A força-tarefa em busca de financiamento para converter áreas de pastagens degradadas no Brasil terá uma nova ofensiva internacional, começando por Nova York e voltando à China, no mês de outubro.
Uma das principais bandeiras do Ministério da Agricultura (Mapa), o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas (PNCPD) pretende que o Brasil, ao longo de 10 anos, consiga recuperar 40 milhões de hectares para as atividades agropecuárias de alta tecnologia, principalmente o cultivo de grãos.
Além dos integrantes do governo, entidades da iniciativa privada acompanham de perto a movimentação, assim como agentes ligados ao “crédito verde” que gostariam de conectar mais o agro com a agenda ambiental.
Um dos protagonistas neste processo é o engenheiro agrônomo Eduardo Bastos, atualmente CEO do Instituto Equilíbrio, que se denomina um think tank independente e apartidário, dedicado a avaliar os riscos e as oportunidades da transição climática para o agronegócio.
Bastos é presidente da Câmara de Agrocarbono do Mapa e integra o Comitê Interministerial do PNCPD por isso tem participado ativamente das ações que buscam captar recursos para financiar o programa.
Segundo ele, a estimativa é de que sejam necessários US$ 1,5 mil por hectare para recuperar uma área degradada. Sendo assim, para chegar aos 40 milhões de hectares é preciso obter US$ 60 bilhões, ou R$ 320 bilhões, pela cotação atual.
No início de setembro, o governo divulgou detalhes do leilão do Eco Invest Brasil, programa de hedge cambial do Tesouro Nacional com foco no financiamento à recuperação de áreas degradadas, realizado em meados de agosto. Ao todo 10 bancos foram contemplados, gerando 16,5 bilhões em capital catalítico, um tipo de recurso usado para fomentar projetos específicos, com mais prazo e menor retorno.
A soma do desembolso do Tesouro Nacional com os recursos de bancos privados já estaria viabilizando R$ 30,2 bilhões para o programa.
Se aplicássemos aquela estimativa do custo de US$ 1,5 mil por hectare, esse valor de R$ 30 bi daria para recuperar quase 4 milhões de hectares. O compromisso das instituições financeiras que participaram do leilão, porém, foi de 1,4 milhão de hectares.
Segundo Bastos, os bancos foram mais conservadores ao estabelecer as metas de área a ser convertida, afinal serão cobrados de que efetivamente esse dinheiro seja usado na recuperação das terras e trata-se de algo novo, é uma preocupação caso “algo dê errado”.
A parte que será oferecida pelo Tesouro tem juros de 1% ao ano e prazo de 10 anos. No caso dos bancos, são recursos entre 15% e 20% a.a e prazos que variam de acordo com a cultura também, ou seja, no caso de florestas, de ciclo mais longo, também deve ser de 10 anos.
A expectativa é que o produtor rural que tome o recurso para fazer a recuperação de áreas degradadas na fazenda pague juros entre 10% e 12% ao ano, segundo ele. Todos os envolvidos precisam estar adequados a práticas sustentáveis, que ajudem na redução das emissões de gases causadores do efeito estufa.
“Agora, nos próximos dois meses, o dinheiro começa a chegar. A gente tem 10 anos e, ao longo desse período, nós vamos ter que desenvolver uma metodologia de mensuração de captura de carbono. Esse programa vai puxar a ciência e tecnologia”, afirmou Bastos em entrevista ao AgFeed.
Os esforços vêm sendo acelerados porque a COP30, realizada em novembro, no Brasil, é considerada uma oportunidade ímpar para atrair capital estrangeiro para os projetos sustentáveis no Brasil.
A agenda do Instituto Equilíbrio inclui pilares principais como pecuária, agricultura regenerativa, biocombustíveis e fertilizantes verdes, mas espera conectar tudo isso com o mercado de carbono e com o universo de finanças verdes.
“A principal agenda desta COP é implementar as ações que já fizemos e captar recursos. O mundo prometeu um trilhão e trezentos (dólares), cadê esse dinheiro? A nossa tese é que uma parte desse dinheiro deveria ser usada para promover agricultura, agropecuária, sustentável”.
Internamente, o plano é trazer mais estudos que mostrem que o agro é parte da solução climática. “O escopo nosso é trazer a agenda ambiental para o agro. Ter a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), por exemplo, entendendo que COP30 é uma oportunidade, não uma ameaça”.
Nova fase e “barter chinês”
Eduardo Bastos tem participado de diversas missões internacionais e conversas com potenciais investidores estrangeiros. Segundo ele, há mais interessados – e nomes que possuem volumes maiores de recursos – quando se trata do modelo de “equity”, ou seja, o investidor quer ser “sócio” para fazer aportes de longo prazo que tragam bons retornos.
No que foi feito até agora, inclusive com o leilão do Eco Invest, ele explica que o modelo é o de “dívida”, quando alguém concede o crédito diretamente ao produtor para receber, geralmente, ao final da colheita, como ocorre no Plano Safra.
O CEO do Instituto Equilíbrio viaja para Nova York na próxima quinta-feira, 18 de setembro. Lá, participa de uma série de eventos, que coincidem, no fim do mês, com a Assembleia Geral da ONU. Uma das palestras será no Brazil Climate Summit, na Universidade de Columbia, onde vai falar para potenciais investidores.
“Vamos começar a vender a ideia do equity, gostaríamos de chegar na COP, como você pode imaginar, com pelo menos mais R$ 20 bi, além desses R$ 30 bi, seria uma notícia muito boa”, disse.
Segundo ele, no próprio governo há uma esperança de que, dos US$ 60 bilhões necessários, US$ 40 bi fossem viabilizados via equity e o restante via dívida. “Pra nós, se for metade, metade, já seria ótimo”.
Como a lei brasileira tem restrições para que os estrangeiros comprem terras, o executivo acredita que um caminho, possa ser a participação deles em Fiagros, que então financiariam a conversão de áreas degradadas.
“Quando a gente vai conversar com os fundos de pensão, os fundos soberanos, eles olham longo prazo. Eles não querem te emprestar dinheiro para pegar de novo o ano que vem. Eles falam, não, quero te emprestar para você me devolver daqui a 10 anos ou 40 anos, idealmente”, ressalta.
Caso entrem como cotistas de um Fiagro, esses investidores seriam informados de que o dinheiro emprestado seria devolvido daqui a 10 anos em uma determinada taxa de juros. Além disso, eles participariam de parte do ganho desse fundo. O modelo estaria fazendo sentido para alguns desses investidores, que são mais acostumados a participar de projetos de infraestrutura e movimentam trilhões de dólares ao ano.
Uma outra frente, também na linha do equity, é o offtake agreement, uma espécie de barter entre Brasil e China, que vem sendo discutido entre os chineses e os gestores do programa brasileiro.
Nos primeiros meses da gestão de Carlos Fávaro, em 2023, o assessor especial Carlos Augustin, que também é um empresário do setor de sementes em Mato Grosso, já tinha desenhado os detalhes do plano de converter os 40 milhões de hectares.
Na época, falou sobre o projeto ao AgFeed, enquanto fazia reuniões com gigante chinesa Cofco, para atraí-los a também investir no financiamento aos produtores brasileiros.
Nestes dois anos, as conversas vêm avançando e um novo encontro vai ocorrer em outubro.
Eduardo Bastos revelou ao AgFeed que esse “barter” já é uma possibilidade real para financiar o projeto. “Na verdade não é bem um barter, é um offtake agreement, a gente ofereceu essa ideia. Alguém empresta o dinheiro e eu pago em soja. Mas não é só a Cofco”, explicou.
A proposta poderia ser ampliada para outros produtos como DDG, açúcar, café ou mesmo para carnes, em função das conversas também envolverem a associação chinesa de proteína animal.
O entrave seria o fato de ninguém, até hoje, ter feito um contrato assim, por um prazo tão longo. Mas segundo Bastos, os dois lados estão estudando alternativas do ponto de vista legal, para tentar viabilizar.
Há quem questione se haveria demanda para todo esse volume de grãos adicional que será produzido com a conversão das áreas ao longo dos anos. Afinal, desde 2023 os preços das commodities como soja e milho vêm se mantendo em patamares mais baixos em função da grande oferta global.
Bastos disse que ouviu dos chineses: “A demanda que nós temos é muito maior do que a capacidade que vocês têm de ofertar hoje”. A resposta de Carlos Augustin teria sido que terra e “gaúchos” para tocar as lavouras, o Brasil tem de sobra. Faltaria o financiamento para viabilizar esse aumento da oferta por aqui.
Além da própria China, acordos bilaterais que vêm sendo negociados entre o Mercosul e mercados específicos pelo mundo também ajudariam a garantir demanda para esse aumento na produção agropecuária.
O cálculo dos 40 milhões de hectares leva em conta de que foi esse o crescimento da área no Brasil entre 1973 e 2023, quando a Embrapa fez 50 anos. Agora, com tecnologia bem mais avançada, a proposta seria fazer o mesmo em 10 anos.
O CEO do Instituto Equilíbrio diz que a China estaria disposta a se envolver no financiamento de 20 milhões de hectares, ao longo desse prazo proposto – resta saber se haverá viabilidade para isso.
Ele esclarece que o contrato com a China será “entre privados”, onde o governo fica com o risco. Portanto, a expectativa é de que grandes tradings estejam envolvidas. O mais provável é que a ideia comece “com um contrato pequeno”, para que sirva também como uma sinalização ao capital estrangeiro que o governo tanto está buscando para o programa.
Um próximo encontro para avançar nessas discussões está previsto para outubro, quando uma missão de brasileiros vai novamente à China. A participação do “governo” pressupõe os mecanismos que já vem sendo usados no PNCPD, com relação com a questão climática, compromissos de desmatamento zero e geração de créditos de carbono. A China, porém, já teria deixado claro que não pagará mais por essa soja, vinculada ao programa.
A outra aposta antiga para chegar à conversão de 4 milhões de hectares por ano é a ajuda da JICA, Agência de Cooperação Internacional do Japão, que poderia financiar US$ 1 bilhão por ano. Segundo Bastos, com a última visita dos japoneses, que ocorreu há algumas semanas, o acordo está ficando mais concreto. O fato de o Tesouro Nacional estar alocando recursos do programa de pastagens serve como incentivo para o governo japonês também participe.
Resumo
- Programa de conversão de pastagens do Mapa pretende recuperar 40 milhões de hectares em 10 anos, com custo estimado de R$ 320 bi
- Nova fase inclui captação via equity e offtake agreements com a China, além de apoio de bancos e Tesouro
- Eduardo Bastos, CEo do Instituto Equilíbrio, diz que intenção é atrair mais R$ 20 bi em capital estrangeiro até a COP30