Uma grande empresa produtora de celulose precisa possuir uma extensa área de terras para plantar suas florestas de eucalipto, de onde é extraído o produto. É o caso da Eldorado Celulose, que hoje pertence à holding J&F, dos irmãos Batista, também controladora da JBS.

Em 2017, em meio a uma crise enfrentada pelo grupo, a J&F acertou a venda do controle da Eldorado para a CA Investment, subsidiária da multinacional Paper Excellence, fundada e controlada pelo indonésio Jackson Widjaja.

Quase sete anos depois, no entanto, o negócio está cada vez mais longe de se concretizar, e o principal motivo é a lei que impede compra de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil, sem a autorização prévia das autoridades.

O contrato previa a compra de 49,4% do capital da Eldorado pela CA Investment em 2017, com o pagamento de R$ 3,8 bilhões. A subsidiária da Paper Excellence completaria a operação um ano depois, mas o pagamento dos 50,6% restantes não foi realizado até setembro de 2018, quando venceu o prazo para liquidar a transferência de ações.

Então foi iniciada uma arbitragem e o controle da Eldorado continua sendo disputado na Justiça. Em julho de 2023, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) já havia suspendido a transferência de controle da Eldorado.

A alegação é a mesma exposta na nota técnica do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), exposta nesta terça pela Eldorado em comunicado ao mercado.

Segundo o órgão, a Eldorado é proprietária e arrendatária de terras. Segundo informações da própria companhia, são quase 250 mil hectares de florestas.

Assim, a transferência de controle da companhia precisa de uma autorização prévia do Congresso Nacional e dos demais órgãos de regulação, já que a Paper Excellence é uma empresa estrangeira.

Por isso, o Incra recomendou, inclusive à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o cancelamento do contrato firmado em 2017 entre J&F e CA Investment.

No comunicado, a Eldorado afirma que vai orientar seus acionistas a “adotar as providências cabíveis”, e que “se houver interesse de ambas as partes em nova transação, solicitar ao Incra e aos demais órgãos competentes prévia autorização para o negócio”.

Em nota enviada ao AgFeed, a J&F Investimentos diz que tomou conhecimento da posição do Incra e lembra que ela é idêntica àquelas já tomadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Ministério Público Federal (MPF).

“Em razão da conclusão técnica do Incra de que o contrato de venda da Eldorado não poderia ter sido firmado e considerando que a AGU já afirmou em três pareceres que ‘a consequência é a nulidade de pleno direito’, a J&F aguarda a concordância da Paper Excellence para o desfazimento amigável e voluntário do negócio, como recomendado pela autarquia, com a devolução do valor já pago, evitando assim prejuízos ainda mais graves às operações da Eldorado”, diz a holding.

Procurada pela reportagem, a Paper Excellence Brasil não se posicionou até o fechamento desta reportagem.

Lei da década de 1960

A questão da compra de imóveis rurais por estrangeiros é bastante discutida dentro do agronegócio e, segundo um advogado especialista em direito imobiliário, que prefere não se identificar, as decisões seguem a lei que foi promulgada na década de 1960.

“A lei precisa ser modernizada. É legítimo haver uma preocupação com a segurança nacional, a soberania, questões de fronteira. Mas empresas e investidores estrangeiros querem desenvolver negócios no Brasil, especialmente no agronegócio, segmento que mais cresce no país”, diz esse advogado.

Ele conta que muitos cartórios desconhecem a legislação e não é incomum a transferência de imóveis rurais para estrangeiros sem que o Incra sequer tome conhecimento.

“A análise é morosa, burocrática e dificulta a operação. O Incra não tem mão de obra para estudar todas as particularidades. As autorizações demoram pelo menos dois anos para sair”, diz o especialista.

Ele cita o exemplo de empresas de energia que querem comprar terras para instalar painéis solares. “Não há uma instrução específica para esse fim na lei. Há mais de uma década que não se avança nessa pauta”.

O advogado conta que empresas e investidores acabam arrumando alternativas para conseguir entrar no segmento, principalmente via Fundos de Participação e Fiagros. “A legislação não trata desse instrumento. A própria CVM tem dificuldade para criar um padrão”.