O agro brasileiro não ficou de fora das profundas mudanças propostas pela reforma tributária, cujo período de transição se inicia já no próximo dia 1º de janeiro de 2026 e vai até 2033.
O setor precisa se preparar desde já para a adequação às novas regras, que são complexas. Só assim será possível ter condições melhores de mercado, avaliam especialistas ouvidos pelo AgFeed.
Haverá uma transição gradual dos impostos hoje existentes como ISS, PIS, Cofins e ICMS para dois novos impostos sobre consumo: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que substituirá IPI, PIS e Cofins, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que entra no lugar dos atuais ICMS e ISS.
Ao longo de 2026, os impostos “antigos” continuam em vigor, mas as notas fiscais já passarão a trazer alíquotas de CBS e IBS em seu teor, sem que haja cobrança desses tributos nesse primeiro ano de testes.
É a partir de 2027 que a situação começa a mudar, quando PIS e Cofins deixam de existir e a CBS entra em vigor, com alíquota cheia de 8,7%. No ano seguinte, 2028, a situação não se altera. Em 2029, a ideia é que aconteça uma transição gradual de ICMS e ISS para o IBS, até que, em 2033, tanto ICMS como ISS sejam extintos de vez. De acordo com o Ministério da Fazenda, a alíquota padrão deve ficar em torno de 28%.
O novo sistema tributário é não cumulativo, ou seja, os tributos pagos ao longo da cadeia geram créditos imediatos, o que não acontece de forma plena no sistema atual.
Hoje, segundo a Fazenda, há um "efeito cascata", que ocorre tanto em razão da existência de tributos que se acumulam, caso do ISS, por exemplo, como também em razão de inúmeras restrições ao creditamento nos tributos não cumulativos como o ICMS.
Apesar de a adoção das novas regras levar anos para sair totalmente do papel, especialistas ouvidos pelo AgFeed alertam para algumas pecularidades da regra envolvendo o agro e a necessidade de adequação dos produtores rurais desde já para o novo regime tributário.
Isso porque, de acordo com a legislação nova, produtores rurais - tanto produtores pessoa jurídica como física - e cooperativas que faturam até R$ 3,6 milhões por ano não serão considerados contribuintes de IBS e CBS, isto é, não vão pagar esse tipo de imposto.
Mas se os produtores ultrapassarem essa receita, automaticamente terão de aderir ao novo sistema tributário, o que implica em ter uma série de obrigações legais a serem respeitadas – o que não acontecia com a atual regra tributária.
"Hoje, o produtor pessoa física que fatura mais de R$ 3,6 milhões, não têm a obrigação acessória de entregar uma demonstração financeira mensal, e uma série de obrigações acessórias mensais que uma pessoa jurídica tem", diz Ieda Queiroz, coordenadora do setor de agronegócios do CSA Advogados.
"E, com a reforma, esse produtor que fatura mais de R$ 3,6 milhões vai ser equiparado à pessoa jurídica e terá de atender a essas obrigações acessórias", complementa a advogada.
Na avaliação de Sandro Al Alam Elias, sócio-diretor da consultoria Safras & Cifras, isso faz com que a nova regra, que nasceu com o discurso de simplificação do modelo tributário, possa ter até efeito contrário nesse momento inicial.
"Com essa regra de transição, a implantação vai ser até mais complexa, porque antes, com os tributos anteriores, muitos produtores não eram contribuintes, e agora o produtor que fatura mais de R$ 3,6 milhões vai ter que apurar esse imposto", afirma.
Para Elias, a tendência é de que produtores rurais acabem optando por se transformarem em pessoas jurídicas – e isso não apenas pela reforma tributária, mas também por causa dela.
“Antes, havia dois grandes benefícios para o produtor ser pessoa física no Brasil: simplicidade, porque você fazia a declaração de pessoa física uma vez por ano e entregava para a Receita, e a forma de financiamento da atividade agrícola no Brasil, antigamente com CPF e muito mais dinheiro subsidiado do governo”, avalia Elias.
“Com a introdução do livro-caixa digital e, agora, do IBS e CBS, e também com o crédito privado cada vez mais sendo o grande financiador da atividade agrícola no Brasil, as vantagens se reduziram muito.”
Além do limite de R$ 3,6 milhões, a nova regra tributária também traz inovações envolvendo diminuição de alíquota para produtos que fazem parte do dia-a-dia dos produtores rurais.
Itens como fertilizantes, corretivos de solo, inseticidas, calcário, sementes básicas e certificadas, vacinas, entre outros insumos agropecuários e aquícolas, terão suas alíquotas de IBS e CBS reduzidas em 60%. A legislação prevê ainda redução também de 60% para produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura.
No caso de aquisição de fertilizantes, corretivos de solo e afins por parte dos produtores, o pagamento do imposto vai acontecer de forma diferida, ou seja, postergada ao longo da cadeia produtiva.
Em outros casos, a regra segue o modelo de split payment, que significa, em inglês, pagamento dividido, instante da liquidação financeira da operação.
Nesse sistema, o pagamento dos tributos é feito de forma automática, com o recolhimento do imposto feito pelo governo no momento da liquidação financeira da operação, gerando créditos tributários. “A sistemática da reforma tributária é débito e crédito”, resume Ieda Queiroz, do CSA Advogados.
Para Sandro Elias, da Safras & Cifras, o novo sistema de tributação pode representar um desafio de caixa para os produtores. “Agora antecipou o elo da cadeia. O produtor vai ter que pagar e esse dinheiro sai do caixa dele”, diz.
Quem não entrar na faixa de R$ 3,6 milhões, terá a possibilidade de ter acesso a um crédito presumido, que será calculado a partir de um percentual fixado anualmente por ato conjunto do ministro da Fazenda e do Comitê Gestor do IBS, a entidade que vai operacionalizar o novo imposto.
No cálculo, vai ser levada em consideração a média das operações dos cinco anos anteriores, podendo ser diferenciada por bem ou serviço.
Ieda Queiroz, do CSA Advogados, alerta, no entanto, para a possibilidade de que esse crédito tributário não seja levado em consideração caso existam problemas no registro das operações.
"Se o produto passar para frente e não tiver feito essa apuração, esse regime de caixa bem controlado, ele não vai ter acesso ao retorno desse imposto que foi pago no decorrer da cadeia. É um custo tributário maior e ele não vai ter investimento para recuperar", afirma a advogada.
Não à toa, Queiroz diz que sementeiras estudam a possibilidade de tabelas de preços diferentes para pessoas físicas e jurídicas, em função da falta de visibilidade que a pessoa física terá sobre os tributos recolhidos na formação do preço, o que pode impedir o comprador de usar esses tributos como crédito.
"Uma cooperativa, por exemplo, que vende grãos para uma esmagadora não poderá garantir que esse produtor recolheu todos os tributos IBS e CBS e vai ter de botar na conta final todo esse tributo", afirma.
Além disso, há a possibilidade de esse crédito presumido ser de valor menor do que os créditos dos contribuintes regulares, outro ponto que pode encaminhar os produtores para se enquadrarem como contribuintes.
Em paralelo à redução de 60% do tributo sobre os insumos, itens da cesta básica como arroz, leite, feijão, manteiga, açúcar, grãos de milho, queijo mussarela, sal, mate, entre outros, terão suas alíquotas zeradas.
Mas isso não quer dizer que a tributação se estenda a todos os itens da cesta básica, alerta Sandro Elias, da Safras & Cifras. "Arroz descascado, por exemplo, é alíquota zero. Mas quando o produtor vai vender o arroz em casca para a indústria, terá de pagar IBS e CBS", afirma. "Já café e frutas, por exemplo, não incidem IBS e CBS."
Os especialistas concordam que há a necessidade de os produtores se adiantarem o quanto antes para atender às novas exigências tributárias.
"2026 é um período de testes, claro, mas a gente está recomendando que todo mundo use esse período para fazer as apurações e não espere o ano passar. Todos vão ter de fazer seu dever de casa e avaliar em suas estruturas o quanto você é impactado", afirma Sandro Elias, da Safras & Cifras.
"Tem muitos produtores achando que a reforma tributária "não vai pegar", para depois se deu ou deu não deu certo", relata Ieda Queiroz, do CSA Advogados. "Só que as margens dos produtores estão muito apertadas. Quem estiver melhor preparado para discutir essa nova precificação, vai conseguir se organizar para essa nova realidade. E negociar contratos talvez melhores, porque quem chega primeiro negocia melhor."
Elias, da Safras & Cifras, atenta para o fato de que os produtores devem analisar caso a caso se faz sentido. "No caso de café, por exemplo, em que um produtor faturou R$ 2 milhões por ano, talvez seja mais interessante ele ser contribuinte, pois pode tomar crédito tributário desde o começo. E vai ter provavelmente diferença de preço, de quem vende gerando crédito e quem vende sem gerar crédito."
Por enquanto, os produtores parecem estar se preparando, ao seu jeito, para o novo momento tributário pelo qual o Brasil vai passar. Um estudo recente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) indicou que o número de empresas do setor enquadradas no Simples Nacional, regime tributário simplificado para micro e pequenas empresas, passou de 395 mil empresas no primeiro semestre de 2024 para 423 mil empresas no mesmo período deste ano, 7,1% a mais.
Em paralelo, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) disponibilizou uma calculadora gratuita para os produtores conseguirem estimar como a nova regra tributária pode impactá-los, positivamente ou negativamente.
Só o tempo, no entanto, poderá indicar os caminhos do novo jogo tributário no cotidiano dos produtores, muito por conta da novidade das regras, inéditas no país.
Resumo
- Reforma tributária muda a lógica de cobrança, exigindo que produtores se preparem desde já para evitar perda de competitividade e problemas de precificação
- Produtores rurais e cooperativas que faturarem acima de R$ 3,6 milhões por ano passarão a ser equiparados a pessoas jurídicas para fins de IBS e CBS, com novas obrigações, o que deve acelerar "pejotização" no campo
- Novo modelo traz redução de 60% nas alíquotas de insumos agropecuários, mas também pode gerar pressão de caixa e risco de perda de créditos tributários para quem não tiver controles fiscais e financeiros bem estruturados