No mercado brasileiro de biocombustíveis, novos projetos e promessas de investimentos surgem a cada mês. Diante da pressão internacional por descarbonização de alguns setores, produtos como etanol, SAF e biodiesel ganham cada vez mais destaque no noticiário. Dentre todos, talvez o projeto mais ousado, anunciado para os próximos anos, seja o da Acelen Renováveis.

A companhia, que pertence ao fundo Mubadala Capital, braço do fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, com sede em Abu Dhabi, está investindo US$ 3 bilhões (algo em torno de R$ 16 bilhões pela cotação atual) para criar uma cadeia integrada de produção do óleo de macaúba.

O projeto engloba uma biorrefinaria na Bahia, o cultivo de 180 mil hectares de macaúba em áreas de pastagens degradadas e uma rede de pesquisa e inovação agrícola.

A ideia é que o parque instalado esteja operando em sua plenitude em 2038, para produzir anualmente 1 bilhão de litros de óleo da fruta, que serão utilizados como biocombustível em diversos setores.

Para chegar lá, a empresa caminha por etapas, sendo a fase atual focada na pesquisa e desenvolvimento, segundo explicou ao AgFeed o diretor de Agronegócios da Acelen Renováveis, Victor Barra.

Ele cita que a Acelen separou R$ 500 milhões apenas para pesquisa e desenvolvimento (P&D), em iniciativas que vão desde parcerias científicas com institutos e universidades como UFV, Esalq/USP, IAC, Unicamp, Embrapa e até a criação de estruturas próprias.

O movimento mais emblemático até aqui foi a inauguração do Acelen Agripark, em Montes Claros (MG), em agosto pasado. A unidade recebeu investimento de R$ 314 milhões, sendo R$ 258 milhões financiados pelo BNDES.

O espaço, que ocupa uma área equivalente a 138 hectares, é considerado uma plataforma estratégica para transformar ciência em escala de campo, com capacidade de germinar 1,7 milhão de sementes por mês e produzir 10,5 milhões de mudas ao ano.

“O Acelen Agripark é um divisor de águas, porque conecta a pesquisa ao campo. Aqui conseguimos validar soluções em escala real, acelerando o desenvolvimento de uma cadeia produtiva que vai gerar impacto econômico, social e ambiental positivo para o Brasil”, afirmou Barra.

É nesse contexto que surgiu um dos principais saltos científicos do projeto. Em parceria com a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), a companhia conseguiu superar uma barreira histórica no cultivo da macaúba: a taxa de germinação.

Barra cita que, de 70 anos de pesquisas com a macaúba, a empresa e a universidade desenvolveram o protocolo mais inovador até então.

Até aqui, as sementes da palmeira nativa tinham índices naturais de apenas 3% a 5% de germinação, e dependiam de um corte cirúrgico delicado na casca da árvore, uma região chamada de opérculo, um procedimento trabalhoso e sujeito a contaminações. Agora, com o novo protocolo, a taxa subiu para 70%, eliminando a etapa crítica do corte e zerando a contaminação.

Na prática, a técnica apenas enfraquece a casca, sem cortes, o que facilita a passagem do oxigênio e consequentemente, a germinação da planta. “Reduzimos as perdas e trazemos uma mudança relevante na produção de mudas. Isso permite escalar com mais eficiência o processo até as mudas acabadas que vão ao campo. Ao mesmo tempo, facilita o manejo da semente dentro do laboratório”, disse.

Segundo ele, esse processo é chave para tornar viável a expansão pretendida pela Acelen, que mira 180 mil hectares de terras próprias dedicadas ao cultivo da árvore.

O próximo desafio, ainda na etapa científica, é otimizar o processo de extração do óleo da fruta. A Acelen aposta na macaúba porque é uma planta capaz de produzir entre sete a 10 vezes mais óleo por hectare do que a soja.

A questão é que além do biocombustível drop-in — aquele que pode substituir querosene de aviação e diesel sem nenhuma alteração na frota existente - a ideia é produzir também coprodutos de alto valor agregado

Barra cita que parte da casca pode ser utilizada em altos fornos, como elemento para produção do biochar e até como “torta”, resíduo sólido que pode ser utilizado para nutrição animal.

“Num curto-prazo, a consolidação da tecnologia para extração do óleo e coprodutos é algo importante para nós. No Agripark, estamos desenvolvendo uma planta piloto capaz de extrair duas toneladas de óleo por hora”, citou.

Nos próximos anos, um dos passos estratégicos será a intensificação da agenda de aquisição de terras. Embora não detalhe números ou regiões, a companhia admite que o processo será gradual para evitar distorções no mercado.

“Seguramente vamos ter ramp-up em algum momento, onde estaremos a partir da consolidação das tecnologias”, disse Barra.

Victor Barra conta que a empresa já tem suas primeiras áreas adquiridas na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano. Por lá, uma fazenda-modelo já cultiva 350 hectares, devendo chegar a 1,5 mil até o ano que vem.

As lavouras de macaúba da empresa deverão estar localizadas no eixo entre Montes Claros (MG), onde está o centro tecnológico, e Mataripe (BA), onde estarão as usinas.

Na unidade baiana, a empresa adquiriu em 2021 uma refinaria por US$ 1,6 bilhão. Por lá, ainda construirá a biorrefinaria para produção do biodiesel e do combustível sustentável de aviação (SAF).

Em 2024, o vice-presidente de Novos Negócios da Acelen Renováveis, Marcelo Cordaro, revelou ao AgFeed que as terras próprias poderiam ser adquiridas através de fundos (provavelmente Fiagros) estruturados especialmente para permitir essa aquisição.

Outras dezenas de milhares de hectares virão de agricultores familiares parceiros. A Acelen fornecerá mudas e tecnologia de manejo e garantirá a compra dos frutos.

Cordaro ainda afirmou na época que existe a possibilidade de a empresa buscar parceiros agrícolas que se interessem pela produção da macaúba. Contudo, acredita que essa possibilidade só vai acontecer em um estágio mais avançado do projeto.

"Nenhum vai investir enquanto não tivermos resultados de testes com as mudas e o material genético", disse ele, em entrevista concedida em fevereiro do ano passado.

“Lançamos recentemente o Acelen Valoriza, um programa voltado à integração agrícola, multifacetada focada agora na agricultura familiar. Já são 10 famílias escolhidas, o que vai permitir trazer valor agregado a essas famílias”, completou Barra.

A Acelen Renováveis foi criada em 2021 justamente para acelerar a transição energética, conectando ciência, indústria e capital de longo prazo. A escolha da macaúba não é fortuita, pois além de seu rendimento superior em óleo, o cultivo da palmeira se dá apenas em áreas de pastagens degradadas.

O potencial de sequestro de carbono é estimado em 160 milhões de toneladas de CO₂ ao longo do ciclo, um volume comparável às emissões anuais de países inteiros.

Na outra ponta, o impacto econômico projetado é igualmente ambicioso. A Acelen calcula que, ao longo das próximas décadas, a cadeia da macaúba deve injetar cerca de US$ 40 bilhões na economia brasileira, entre empregos, tributos, renda agrícola e movimentação de insumos.  A meta é gerar até 85 mil postos de trabalho diretos e indiretos, consolidando todo ecossistema produtivo.

Resumo

  • Acelen Renováveis está investindo US$ 3 bi (R$ 16 bi) para criar cadeia integrada da macaúba, com meta de 1 bilhão de litros/ano de óleo até 2038
  • Empresa destinou R$ 500 milhões para P&D e inaugurou o Agripark em Montes Claros (MG), com capacidade para 10,5 milhões de mudas/ano
  • Próximo desafio é otimizar a extração do óleo e coprodutos. Na sequência, promete ampliar a base agrícola com até 180 mil hectares próprios

Victor Barra, diretor de Agronegócios da Acelen Renováveis, segurando uma macaúba