores e exportadores de grãos sigam operando com o pacto chamado de Moratória da Soja.

O acordo, firmado em 2006, estabeleceu que a indústria que exporta e processa a soja, deixaria de comprar grãos de fazendas onde houvesse áreas desmatadas após 2008.

Em função disso, nos últimos anos as empresas vêm impedindo que produtores rurais que abriram áreas neste período possam vender a soja às tradings.

A Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja-MT) e outras entidades que representam os agricultores, vêm tentando derrubar a medida.

Uma das iniciativas foi o encaminhamento do caso ao Cade, alegando risco de formação de cartel na compra de soja brasileira.

No dia 18 de agosto, a Superintendência Geral do Conselho suspendeu de forma preventiva a vigência da Moratória da Soja.

Mas o caso precisava ser analisado por todos os conselheiros, o que ocorreu nesta terça-feira, 30 de setembro.

Com a decisão de hoje, a proposta do Cade é que tradings e produtores encontrem um ponto de equilíbrio até o final do ano, evitando, no entanto, danos às exportações e negócios já em andamento.

Em 1º de janeiro de 2026, porém, a medida cautelar voltará a ter validade. O Cade sinalizou que o acordo pode ser legalizado, segundo as regras do conselho e com monitoramento externo.

A votação não foi unânime. O presidente do Cade, Gustavo Augusto Freitas de Lima, e o relator, conselheiro Carlos Jacques, votaram pela manutenção total da medida preventiva.

Jacques, em seu voto, avaliou que a não adoção da medida preventiva é prejudicial à concorrência, segundo informações relatadas pela Agência Estado. "Não há dúvidas de que [a moratória da soja] possui o condão de operar sérios efeitos anticompetitivos no mercado", disse o relator.

O conselheiro afirmou também que as empresas signatárias do acrodo poderiam ter outras políticas de barrar soja produzida em áreas desmatadas.

"Poderia uma trade estabelecer por política interna sua que somente adquiriria soja de locais com desmatamento zero. Não precisa dialogar com os demais concorrentes para isso", emendou.

Já os conselheiros José Levi do Amaral Júnior, Victor Oliveira Fernandes, Diogo Thomson de Andrade e Camila Cabral Pires Alves votaram a favor de que a medida preventiva não entrasse imediatamente em vigor.

Levi citou, em seu voto, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu até 31 de dezembro de 2025 a medida do governo de Mato Grosso que retirou benefícios fiscais para empresas que participam da moratória.

O conselheiro defendeu que a decisão do STF deveria estar vinculada à medida do Cade. "Nestes termos, penso eu, a decisão do Cade fica rigorosamente alinhada ao quanto se tem, até aqui, do Supremo Tribunal Federal", disse Levi.

Para os produtores, a moratória restringe artificialmente os canais de comercialização da soja na região amazônica. Segundo estimativas apresentadas ao Cade, o acordo reduz o número de potenciais compradores para menos de 20% do mercado, o que enfraquece o poder de barganha dos agricultores e, na prática, acaba marginalizando áreas inteiras da produção que, embora legais, não atendem aos critérios privados estabelecidos pelas tradings.

Organizações do setor produtivo apontam ainda que a moratória ignora os avanços do Código Florestal e impõe regras paralelas, sem base em legislação aprovada pelo Congresso.

Pelas regras do Código Florestal, um produtor rural que compre uma fazenda no bioma Amazônia, por exemplo, poderia usar 20% da área para o cultivo, mas deve preservar 80%. Os produtores alegam que a moratória desconsidera esse “desmatamento legal”, que pode ser feito.

As tradings, por outro lado, sustentam que a moratória é uma medida voluntária de responsabilidade socioambiental, com impactos positivos comprovados na redução do desmatamento por expansão da fronteira agrícola. O AgFeed mostrou em reportagem recente que a preocupação das empresas é com o "timing" equivocado, em função da proximidade da COP 30.

Já os produtores dizem que mesmo apresentada como um compromisso ambiental para conter o desmatamento no bioma amazônico, o acordo firmado entre grandes empresas exportadoras concorrentes pode configurar um acordo de mercado que fere a livre concorrência e prejudica os agricultores, ao restringir o número de compradores disponíveis a menos de 20% do mercado.

As 12 companhias que firmaram o pacto respondem por 90% do mercado - entre elas estão ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus.

O que dizem as entidades

A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC), que reúne as grandes tradings, recebeu a notícia de forma positiva. Em nota assinada pelo consultor jurídico da associação, Frederico Favacho, a associação parabenizou o Cade pela decisão e disse que o órgão do governo reconheceu "a importância do aprofundamento do estudo da natureza e dos efeitos da Moratória, ouvindo também a sociedade civil e o Estado e olhando para a experiência das autoridades antitrust estrangeiras em relação aos acordos de colaboração de sustentabilidade e certificações verdes."

Ao término da nota, a Anec avaliou que "ao final a Moratória da Soja deverá ser reconhecida pelo seu imenso papel na garantia às exportações brasileiras deste grão."

A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa as principais empresas dos setores de processamento de soja, refino de óleos vegetais e também de produção de biodiesel, também em nota, lembrou que "prevaleceu a decisão vigente do Supremo Tribunal Federal (STF), que manteve suspensa a medida preventiva da Superintendência-Geral até 31 de dezembro de 2025, prazo destinado a permitir que agentes privados e públicos dialoguem em busca de uma solução."

A associação, que representa as indústrias do setor, disse também que a Moratória da Soja "é um compromisso multissetorial, voluntário, 100% transparente e referência internacional em desenvolvimento sustentável há quase duas décadas" e que tem a participação do setor privado, sociedade civil e governo.

A votação do Cade também parece ter agradado aos produtores representados pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), que deu início à ação e disse comemorar a decisão, em nota enviada ao AgFeed. “O julgamento desta terça-feira (30.09), reforça os indícios de cartel e as distorções geradas por esse mecanismo e suas práticas anticoncorrenciais que lesam o ambiente de mercado justo e competitivo", afirmou a entidade.

A associação afirmou ainda que “o fim da moratória é um passo essencial para o Brasil reafirmar que sustentabilidade e legalidade não se opõem” e que “não se pode simular políticas ambientais como pretexto para a exclusão econômica”. Nesse contexto, a Aprosoja-MT ponderou que “o fim da moratória é um marco histórico na defesa da livre concorrência e da produção legal no campo, devolvendo segurança jurídica e dignidade aos milhares de produtores que sempre atuaram em conformidade com o Código Florestal e as leis ambientais brasileiras”.

Já a Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja Brasil) foi procurada pela reportagem do AgFeed, mas ainda não retornou ao contato.

Resumo

  • O Cade manteve, por quatro votos a dois, a possibilidade de 12 grandes tradings seguirem operando com a Moratória da Soja, acordo anti-desmatamento firmado entre empresas para evitar compra de soja produzida em áreas desmatadas
  • Em agosto, o acordo havia sido suspenso de forma preventiva pela Superintendência do Cade, que acolheu alegação dos produtores rurais de que moratória trazia risco de formação de cartel na compra de soja brasileira
  • A proposta do Cade agora é que tradings e produtores encontrem um ponto de equilíbrio até o final do ano, evitando danos às exportações e negócios já em andamento