Os cerca de mil quilômetros que separam Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, de Mataripe, no Recôncavo Baiano. É região de terras pouco valiosas, praticamente ignorada no mapa do agronegócio brasileiro.

É neste eixo, no entanto, que o Mubadala Capital, braço do fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, inicia este ano um dos mais ambiciosos e originais projetos agroindustriais do País.

Nos próximos anos, através da sua controlada Acelen Renováveis, vai investir nada menos que R$ 12 bilhões para construir, do zero, uma grande cadeia produtiva para transformar a macaúba, planta nativa que hoje tem pouco valor comercial, em um biocombustível especial com foco na exportação.

Os investimentos já começaram nas duas pontas do eixo. Em Montes Claros, R$ 125 milhões serão aplicados ainda este ano para erguer e colocar em funcionamento o Centro de Inovação e Tecnologia Agroindustrial (Cita), ponto de partida de todo o desenvolvimento agrícola do projeto.

Na outra extremidade, na refinaria de Mataripe, adquirida pela Acelen em 2021, por US$ 1,6 bilhão, também este ano serão iniciadas as obras para a construção de uma biorrefinaria, de onde sairão biodiesel (HVO) e combustível sustentável de aviação (SAF).

Ao longo dos próximos 15 anos, a empresa prevê incorporar nesse corredor mais de 200 mil hectares de terras para a produção de macaúba e pelo menos cinco hubs agroindustriais de esmagamento do fruto.

“Quando estivermos operando a pleno, em 2038, teremos produzido um enorme impacto socioeconômico em regiões de índice de desenvolvimento humano muito baixo”, afirma Marcelo Cordaro, vice-presidente de Novos Negócios da Acelen Renováveis.

Segundo estudo da FGV, esse impacto pode atingir R$ 222 bilhões nesse período, abrangendo a geração de mais de 90 mil empregos diretos e indiretos, além da geração de novos impostos federais, estaduais e municipais.

“Esse valor corresponde à soma de todos os resultados econômicos na cadeia, com os valores agregados com a compra de insumos, serviços, equipamentos e tudo mais”, explica Cordaro.

“A macaúba tem enorme potencial transformador, até porque sua produção deve estar associada à parte agroindustrial, com as unidades de esmagamento próximas”.

O prazo parece ser longo, mas a Acelen tem um cronograma apertado pela frente. Na frente da biorrefinaria, a engenharia corre para finalizar os projetos, de forma com que as obras se iniciem no segundo semestre deste ano e a produção dos biocombustíveis aconteça em 2026.

No âmbito agroindustrial, o desafio é ainda mais complexo. Embora estudada por diversas instituições, a macaúba ainda precisa ser “domesticada”. Ou seja, a Acelen trabalha para desenvolver processos para sua produção em larga escala, com as características necessárias para melhor desempenho na produção de óleo.

Para isso, são muitas diferentes frentes em jogo, cada uma com sua meta e com o relógio correndo rápido para que o fornecimento para a refinaria comece a acontecer entre o final de 2027 e o início de 2028.

Assim, quando a biorrefinaria estiver pronta para produzir, o primeiro insumo devem ser outros óleos vegetais disponíveis, como o de soja certificado, adquirido de fornecedores verificados no Brasil e na Argentina.

“Durante algum tempo, seremos um dos maiores consumidores de soja do País”, diz Cordaro. “Quando entrar a macaúba, a adaptação será muito simples, quase desnecessária”.

Opção original

A opção da Acelen pela macaúba não tem nada de convencional e se encaixou dentro da estratégia do Mubadala de investir em transição energética.

O fundo já havia aberto outras frentes, como a aquisição da Atvos, na área sucroenergética, e aportes em energia fotovoltaica no interior do Brasil.

Depois de adquirir a refinaria de Mataripe, criando a Acelen, a empresa passou a buscar também projetos para utilizar a estrutura para outros biocombustíveis, mas, segundo cordaro, “não havia projetos interessantes para investir”.

Quando se deparou com a macaúba, o grupo vislumbrou uma possibilidade e iniciou estudos. “Vimos tanta atratividade, que o que era uma possibilidade, virou um projeto, transformou-se em negócio integrado de combustível e hoje é uma empresa específica, a Acelen Renováveis”.

A criação de uma empresa nova, irmã da que toca a refinaria tradicional, foi definida com o objetivo de atrair outros investidores para o negócio, já que de acordo com Cordaro, a estrutura de capital do negócio original “não permitiria determinados investimentos e aportes”.

“Outros investidores virão, temos conversas adiantadas com alguns deles, inclusive uma que já é pública com com a própria Petrobras, que pode ter uma participação”, afirma o executivo. “O potencial da macaúba está atraindo muita gente”.

Marcelo Cordaro, vice-presidente de Novos Negócios da Acelen Renováveis

A macaúba entrou no caminho da Acelen quando a empresa buscava opções de matéria prima para suprir a necessidade de matérias primas para a produção de diesel verde e SAF. Na visão da companhia, os dois combustíveis têm enorme demanda reprimida em função da falta de insumos em quantidade suficiente para atender o mercado.

“Queríamos um projeto para para exportar para mercados dos Estados Unidos e da Europa, mas para isso precisávamos buscar soluções de biomassa.

O fruto, típico das áreas de Cerrado e semi-árido foi escolhido por atender três aspectos principais desejados pela Acelen. Primeiro, a disponibilidade. Embora ainda não tenha cultivo comercial, os estudos da empresa mostraram que ela poderia ocupar grandes maciços pouco produtivos em regiões de baixo desenvolvimento.

“Hoje não existe muita macaúba nessas regiões porque as árvores nativas foram removidas para abertura de pastagens. Mas ainda há muitas comunidades que sobrevivem do extrativismo da planta, produzindo farinha rica em proteína e que produz óleo”, diz Cordaro.

Domesticando a macaúba

As características desse óleo chamaram a atenção. Comparado com a soja, a produtividade de extração por hectare, segundo a empresa, é sete vezes maior, atingindo 4 toneladas por hectare/ano.

“Há fortes indícios de que, com melhoria genética e de cultivo, podemos dobrar essa capacidade”, afirma o executivo. Além disso, a planta consumiria, no processo agrícola, metade da água necessária para o cultivo de palma, outra fonte relevante de óleo para biocombustíveis. E, nos estúdios preliminares, mostrou grande capacidade de recuperar a terra em áreas degradadas.

O desafio, agora, é dominar os processos de produção em escala. “Vamos fazer todo o trabalho de desenvolvimento genético, clonagem, marcação genética”, conta Cordaro. “A beleza desse projeto é que tem todas essas frentes”.

Para atuar em todas elas e acelerar a “domesticação” da macaúba, a Acelen Renováveis firmou parcerias com instituições com diferentes especializações. A lista é extensa e envolve as Embrapas Agroenergia e Cerrado, a Universidade federal de Viçosa, a Esalq, o Instituto Agronômico de Campinas, a Unicamp e a Unimontes, de Montes Claros.

Também no exterior, foi buscar apoio de universidades especializadas na modelagem de projetos com tamanho nível de complexidade, como Davis e Cornell.

“Uma coisa importante desse projeto é que ele é um ecossistema. A Acelen é o motor. Temos vários parceiros responsáveis por desenvolver tecnologia e todos os contratos se encaixam no nosso desenvolvimento”, diz.

A Esalq, por exemplo, está iniciando, na região de Piracicaba, dois hectares de cultivo de floresta monitorada e sensoriamento com foco na macaúba. “Vamos fazer primeiro plantio de testes em Montes Claros no segundo semestre, junto ao Cita”, diz.

O centro de tecnologia é o coração do projeto agrícola. Ali, a empresa está criando uma “linha de montagem” para germinação de sementes e produção de mudas, que vão fornecer para as fazendas onde a macaúba será cultivada.

O fruto da macaúba

Para que atinja a escala desejada, a Acelen vai precisar desenvolver processos e equipamentos específicos. A germinação de sementes, por exemplo, hoje é feita através da extração da noz, cuja casca é dura, e deixá-la exposta. Para isso, deve-se escarificar a semente com um corte no lugar certo, permitindo que comece a germinar.

“Vamos fazer um sistema totalmente automatizado para gerar um volume grande de sementes germinadas por minuto”, diz Cordaro. Na linha de mudas, a tecnologia será semelhante à usada pelo setor florestal para o eucalipto.

“Tudo será desenvolvido no Cita. A ideia é já ter centro de germinação em agosto, com a produção de mudas iniciando um pouco antes em junho ou julho”.

A automação deve chegar também ao campo. A empresa está usando inteligência artificial para analisar bancos de dados de material genético na busca pelas plantas mais produtivas, dentro das características desejadas.

Cultivo e colheita devem ser feitos com sensoriamento, para monitorar cada passo do processo e entender as taxa de crescimento. Também já está em processo o desenvolvimento de maquinário específico para a cultura, que, a princípio, será adaptado do que é utilizado no cultivo da palma.

Segundo Cordaro, as plantas têm algumas semelhanças, mas os cachos da macaúba são mais expostos e, portanto, mais fáceis de cortar. Entretanto, a planta tem mais espinhos, assim exigirá equipamentos de proteção (EPIs) específicos.

Também no Cita funcionará outra experiência que é crucial para o sucesso do projeto: o desenvolvimento das esmagadoras, ou crushers, na linguagem técnica, responsáveis pela extração do óleo que será encaminhado para o refino.

“Os crushers são pontos de investimento muito alto”, diz Cordaro. “O Cita terá um piloto. Como não existe extração de óleo de macaúba em grande escala, precisamos de um processo viável. Não podemos perder potencial de óleo em uma extração ineficiente”.

Além do óleo, o processo pode entregar outros subprodutos com valor comercial. A macaúba, afirma o executivo, é muito rica em proteínas na polpa e na amêndoa. Sua noz tem alto poder calorífico e pode pose ser usada como carvão ou biochar, um fertilizante natural. Até a casca, diz, é boa para geração termelétrica. “Há várias rotas que podem ser exploradas”.

Decisões estratégicas

Há muitas decisões estratégicas sendo tomadas todos os dias. As áreas de plantio, por exemplo, ainda não foram reveladas. As primeiras lavouras comerciais devem começar a ser cultivadas este ano, mas a única pista sobre a localização é de que serão no eixo Montes Claros – Mataripe.

A maior parte das terras será própria, adquiridas através de fundos (provavelmente Fiagros) estruturados especialmente para permitir essa aquisição.

Cerca de 20% da matéria prima, entretanto, virá da agricultura familiar. A Acelen fornecerá mudas e tecnologia de manejo e garantirá a compra dos frutos.

Além disso, segundo Cordaro, a Acelen está em busca de eventuais parceiros agrícolas que se interessem pela produção da macaúba. Mas acredita que essa possibilidade só vai acontecer em um estágio mais avançado do projeto. “Nenhum vai investir enquanto não tivermos resultados de testes com as mudas e o material genético”.

Também não foram definidas as cidades que receberão os crushers – o primeiro em escala industrial será construído em 2025 – e que funcionarão como polos de desenvolvimento regional.

“Ainda estamos procurando áreas, vendo as que têm mais aptidão e capacidade de compra em escala. Os crushers são mais que moendas, são extratoras industriais que precisam ter escala. Não podemos ter terras muito dispersas, senão a logística fica cara. Além disso, as soluções de logística precisam ser eficientes, com baixa emissão, já que vamos certificar todas as etapas da cadeia”

Enquanto isso, em Mataripe, a biorrefinaria começará a tomar forma. A planta terá capacidade de processar 20 mil barris de óleo por dia. “Vamos fazer em Mataripe por causa da sinergia com a refinaria já existente” diz Cordaro.

“Ali temos o porto e toda a estrutura, o lugar para chegar o óleo e sair o biocombustível para a exportação”. E então a macaúba pode ganhar o mundo.