Aos 14 anos, Marcelino Bellardt começou a trabalhar na fábrica de ração da Cooperativa Avícola de Santa Maria de Jetibá (Coopeavi), no Espírito Santo. Funcionário dedicado, daqueles que estão em uma empresa por toda vida, 38 anos depois ele é o atual CEO da Nater Coop.
Mas ao contrário do pragmatismo profissional de Bellardt, a maior cooperativa do Espírito Santo, gerida por ele, se notabilizou por quebrar paradigmas.
Nascida em 1964 como Coopeavi, a partir de um grupo de 20 criadores de galinhas de postura no pequeno município capixaba, passou pela primeira mudança em 2002, com a troca do nome para Cooperativa Agrícola Centro Serrana, até a alteração radical da marca. Em 2022 nasceu a Nater Coop.
As mudanças foram justamente para atrair produtores de outras culturas, como café e pecuária leiteira, já que o nome e a sigla estavam ligados à produção de ovos.
A última delas, mais radical, passou pela contratação de uma consultoria e a sugestão da marca Nater - junção das iniciais Natureza e Terra, e com o som semelhante ao de mater (mãe) - Coop.
“A cooperativa tem essa relação de mãe de vários produtores. E o Coop é para ratificar e não sair da identidade, da relação de sermos cooperativos”, explicou Bellardt em entrevista ao Agfeed. “Começamos o terceiro ano da nova marca, uma alteração muito corajosa”.
No ano passado, a mudança estatutária profissionalizou o modelo de gestão. Bellardt, que informalmente já era o principal executivo da cooperativa, foi alçado ao cargo de CEO e trabalha agora com sua equipe para operacionalizar as decisões tomadas pelo conselho eleito.
Aqui, mais uma quebra de paradigmas. A Nater Coop tem um modelo de gestão participativa, com 70 cooperados líderes eleitos que representam todos os 24 mil cooperados em assembleias e buscam ampliar o diálogo com a diretoria da cooperativa.
O primeiro ano como CEO foi um dos mais atípicos da cooperativa e uma prova de fogo para o executivo. Com o café entre as maiores culturas, a crise de oferta e a demanda aquecida pressionaram os resultados da Nater Coop.
A receita recorde, de R$ 2,53 bilhões, alta de 39% sobre o R$ 1,82 bilhão de 2023, quase foi insuficiente para gerar resultados para serem destinados aos cooperados. Segundo Bellardt, houve a necessidade de se buscar café mais caro no mercado para cumprir contratos e de se pagar juros altos para financiar operações.
“Para cumprir os compromissos de exportação, tivemos de ir ao mercado e comprar de outras empresas. Eram duas situações atípicas para o café: aquela disparada que comprometeu a margem e o custo financeiro significativo”, disse.
“Mesmo com essa situação, a gente entregou sobras ao cooperado”. Foram R$ 4,62 milhões a serem destinados, ante R$ 17 milhões no ano anterior.
Para 2025, os juros continuam altos, mas os preços do café caíram pela metade. A saca do conilon, principal produto daquela região, saiu de R$ 2 mil para R$ 1 mil, valor dentro da normalidade, segundo Bellardt, o que garante a margem ao produtor e ajuda a Nater Coop a manter as finanças saudáveis.
A receita deve superar R$ 3 bilhões este ano e manter a cooperativa como a maior empresa do agronegócio capixaba e entre as 20 maiores do Estado.
Café com leite o ovos
Mesmo em um ano de recuperação de caixa, os investimentos não param. Até o final de 2025, a Nater Coop espera fechar o projeto de um abatedouro de galinhas de postura que não são mais produtivas.
O investimento previsto na unidade, a primeira no Estado para esse tipo de galinha, é de R$ 30 milhões. E, como não poderia deixar de ser, outro paradigma será quebrado pela Nater Coop.
A cooperativa busca um parceiro para dividir os investimentos para produzir principalmente óleos, farinhas e ração animal na planta prevista para ser construída em Santa Maria de Jetibá.
Outra parceria, inédita, é utilizada há oito anos pela Nater Coop para ajudar o município sede da cooperativa a ser o maior produtor de ovos do Brasil.
O modelo de condomínio é o inverso ao de integração utilizado pelas granjas de frangos de corte no Brasil, no qual as companhias oferecem os pintinhos para serem criados pelos produtores.
No modelo capixaba, a Nater Coop compra a área, constrói a granja e cede funcionários. Os produtores entram como investidores e se tornam sócios-cotistas minoritários.
“Com isso, conseguimos trazer produtores de outras culturas e hoje temos 300 mil aves de postura nesse modelo”, disse Bellardt.
Segundo o CEO da Nater Coop, a boa notícia é que o modelo está aberto a qualquer pessoa do Brasil a se tornar investidor nas granjas.
“A má notícia é que a gente não conseguiu até agora expandir as cotas para além dos nossos associados, porque são muito procuradas e a gente não consegue atender toda essa demanda”, explicou.
O modelo foi expandido e a Nater Coop lançou, em 2022, o primeiro condomínio leiteiro capixaba. A cooperativa é dona da marca Veneza, com mais de 70 produtos comercializados no Espírito Santo e Bahia.
Com 61 anos, a Nater Coop diversificou as culturas e avançou para Minas Gerais. São 30 mil produtores atendidos em 42 municípios, 34 no Espírito Santo e oito mineiros.
A cooperativa tem 72 unidades, entre granjas, armazéns, planta de beneficiamento e torrefação, postos de combustíveis e lojas agropecuárias.
Nessas 42 lojas agropecuárias, a Nater Coop atende qualquer produtor, não somente os cooperados, explica Bellardt, outra quebra de paradigma entre as cooperativas.
“Essas lojas têm de um prego a um trator e a gente não se restringe só ao produtor cooperado”, disse o CEO.
Segundo ele, o fato de atender não cooperados é uma forma de trazê-los para a cooperativa no futuro. “A gente fala: ‘olha, não precisa se associar, a gente vai te dar a condição de cooperado e, no momento que você estiver seguro, a gente trabalha para você se associar à cooperativa’”, explicou.
A diversificação de atividades funcionou como mitigador de riscos da cooperativa, segundo seu CEO. O setor de café e especiarias, principalmente pimenta do reino, chegou a 35% de participação nos negócios no ano passado e as lojas agropecuárias responderam por 30%; o setor de alimentos e agroindústria, por 25%, e os bens de consumo, por 10%.
“A cooperativa anteviu que ter uma atividade só era muito arriscado e foi se diversificando de acordo com as novas atividades, buscando produtores para serem sócios e avaliando qual era a maior dificuldade. Uma das dificuldades era a obtenção de insumos, de adubos, sementes, e a cooperativa fez esse papel”, disse Bellardt.
“Sempre quebrando paradigmas”, concluiu o funcionário de quase quatro décadas da Nater Coop.
Resumo
- Com 24 mil associados, Nater Coop projeta alcançar R$ 3 bilhões em receita em 2025, apoiada por mudanças que vão do nome ao modelo de gestão
- Uma das maiores exportadoras de café do País, cooperativa quebrou paradigmas ao criar modelos como os “condomínios” de aves e leite
- Agora, planeja investir R$ 30 milhões em um abatedouro de galinhas de postura e busca sócios para o projeto