Os preços do cacau no mercado internacional até deram uma trégua nos últimos meses. Depois de atingir picos de US$ 12 mil por tonelada no final de 2024, recuaram para patamares próximos dos US$ 8 mil.

Ainda é bem acima das médias observadas em anos anteriores, mas uma perspectiva de safra um pouco melhor em países como o Equador e uma demanda menor da indústria, justamente em função dos preços altos, reduziram um pouco a pressão que vinha sentido depois de quebras sucessivas de produção na África, hoje o principal polo exportador do fruto.

Por via das dúvidas, grandes fabricantes de chocolate têm buscado alternativas para atender a demanda do mercado sem inflacionar demais seus produtos. A suíça Nestlé, por exemplo, anunciou esta semana ter patenteado uma técnica inovadora que permite fazer mais com menos.

Especificamente, a nova abordagem da companhia faz com que se utilize 30% mais cacau nas linhas de produção de chocolate sem a necessidade de aumentar a compra de cacau.

Segundo a Nestlé informou em publicação em seu site, a técnica desenvolvida por seus pesquisadores permite utilizar, além das nozes extraídas dos frutos – e depois fermentadas, secas, torradas e moídas para a produção de um licor que é transformado em chocolate –, resíduos do fruto que no modelo tradicional eram descartados.

Assim, polpa, placenta e até a casca dos frutos passam a ser coletados como uma massa úmida, que, segundo a empresa, “fermenta naturalmente, revelando o sabor essencial do chocolate”.

Essa massa obtida, então, passa por um processo de moagem, secagem e torra. O resultado final são flocos de chocolate “que podem ser usados para fazer chocolate sem comprometer o sabor”.

"Com as mudanças climáticas afetando cada vez mais a produção de cacau em todo o mundo, estamos explorando soluções inovadoras que possam ajudar os produtores de cacau a maximizar o potencial de suas colheitas”, afirma Louise Barrett, Chefe do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Nestlé para Confeitaria em York, Reino Unido, na publicação.

“Essa técnica inovadora utiliza mais da fruta, permitindo-nos fornecer chocolates deliciosos aos nossos consumidores. Embora este projeto ainda esteja em fase piloto, estamos explorando como aplicar essa inovação em uma escala maior."

A Nestlé afirma que, além de beneficiar a indústria, a técnica tem potencial de trazer ganhos também aos produtores de cacau. Isso porque eles teriam mais produto a oferecer ao mercado do que somente os grãos. Também gastariam, de acordo com a empresa, menos tempo em atividades pós-colheita.

“Com uma extração de cacau mais eficiente, os agricultores terão mais tempo para se concentrar em boas práticas agrícolas, como a poda, que comprovadamente melhora a produtividade”, aponta o texto.

Cacau de laboratório

A alternativa da Nestlé segue em um caminho diferente das que têm sido buscadas por outras gigantes do setor. Boa parte dos esforços hoje estão concentrados em no uso de novas tecnologias, como a edição genética para obter plantas mais resistentes a climas cada vez mais adversos, ou a obtenção de “cacau de laboratório” através de células cultivadas.

A primeira opção foi a escolhida pela Mars, fabricante dos chocolates M&M e Snickers. A companhia americana já anunciou estar usando a tecnologia CRISPR de edição genética para desenvolver uma planta de cacau melhor.

Já a Mondelez, dona das marcas Toblerone e Milka, investe em um projeto que usa células retiradas das plantas de cacau para produzir cacau em pó e manteiga, os produtos-base para a fabricação de chocolates.

O desenvolvimento se deu em parceria com a startup israelense Celleste Bio, que captou, em dezembro passado, cerca de U$ 4,5 milhões em uma rodada de investimentos para o projeto – boa parte do investimento veio da SnackFutures Ventures, braço de venture capital da Mondelez.

A alemã Döhler, por sua vez, fez uma parceria com a startup britânica Nukoko para a produção de chocolates alternativos. A matéria-prima usada nesse caso é uma fava de alta proteína usada na produção de falafel.

Segundo os fundadores da Nukoko, a barra de chocolate à base de favas tem 40% menos açúcar, gera 90% menos emissões e tem altas doses de proteína.

A companhia alemã está empenhando todo seu conhecimento em fermentação - adquirido no mercado de bebidas - para o cultivo das favas.

Com a Döhler como parceira, a estimativa é de que seja possível fermentar 10.000 litros de fava até 2025, o que daria à empresa a capacidade de produzir grandes volumes de chocolate.

Chocolate mais caro

A pressão sobre os fabricantes de chocolate deve se manter por algum tempo. As perspectivas de uma melhora na oferta de cacau no mercado apontam apenas para 2026, isso se as condições climáticas se mantiverem favoráveis.

Um levantamento feito pela JP Morgan Global Research, apontam que as condições de mercado da commodity estão melhorando, com a combinação de estabilização do clima com uma demanda industrial enfraquecida por custos mais altos e margens de lucro mais estreitas.

Ainda assim, com estoques baixos, o banco acredita que os preços do cacau permanecerão estruturalmente mais altos por um longo período, em uma faixa de US$ 6.000 por tonelada.

Com isso, avalia, a expectativa é que se intensifique a tendência de repasse de custos e aumento de preços dos chocolates no varejo, com possíveis impactos nos volumes de vendas.

Segundo o JP Morgan, a moagem de cacau deve se manter em níveis sazonalmente mais baixos no segundo semestre.
“O mercado global de chocolate registrou volumes menores devido aos preços mais altos”, disse Céline Panouzi, chefe de Produtos Básicos e Bebidas da Europa no JP Morgan.

“Parte da queda pode ser temporária, mas também reflete uma maior elasticidade de preços no mercado de chocolate, que pode se intensificar se os preços subirem ainda mais no segundo semestre.”

Resumo

  • Preço do cacau recua de US$ 12 mil para US$ 8 mil, mas segue bem acima da média histórica, pressionando a indústria
  • Nova técnica permite usar resíduos do fruto (polpa, placenta e casca), aumentando em 30% o aproveitamento sem perder sabor
  • Enquanto Nestlé aposta na eficiência produtiva, concorrentes como Mars, Mondelez e Döhler investem em tecnologias como edição genética e cultivo celular