Notório consumidor de Diet Coke – adoçado com o ingrediente artificial aspartame – o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump deu um jeito de interferir até na receita do refrigerante mais bebido pelos americanos.
A Coca-Cola confirmou nesta terça-feira, dia 22 de julho, que vai adicionar ao seu portfólio, nos próximos meses, uma versão da bebida adoçada com açúcar de cana - cultivada nos Estados Unidos, frise-se bem.
O anúncio atende a uma “sugestão” de Trump, que, na semana passada, havia publicado, em uma postagem na rede social Truth, que a maior companhia de bebidas do mundo havia concordado em substituir o xarope de milho utilizado em seus refrigerantes pelo açúcar de cana.
"Tenho conversado com a Coca-Cola sobre o uso de açúcar de cana VERDADEIRO na Coca-Cola nos Estados Unidos, e eles concordaram. Gostaria de agradecer a todas as autoridades da Coca-Cola. Será uma ótima iniciativa deles — vocês verão. É simplesmente melhor!", escreveu Trump.
A Coca-Cola não confirmou a notícia de imediato, mas, quase uma semana depois, aproveitou a divulgação de seus resultados trimestrais para informar que “como parte de sua agenda contínua de inovação, neste outono, nos Estados Unidos, a empresa planeja lançar uma oferta feita com açúcar de cana americano para expandir sua linha de produtos da marca Coca-Cola.”
A fabricante de refrigerantes disse ainda que “essa adição visa complementar o forte portfólio principal da empresa e oferecer mais opções para ocasiões e preferências.”
A ideia, no entanto, não é que todos os refrigerantes da marca passem a ser adoçado somente com açúcar de cana – como vinha sendo ventilado nos últimos dias a partir da publicação de Trump.
A receita com o produto originado da cana já é usual em países como Brasil, México e Reino Unido, enquanto a Coca-Cola americana é adoçada com xarope de milho, um produto cada vez mais questionado por entidades ligadas a saúde pública.
Acusado por muitos especialistas de causar problemas de saúde, o xarope de milho rico em frutose, conhecido pela sigla HFCS, não entrou na mira de Trump à toa.
É que o secretário da saúde (cargo equivalente ao ministro da saúde no Brasil) do republicano, Robert F. Kennedy Jr., pretende levar a cabo os preceitos do movimento do qual é líder, o MAHA (sigla em inglês para Faça a América Saudável Novamente), com foco em reduzir os níveis de obesidade dos americanos e atuar na prevenção de doenças crônicas.
Além disso, a ideia de Trump também seria fortalecer a produção local de cana-de-açúcar, que é pequena nos Estados Unidos.
O curioso disso tudo é que uma simples mudança num ingrediente pode transformar ao mesmo tempo duas indústrias gigantescas ao redor do mundo: a da cana-de-açúcar, em que Brasil e México aparecem como principais exportadores para os Estados Unidos – somente do Brasil, no ano passado, o país importou cerca de 1,3 milhão de toneladas de açúcar –, e a de milho, em que os próprios americanos são os “reis”.
Os Estados Unidos até cultivam cana em estados ao Sul do país, como Flórida e Louisiana, mas em quantidade insuficiente para atender a demanda de açúcar do mercado local. São cerca de 4 milhões de toneladas de cana produzidas.
A Coca-Cola – e toda a indústria de bebidas americana – utiliza xarope de milho nos Estados Unidos desde os anos 1980, por ser um insumo mais barato que o açúcar extraído da cana.
Maiores produtores do grão no mundo, os EUA devem colher 398,91 milhões de toneladas de milho na safra 2025/2026, segundo as estimativas mais recentes do USDA, o departamento de agricultura americano.
A preferência de parte do público americano pela Coca com cana já gerou até um novo mercado: garrafas de vidro de Coca-Cola vinda do México, onde é utilizado o açúcar de cana como adoçante, são comercializadas por preços mais altos no varejo americano, sob o rótulo de "Coca-Cola mexicana".
Agora, entretanto, a tendência é que a nova “Coca-Trump” atinja volumes bem maiores. E gere impactos grandes no mercado do adoçante de cana.
Como os EUA são deficitários na relação entre consumo e produção interna, mesmo com o uso do produto doméstico pela Coca haveria a necessidade de repor estoques com importações.
Dados da empresa de inteligência artificial Reflexivity indicam que a troca completa de xarope de milho por açúcar de cana na linha de refrigerantes da Coca-Cola aumentaria em 35% a demanda por açúcar, representando 1,4 milhão de toneladas a mais por ano.
A consultoria Agroconsult vai na mesma linha e calcula que a demanda adicional pelo açúcar de cana poderia chegar a 1,5 milhão de toneladas adicionais. "Com isso os Estados Unidos poderiam aumentar em ao menos 50% suas importações líquidas", estima a consultoria.
"Esta situação abre uma janela de oportunidade direta para grandes produtores, com destaque para o Brasil, maior exportador global, e países da América Central, redefinindo os fluxos comerciais globais", avalia a Agroconsult.
Se a Coca-Cola passasse a adoçar seus refrigerantes apenas com açúcar de cana, provavelmente haveria um aumento de custos à frente.
"O aumento de custo provavelmente ultrapassaria US$ 1 bilhão, dada a atual diferença de preço entre o HFCS e o açúcar de cana e a probabilidade de aumentos de preço muito grandes para este último", disse a consultoria Heather Jones Research, segundo informações da agência de notícias Reuters.
Do ponto de vista do Brasil, em tese, a produção de açúcar conseguiria suprir um eventual aumento de demanda por parte da Coca-Cola.
O país é o maior produtor e exportador de açúcar no mundo. Na safra 2024/2025, o Brasil produziu 44,1 milhões de toneladas de açúcar, sendo que 35,1 milhões de toneladas foram exportadas e os 9 milhões restantes permaneceram no mercado interno. Os dados foram divulgados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em abril passado,
O interessante é que o volume foi registrado mesmo com secas e queimadas que destruíram milhares de hectares de canaviais há quase um ano e resultaram em uma queda de 3,4% na produção.
Já no lado americano, há problemas por todos os lados. A começar pela taxação de 50% sobre todos os produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos, prevista para entrar em vigor no próximo dia 1º de agosto.
Se a tributação de fato entrar em vigor, o açúcar brasileiro será duplamente taxado. Isso porque os Estados Unidos já estabelecem uma cota livre de taxação de açúcar, em que até 1,1 milhão de toneladas entram no país sem imposto de importação. Já o volume excedente paga uma taxa de cerca de US$ 360 por tonelada.
O Brasil tem uma cota de cerca de 172 mil toneladas que podem entrar nos Estados Unidos sem taxação. Para o volume restante, há uma sobretaxa de 80%.
Dessa forma, considerando que os preços da tonelada de açúcar estão na faixa dos US$ 400, o custo final de cada tonelada ficaria em US$ 760, já com a sobretaxa de 80%. Com uma tarifa adicional de 50%, o preço final da tonelada do açúcar brasileiro ficaria em US$ 1.140.
O mercado do milho também sofreria nos Estados Unidos – afinal, para produzir meio quilo de xarope de milho com alto teor de frutose, a indústria usa cerca de 1,1 quilo de milho, segundo informações da agência de notícias Reuters.
Hoje, o mercado de xarope de milho consome 10,1 milhões de toneladas de milho por ano, o que representa 2,5% de toda a produção do grão.
De acordo com a Associação dos Refinadores de Milho dos Estados Unidos, a substituição do xarope de milho rico em frutose representaria uma perda de US$ 5,1 bilhões na receita agrícola do país, reduzindo os preços em até 34 centavos por bushel.
Resumo
- Após "sugestão" de Donald Trump, a Coca-Cola confirmou que lançará nos EUA uma versão do refrigerante adoçada com açúcar de cana
- A ideia é substituir parcialmente o xarope de milho usado na receita da Coca nos EUA. A substituição total resultaria em um custo adicional de US$ 1 bi
- O movimento, em tese, favorece exportadores de açúcar como o Brasil, mas a alta taxação americana, que pode elevar o custo da tonelada para até US$ 1.140, pode ser um desafio para a Coca-Cola resolver