O “barulho da bala” assustou – e muito– os investidores de Fiagros. De um ano para cá, a imensa maoria dos fundos do agro listados na B3 recuou, em valor patrimonial, em meio à boataria de crises no setor, à alta do número de recuperações judiciais de produtores e, por fim, ao impacto dos problemas do segmento de revendas de insumos, especialmente da AgroGalaxy.

Apesar disso, os fundos têm mostrado que estão com o caixa saudável e mantém uma distribuição de dividendos quase que inalterada para os cotistas, cumprindo os compromissos assumidos com os investidores.

É o que mostra um levantamento exclusivo feito pela Grana Capital a pedido do AgFeed. O estudo aponta que todos os Fiagros listados apresentam um dividend yield (DY) acumulado em 12 meses acima de 13%, patamar maior que o do CDI, o benchmark quando o assunto é retorno financeiro.

O DY é um indicador financeiro que avalia a rentabilidade de uma ação ou cota de fundo com base nos dividendos distribuídos. Ou seja, serve para calcular quanto um investidor recebe por cota, com base no valor dela.

O levantamento revela que alguns fundos chegam a oferecer retornos com quase o o dobro do CDI. É o caso do Fiagro da Galapagos, negociado pelo ticker GCRA11, que tem o mais alto DY acumulado nos últimos doze meses – 20,74% no período.

Em termos absolutos, o fundo pagou R$ 9,89 em dividendos para cada cota desde então. Ao mesmo tempo, viu sua cota recuar 44,3% do final de outubro de 2023 até o mesmo dia em 2024, a maior desvalorização entre os listados.

Essa queda no preço da cotação ajuda a explicar o indicador DY elevado, já que, na prática, o investidor paga menos por uma cota que paga mais em dividendos.

Na sequência, o Fiagro da Leste tinha um DY acumulado em 12 meses de 20,71%, com uma distribuição de R$ 15,81 por cota desde então, sendo a maior dentre os listados em valores monetários. No acumulado do ano, o papel recuou 27,97%, e, ao final de outubro, valia R$ 76,35

Quando levamos em consideração o valor pago por cota, outros destaques ficam para o Fiagro do BTG Pactual, o BTAG11, que ficou em R$ 15,13 – e tem, segundo o banco, um histórico de 32 meses de distribuições recorrentes de dividendos, com uma média mensal de R$ 1,23 por cota –, e o Fiagro da Sparta, que aposta em CRAs de empresas mais high grade, que remunerou os cotistas em R$ 14,34 por cota.

O Fiagro da Sparta, inclusive, é o único que não viu sua cota desvalorizar desde outubro passado para cá. Dentre altos e baixos, o preço se manteve estável em R$ 101,48 por cota.

Na média, os Fiagros viram suas cotas recuarem quase 20% em um ano marcado por avanço nas RJs do setor e o problema do AgroGalaxy, cujos CRAs estão presentes em diversos fundos do tipo.

Ao mesmo tempo, a média do DY em doze meses beira os 16,69%, com o Fiagro com menor valor no indicador sendo o SNAG11, da Suno, com retorno de 13%, ainda acima do CDI. Tudo isso dentro de veículos de investimento sobre os quais não incide imposto de renda.

Com a poeira dos rumores de crise começando a baixar, os inídicios ficam mais claros de que a desvalorização das cotas expressa aversão a risco e não um problema com a saúde financeira dessa classe de ativos, cada vez mais relevante no financiamento do agronegócio.

Na opinião de Maria Fernanda Violatti, analista especialista em fundos imobiliários e Fiagros, o mercado “precifica primeiro os riscos antes dos fundamentos”. Com isso, acredita que a desvalorização atual das cotas pode trazer um desconto exagerado em relação ao valor real dos ativos.

Diante dos dados levantados pela Grana Capital, a especialista vê os Fiagros se mantendo como bons pagadores de dividendos. “O DY anualizado tem diversos fundos pagando patamares expressivos, com alguns yields chegando aos 21%. Isso mostra que os dividendos estão elevados em relação ao preço das cotas e que a rentabilidade está superior ao preço do investimento”, acredita Violatti.

“A saúde dos caixas dos fundos e a continuidade do pagamento reforçam que diversos fundos possuem fundamentos sólidos”, acrescentou.

Danilo Carvalho, analista da TF Research, afirma que, além de analisar o DY de forma individual, é importante avaliar a qualidade dos ativos dos fundos.

“O fato de ter DY maiores não significa que é de fato uma oportunidade. O que vale são ativos sem problemas de crédito e que estão descontados”, avalia.

Para além dos fundos que não tiveram problemas de inadimplência ou RJs no portfólio, Maria Fernanda Violatti vê que até aqueles com papéis da Agrogalaxy, por exemplo, tiveram desvalorizações acima do que efetivamente tinham de exposição dentro dos Fiagros.

Danilo Carvalho ainda destaca que a queda foi generalizada tanto para aqueles que tiveram problemas de crédito, RJs ou pediram waiver, o que tem preocupado alguns investidores.

“Há um entendimento inicial do investidor de que, se a empresa devedora do CRA entrou em RJ, significa que ele não irá receber o dinheiro investido, o que não é verdade”, afirmou.

Ele ressalta que dentro da estrutura de um CRA existem garantias judiciais ou extrajudiciais. Naturalmente, a garantia não é executada rapidamente, pode durar meses ou anos, mas não significa que não haverá recuperação.

Ele cita, por exemplo, os casos do XPCA11, com a Usina Ester, RURA11, com um produtor rural, e o JGPX11, com uma trading, que conseguiram resolver os problemas acionando as garantias.

“Ainda falta o entendimento de o que é RJ, o que é waiver e o que de fato pode impactar a receita do fundo. É um fator educacional, que o investidor precisa conhecer melhor para precificar de forma mais certeira o ativo investido”, afirmou Carvalho.

Retomada à frente?

Somado ao retorno atrativo em dividendos, há quem já precifique uma retomada no valor das cotas para os próximos meses.

Um gestor de um fundo listado que conversou com o AgFeed se mostrou preocupado com a desvalorização das cotas vista de um ano para cá. “Meu medo é esta crise matar esta classe de ativos, o que seria uma pena”, afirmou.

Octaciano Neto, ex-diretor de Agronegócio da gestora Suno e especialista em mercado de capitais, é um que aponta o que chamou de “liquidação dos Fiagros” na B3 como uma oportunidade que pode ser aproveitada. "Momento ruim para as gestoras, que não podem fazer ofertas; mas para os investidores, momento mágico", classifica.

O especialista afirma que fez uma grande mudança na alocação de sua carteira pessoal de investimentos. "Só não vendi Fiagro para comprar outros Fiagros, mas vendi muita ação", afirma.

Em entrevista recente ao AgFeed, ele afirmou que acredita que os Fiagros caminham para uma "mínima histórica" em suas cotações. Para além do conjunto ruim de noticias que circundam o agro, que na visão do especialista são exageradas, existe uma conjuntura de notícias macroeconômicas no País que tem atrapalhado o mundo dos investimentos.

"Vejo uma crise real, que é a situação fiscal do governo, e outra fabricada, que é referente ao agro. Isso faz as pessoas 'morrerem com o barulho da bala’", compara.

No mercado de capitais, uma forma de avaliar se uma ação ou cota de fundo está cara ou barata, é dividir o valor negociado em Bolsa do ativo pelo seu VPA, o valor do patrimônio líquido da empresa (ou de um fundo) dividido pela quantidade de ações (ou cotas) que possui.

Dessa forma, se a divisão resultar num número maior que 1, significa que o fundo está sendo negociado por um preço acima do seu valor patrimonial. Se estiver igual a 1, significa que está num "preço justo", negociando exatamente no mesmo valor de seu patrimônio. Se estiver abaixo de um, significa que a cota está "descontada" frente ao que o fundo vale.

Segundo dados do site Clube FII, cerca de 90% dos Fiagros hoje estão descontados levando em consideração essa métrica.
Carvalho, da TF Research, vê que o temor dos investidores acaba gerando oportunidades para entrar em ativos sem problemas.

“Existem ativos bem geridos, com portfólio saudável e que ainda estão estão com 25% de desconto em relação ao valor patrimonial, oferecendo uma oportunidade de entrada”.

Violatti ainda acredita que é cedo para dizer que as cotas devem iniciar uma trajetória de alta daqui para frente, principalmente avaliando a situação macroeconômica do País e a tendência de alta nos juros daqui pra frente.

Num horizonte de curto prazo, de três a seis meses, ela ainda vê uma volatilidade nas cotações persistentes. Já levando em consideração um cenário de um ano, a expectativa é de “recuperação significativa”, principalmente para os fundos com melhor governança.

“Podemos esperar recuperação gradual em fundos com bons papéis no portfólio, além de uma melhora na ciclicidade natural do agro, que vai trazer maior clareza dos riscos. Outro aspecto é o regulatório, com a nova norma da CVM”, projetou.

Danilo Carvalho vê que daqui até o ano que vem, com as renegociações com devedores e garantias executadas ganhando desfechos positivos, os investidores notarão que, apesar de ter um problema no pagamento, o dinheiro não será perdido. “Com isso, a retomada pode acontecer nos preços”.