É de um prédio com mais de 160 anos de história, encravado no bairro do Belenzinho, em plena mancha urbana da Zona Leste de São Paulo, que Edson Tebaldi enxerga os movimentos do agronegócio brasileiro.

A construção está no centro de uma área de 120 mil metros quadrados e já teve diversos usos desde que foi erguida, em 1863, para abrigar uma fábrica de tecidos. Chegou até a abrigar um presídio político nos anos 1930, até que foi adquirido, em 1938, pela fabricante de pneus americana GoodYear.

Há pouco menos de 15 anos é a base de outra gigante dos pneus, a também americana Titan, maior fabricante de pneus e rodas para uso agrícola do mundo, que em 2011 comprou a operação da rival nesse segmento. No negócio, ficou com a histórica unidade e também com os direitos de comercialização da marca GoodYear no setor.

Tebaldi é o homem à frente da Titan na América Latina e, como tal, tem uma visão privilegiada do mercado agro no continente e, sendo assim, também do Brasil.

Os pneus produzidos na fábrica paulista (antiga apenas na idade) fazem rodar cerca de 50% das novas máquinas agrícolas produzidas no País, além de equipar caminhões e veículos off road. Nas revendas especializadas, respondem por 27% das vendas.

Assim, as entregas feitas a partir do Belenzinho acabam funcionando como um termômetro do mercado agrícola no País. E, a partir delas, Tebaldi pode trazer boas e nem tão boas visões sobre o segmento.

A boa notícia é que, em 2025, a projeção da Titan é fechar o ano com um faturamento de cerca de US$ 200 milhões na America Latina, que representa cerca de 18% da receita global da companhia.

“No Brasil, devemos fechar o ano com um crescimento de 6%”, aponta, indicando uma atividade crescente, apesar de um movimento menos intenso nas concessionárias de máquinas agrícolas – a Titan fornece para as principais montadoras, como John Deere, CNHi e AGCO.

O ano de 2025 tem sido melhor, segundo ele, porque a Titan se preparou para um período de mercado mais complexo. A empresa percebeu, entre o final de 2023 e o início de 2024, que o inventário de máquinas nas concessionárias passava por um ajuste.

Então, ajustou sua produção e estoques para essa realidade e assim conseguiu, em 2025, ampliar o fornecimento no chamado mercado de equipamentos originais à medida em que o varejo de máquinas recompunha seus inventários.

“A gente teve um ano de vendas mais estável”, afirma o executivo. Já no mercado de reposição, a Titan reforçou a estratégia comercial para aproveitar uma demanda maior de produtores rurais que, ao invés de adquirirem máquinas novas, optaram por investir na manutenção dos equipamentos usados.

Tebaldi conta que, nessa área, foram feitos trabalhos mais direcionados junto a cooperativas e outros canais de distribuição, o que permitiu manter a participação no mercado de revenda.

A notícia que não é boa vem da observação dos negócios no quarto trimestre, “bem menos favorável do que o início do ano até agora”, segundo ele.

“A gente percebe uma redução de produção significativa dentro das montadoras, a maior parte delas já com férias coletivas marcadas para o final do ano”, relata.

“E um janeiro instável. Não consigo dizer para você o que vai acontecer em janeiro, porque todo o forecast, tudo que a gente está recebendo de previsão não vai além do começo de dezembro”.

Assim, o presidente da Titan preparou sua equipe para um primeiro trimestre “mais difícil” do que o vivido em 2025. Mas sem pisar no freio: o orçamento para o ano foi elaborado com a premissa de um novo crescimento na ordem de 5% e tendo como meta um ganho de 2% de market share.

No pipeline de lançamentos estão previstos para chegar ao mercado 21 novos produtos, resultados de investimentos em tecnologia, com a utilização de materiais com diferentes composições.

Tebaldi cita, nessa área, a incorporação de de materiais mais resistentes como aço, ou com tecnologias de alta flexão, para ajudar a reduzir a compactação de solo. Também devem ser apresentados pneus de base mais larga, capazes de substituir dois pneus convencionais, além de uma nova linha para uso em máquinas para uso florestal com proteção de aço.

Uma das principais apostas da empresa tem sido na linha LSW, que, segundo ele, tem uma tecnologia embarcada que contribui para a eficiência do trabalho da máquina e, assim, para uma redução, na ordem de 12%, 14%, do consumo de combustível.

Além disso, em agosto passado, a Titan inaugurou um centro de distribuição na região de Cuiabá, no Mato Grosso, com o objetivo melhorar a logística de entregas no Cerrado, que tem demanda direta pelos pneus de base larga e alta tecnologia.

“A ideia é ter maior proximidade maior com cliente final, reduzindo em dois dias os prazos de entrega na região”, afirmou.

Parte da crença de que é factível manter o ritmo de crescimento vem da composição dos negócios da subsidiária, com boa diversificação de regiões, mercados e linhas de produtos.

A fábrica do Belenzinho abastece todo o continente, a partir de operações com representantes legais no México, na Argentina, no Peru, na Colômbia e no Chile.

As exportações são o destino de 14% da produção da unidade. Os outros 86% são divididos entre os mercados de revenda (48%) e de originais (38%).

“Algumas montadoras conseguiram também fazer um processo de exportação importante para países da América Latina. Isso ajudou bastante eles neste ano”, diz ele.

Outro mercado que ajudou a segurar as vendas e deve ter relevância em 2026 é o de tratores de baixa potência, que viram suas vendas crescerem.

Tebaldi relata que um de seus clientes de equipamento original, fabricantes de máquinas menores, voltadas para as culturas de café e para laranja, teve “um volume gigantesco de venda nessas linhas, o que realmente segurou em momento de demanda menor por máquinas com alta potência”.

Assim, segundo ele, a procura por pneus para o segmento de baixa potência “nos colocou em uma condição de aumento de volume dessa linha”.

Tebaldi diz que já a Titan vem buscando também a adequação interna para o cenário incerto de 2026, “trabalhando em uma composição de inventário e até por sazonalidade de produto para que a gente não seja pego de surpresa, nem em caso de uma demanda muito pequena”.

Um dos segredos dessa estratégia está em encontrar o equilíbrio nos estoques de matérias-primas disponíveis, mantendo custos sob controle e as equipes preparadas para operar naquilo que ele chama de “momentos de tonelagem mais baixa”.

Outro ponto importante para ele é aproveitar o momento de menor demanda para dar férias e oferecer treinamentos para as equipes, mas sempre com a preocupação de preservar a força de trabalho.

“A melhor coisa a fazer é treinar as pessoas e manter, porque o mercado volta e, quando volta, feliz daquele que tem a mão de obra disponível para poder atendê-lo no momento correto”.

Um investimento de R$ 9 milhões deve ser feito em 2026 para trazer novas máquinas e equipamentos para a fábrica do Belenzinho, ampliando sua capacidade para quando esse momento chegar.

Política de boa vizinhança

Assim como olha à distância para o Brasil rural, a Titan encara o desafio de ser uma indústria de grande porte cercada de cidade por todos os lados na populosa Zona Leste paulistana.

“Somos uma fênix”, afirma Tebaldi, referindo-se às diversas retomadas da indústria e também à constante evolução da planta da empresa, que vive, segundo ele, em permanente trabalho de reorganização “em termos de sustentabilidade e adequação completa de operacionalização”.

“Os últimos investimentos nos prepararam para aumento de demanda bem significativa, não temos limitação por conta da fábrica. Nosso gargalo é o mercado”, diz.

A localização é tão estratégica quando complexa. Próxima da Marginal Tietê, uma das principais vias de acesso às rodovias que partem de São Paulo, a fábrica é bem posicionada no aspecto logístico.

Mas o trânsito de caminhões pesados e a operação industrial têm potencial para ser um foco de problemas no relacionamento com a vizinhança. Por isso, a Titan tem, ao longo de sua história, investido em políticas de sustentabilidade que minimizem essa questão e, mais que isso, a tornem uma presença desejada na região.

O fato de gerar mais 1,5 mil empregos diretos é, claro, um ponto favorável. Hoje, segundo Tebaldi, cerca de 70% da mão de obra da companhia é formada por moradores da região.

“Nosso desejo é ser uma fábrica modelo de trabalho e de boa convivência”, diz. A companhia foi a primeira do seu segmento a receber um solo verde por zerar o aterro sanitário, emitido pela Ambipar e chancelado pelo Inmetro. E também tornou-se referência em gestão de recursos como água e eletricidade.

A preocupação ambiental começa longe da fábrica, com o sistema de logística reversa que recolhe atualmente, segundo ele, 100% dos pneus usados da marca que seriam descartados dentro do programa Recicla Anip, a Associação Nacional da Indústria de Pneus.

Todo o material recolhido é encaminhado para empresas de reciclagem, onde passa por um processo de desvulcanização para posterior usado como combustível em fornos de cimenteiras, em função de sua eficiência energética, ou na produção de asfaltos, por exemplo.

O trabalho é parte da política de sustentabilidade da Titan, mas não gera, por enquanto, receita adicional para a companhia. “Gera apenas um boleto a mais para pagar no final do mês”, brinca Tebaldi. “Não é um gasto pequeno, mas que a gente entende como parte do processo, da responsabilidade que temos”.

Resumo

  • Titan projeta faturamento de US$ 200 mi na América Latina e crescimento de 6% no Brasil, mesmo com sinais de desaceleração no fim de 2025
  • Empresa investe em tecnologia, lança 21 produtos, amplia logística no Centro-Oeste e reforça presença nos segmentos de baixa potência
  • Para 2026, mantém estratégia cautelosa: ajuste de estoques, treinos de equipes, investimento de R$ 9 mi e foco em sustentabilidade na planta paulista

Edson Tebaldi, presidente da Titan na América Latina

Operário na fabrica da Titan no bairro do Belezinho, em São Paulo (SP)