Belém (PA) - Mesmo que pareça muito distante do mundo das negociações climáticas, a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) também está na COP 30, a conferência do clima da ONU.

E, como de praxe, não tem papas na língua ao defender posições, no mínimo, controversas, seja em relação à Moratória da Soja, aos créditos de carbono ou à atuação do Ministério do Meio Ambiente junto aos produtores rurais.

A Aprosoja-MT presente COP com a ideia de defender que o jogo seja “mais justo”, nas palavras de Luiz Pedro Bier, vice-presidente da entidade.

“Nós acreditamos que as regras ambientais que são estipuladas hoje penalizam o Brasil, justamente o país que preservou muito. E deveria ser ao contrário, nós deveríamos ser remunerados por esses ativos e não somos. Então, existe a intenção de criar novas regras que respeitem os trópicos e a agricultura tropical”, disse ele, em uma rápida entrevista ao AgFeed nesta quarta-feira, 12 de novembro.

“Nós participamos na Blue Zone, nós conversamos com autoridades, mas nós acreditamos que o mais importante da COP não seja a COP em si. Aqui está todo mundo querendo falar e ninguém querendo ouvir, mas sim criar um movimento para que isso aconteça. E vai ser um trabalho que será perene, não apenas para a COP do Brasil”, emendou ele.

Bier conversou com a reportagem após participar de um painel promovido pela CNA na AgriZone, espaço paralelo à conferência da ONU com forte presença do agro.

Ele dedicou boa parte do painel a detalhar um pouco mais suas ideias, fazendo relações com a Moratória da Soja, acordo de mercado de adesão voluntária, que existe desde 2006 e foi firmado entre grandes tradings como ADM, Bunge, Cargill e Amaggi, entre outras, que se comprometeram a não adquirir soja de fazendas localizadas em áreas desmatadas após julho de 2008 na Amazônia

“Qual é a chance de a questão ambiental dar certo onde a pessoa que preserva tendo todo o ônus e a pessoa que fiscaliza – estou falando da Moratória da Soja –, tem o o bônus, com as tradings pegando financiamento barato às custas de quem preserva?”, questionou Bier.

O objetivo do acordo era eliminar o desmatamento da cadeia de produção da soja, segundo as empresas que participam da moratória. Mas os produtores matogrossenses interpretaram a Moratória como a formação de um cartel entre as grandes tradings.

Depois de várias disputas, a tese da Aprosoja-MT acabou sendo acolhida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que, em agosto, suspendeu de forma preventiva o acordo.

Mas, na semana passada, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, em liminar, a suspensão de todos os processos judiciais e administrativos no País que discutem a legalidade da Moratória da Soja.

Dessa forma, os processos que corriam no Cade também acabaram sendo suspensos. O STF ainda vai julgar o caso, avaliando a legalidade ou não da Moratória da Soja. Nesta quarta-feira, a CNA inclusive informou que vai tentar a derrubada da liminar.

Imbróglios jurídicos à parte, a lei estadual aprovada pelo governo de Mato Grosso, que retira os incentivos fiscais das empresas que aderirem ao acordo anti-desmatamento, continua valendo e deverá entrar em vigor no início de 2026.

Chegou a ser ventilada a possibilidade de um acordo entre tradings e produtores rurais como forma de substituir a Moratória da Soja, mas, por enquanto, Bier, da Aprosoja-MT, não quer debates.

“A gente precisa que a Moratória acabe. Então, antes de a Moratória acabar, nós não decidiremos acordo nenhum”, reiterou após o painel, na conversa com o AgFeed. “Primeiro a moratória deve acabar, depois a gente entra nessa conversa.”

Lógica perversa

Bier não ficou restrito à Moratória da Soja e desfiou críticas a assuntos diversos em sua fala durante o evento, a começar por um anúncio feito pelo governo de Mato Grosso no segundo dia de COP, na terça-feira.

O estado anunciou um acordo de intenção com a empresa Emergent em torno da venda de créditos de reduções de emissões REDD+ jurisdicionais de alta integridade a compradores da Coalizão LEAF, iniciativa global que paga governos por resultados comprovados de redução de desmatamento.

REDD+ é o mecanismo da ONU que remunera países em desenvolvimento por reduzir emissões decorrentes do desmatamento e da degradação florestal, incluindo ações de conservação, manejo sustentável das florestas e aumento de estoques de carbono, funcionando como um sistema de pagamento por resultados para manter a floresta em pé.

Embora diga não ser contra o instrumento - e mesmo assumindo não ter muito conhecimento sobre o assunto -, o dirigente da Aprosoja-MT afirmou que a lógica se repete: o produtor mantém a área preservada, enquanto o Estado acessa recursos.

“Qual a chance de isso dar certo? É zero”, insistiu. Para ele, sem uma mudança profunda de mentalidade, “teremos sempre os mesmos problemas”.

Bier também atacou o conceito de adicionalidade, central nos mercados de carbono, e mencionou uma experiência da própria Aprosoja-MT ao tentar montar um pool de créditos de carbono.

Segundo Bier, a iniciativa esbarrou em uma combinação de oportunistas e falta de mercado. “O que encontramos de picareta por metro quadrado não foi brincadeira. E as empresas sérias diziam: fazemos o projeto, mas não garantimos a venda, porque não tem para quem vender. Muito discurso e pouco dinheiro na mesa.”

Bier relatou ter a sensação de que o produtor que cumpriu a lei, mantendo Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente, virou devedor. “Quem fez a lição de casa está com todo o ônus e ainda é cobrado por isso. Quem não preservou também fica com ônus. Precisamos inverter essa lógica.”

Para Bier, essa mudança só será possível se o governo federal assumir o tema como política de Estado, não de governo, e cobrou que o Ministério do Meio Ambiente defenda métricas brasileiras, voltadas à realidade tropical, e não funcione como porta-voz de “interesses internacionais”. “É função do Ministério do Meio Ambiente defender o que temos de bom, e temos muita coisa boa”, disse o dirigente da Aprosoja-MT.

Resumo

  • Na COP 30, a Aprosoja-MT defende remuneração a produtores que preservam florestas e critica regras ambientais “injustas”
  • Vice da entidade, Luiz Pedro Bier, rejeita discutir novos acordos antes do fim da Moratória da Soja e critica mercados de carbono
  • Bier cobra que o governo federal adote políticas ambientais adaptadas à agricultura tropical e defenda métricas brasileiras