Depois de viverem entre o fim da década passada e o começo da atual um intenso processo de expansão, com aberturas de novas lojas e muitos M&As, sigla em inglês para fusões e aquisições, as grandes redes de revendas de insumos agrícolas se viram à beira do abismo nos últimos dois anos.
Com preços das commodities em baixa, o produtor passou a reduzir suas compras ou até mesmo deixou de pagar suas contas, justamente no pico de um ciclo de expansão rápida e endividamento de distribuidores e varejistas.
A tempestade perfeita armou-se com a alta dos juros. O mercado travou e não restou outra saída para gigantes como AgroGalaxy e Lavoro que não fossem medidas protetivas contra os credores – a primeira pediu recuperação judicial em setembro do ano passado, e a segunda conseguiu firmar uma recuperação extrajudicial em junho deste ano.
O setor como um todo ficou machucado e, com isso, o mercado de M&As, antes acelerado, praticamente congelou.
Mas, na avaliação de Karim Pechliye, sócio especialista em agronegócios da IGC Partners, uma das principais empresas de fusões e aquisições do Brasil, que participou de muitos dos processos de incorporação de revendas, o cenário indica nova mudança de clima, com sinais de reaquecimento nos processos de fusão e aquisição.
"Confio muito que a onda de consolidação que aconteceu foi uma ‘marola’ perto do que está para acontecer", avalia. "Não vai ser um boom, mas acredito que vamos ver mais transações acontecendo no ano que vem.”
A opinião de Pechliye sobre o futuro ganha relevância na medida que a IGC precisa trabalhar sempre com o futuro – as primeiras conversas para futuras participações nas operações de M&As costumam se iniciar pelo menos 12 meses antes do anúncio final.
Ao AgFeed, o sócio da IGC detalhou sua tese, com o know-how de quem entende profundamente do tema por ter atuado de perto no processo de consolidação desse setor – simbolizada pelas inúmeras plaquinhas de vidro que simbolizavam cada M&A concluído, repousadas em sua mesa na sede da IGC Partners, em São Paulo.
A lista de empresas em que a IGC assessorou a parte vendedora é longa e conta com nomes de gigantes como Lavoro, AgroGalaxy, Ihara, Sumitomo Chemical, Marubeni, Nutrien, entre várias outras empresas.
“Participei de 40 M&As de revendas e, se contarmos os M&As que não saíram, provavelmente já vi o balanço de mais de 100 empresas do setor”, afirma Pechliye.
"Posso dizer, portanto, que ainda é um ambiente muito pulverizado. Existem muitas boas revendas por aí faturando um, dois, três bilhões de reais e que, provavelmente, poucos conhecem – às vezes, nem eu. Na semana que vem mesmo, por exemplo, vou receber aqui na IGC um cara de uma revenda que fatura dois bilhões de reais e eu nunca havia ouvido falar.”
Pechliye atenta também para o fato de que essas empresas, além de menos conhecidas, também estão em geral mais próximas dos produtores e, por isso, conseguiram avançar mesmo em meio à crise do segmento.
"São empresas boas, saudáveis, que aprenderam a operar. Tenho certeza que os problemas que muitos enfrentaram aí no passado, com relação às revendas, vão servir de aprendizado para o futuro… do que não fazer, de como operar, de como ser menos expansivo. Acho que é um bom aprendizado para o futuro.”
Pechliye avalia que existem oportunidades em companhias de todo o Brasil e destaca o caso da região Nordeste, onde houve menor consolidação das revendas quando houve o boom dos M&As.
"Era a região que estava começando a sofrer consolidação quando veio a crise", lembra o executivo. "Mas, acredito que em qualquer lugar vamos encontrar boas revendas e com um bom tamanho.”
Além de perceber que ainda existem muitas varejistas no mercado passíveis de consolidação, Pechliye avalia que o mercado de insumos como um todo deve passar por uma “virada” a partir do ano que vem, favorecendo os deals.
“Por mais que a gente venha de anos estressados, tudo que o agricultor não investiu nos últimos dois anos para economizar, ele vai precisar começar a investir a partir do ano que vem. O cara não trocou o maquinário, não trocou o implemento, o não adubou o solo ‘full’, o cara não preparou o solo com calcário ‘full’. Vemos uma ressaca de falta de investimento que traz uma perspectiva muito positiva.”
Além do retorno dos M&As no setor de insumos, outra tendência que Pechliye vê surgindo no mercado é a consolidação das concessionárias de máquinas agrícolas, uma vez que o setor ainda é pulverizado e, em vários casos, composto por empresas familiares.
"A consolidação vem sendo estimulada pelas próprias fábricas indicando o seguinte: ‘Olha, eu preciso de um dealer robusto, de um dealer grande, de um cara estruturado e que saiba entregar tecnologia. Entregar e ensinar o produtor a usar mais tecnologia no campo.’"
A IGC, inclusive, participou de um caso recente de M&A envolvendo revenda de máquinas agrícolas, a compra da rede de concessionárias Maxum Máquinas, revendedor da Case IH, pelo grupo Brasif, do empresário e pecuarista Jonas Barcellos.
"Fizemos uma belíssima transação. a Brasif já entrou numa região próspera, grande, acho que foi uma transação bem legal", avalia Pechliye.
M&As em aceleração
A IGC Partners foi criada em 1997 por Abudi Milanez e Daniel Milanez e, especializada no sell side – ou seja, na assessoria às empresas vendedoras –, consolidou-se no mercado das operações de fusões e aquisições, dando salto de crescimento ao longo da última década.
Ao todo, desde sua criação, a empresa já participou de mais de 500 transações. Só no agro foram mais de 50.
“Nos tornamos a maior casa da América Latina em M&A agro e, provavelmente, uma das maiores do mundo. Esse crescimento veio quando decidimos estruturar o negócio em células setoriais, o que nos permitiu aprofundar a especialização e gerar mais volume de transações”, explica Pechliye.
A célula de agro, liderada por ele, existe formalmente há cinco anos e já atuou em praticamente todas as cadeias do setor: insumos agrícolas, biológicos, fertilizantes, nutrição e saúde animal, além de proteínas como aves, suínos e ovos.
Para listar alguns dos vários deals em que teve participação, a IGC atuou na compra da Agro100 pela AgroGalaxy, da Casa da Vaca pelo Aqua Capital, da Fortgreen pela Origin, da Adubos Real pela Marubeni, da Terra Soluções Agrícolas pela Ihara, do Grupo Desempar pela Lavoro, entre várias outras negociações.
“Fizemos negócios com praticamente todos os consolidadores de insumos agrícolas. Mesmo num momento em que o setor viveu estresse com inadimplência e margens pressionadas, seguimos ativos. Temos um volume de oportunidades grande e um time muito especializado e é essa combinação que mantém a engrenagem girando mesmo em ciclos difíceis”, afirma.
Neste ano, a IGC deve fechar com sete a oito transações concluídas no agro, superando o volume do ano anterior, quando havia fechado seis deals.
Até o momento, foram quatro operações, sendo duas delas no setor de fertilizantes. A IGC participou da compra da Fass Agro, empresa especializada na produção de fertilizantes líquidos NPK, com sede em Sertãozinho (SP) pela paulista Adufértil, controlada pelo grupo Indorama, de Singapura.
A Fass Agro fazia parte do grupo ENG. Criado a partir de uma indústria para fornecer químicos para usinas sucroenergéticas, desde 2013 o grupo passou atuar como fornecedor de commodities, especializando-se, a partir de 2017, em insumos agrícolas, com maior foco em fertilizantes líquidos.
A IGC também auxiliou outra companhia do setor de fertilizantes com sede no interior paulista, a Aqua do Brasil, de Salto (SP), na venda de sua operação à SAS, empresa que viu na fabricação de fertilizantes especiais e bioestimulantes da brasileira uma oportunidade para chegar ao objetivo de ser a líder do segmento de biossoluções.
A empresa atuou ainda em outros dois negócios com empresas dos setores agrícola e avícola. A IGC participou da venda dos ativos da sementeira goiana Serra Bonita, de Formosa (GO), à família Rocheto, dona da Bem Brasil, marca líder na produção de batatas fritas congeladas no mercado nacional.
O investimento foi feito com participação de José Paulo Rocheto, acionista da Bem Brasil, e da Três Marias Agro, especializada na produção de hortifruti, batatas, cereais e pecuária de corte.
Fechando o quarteto, a IGC participou da venda da participação majoritária da G3 Agroavícola, de Riacho das Almas (PE), empresa de biotecnologia especializada em ovos férteis e pintos de um dia, à paranaense Pluma Agroavícola, de Cascavel (PR), que afirma ser a maior produtora de ovos férteis e pintos de corte da América Latina.
Ao analisar as transações, Pechliye percebe que está em curso uma mudança no perfil dos compradores: se até 2022 as transações eram dominadas por grupos estrangeiros, agora empresas nacionais de grande porte entraram forte nesse segmento.
“A Pluma, por exemplo, que comprou a G3, é uma potência da avicultura brasileira, uma empresa muito grande, muito boa, exporta tecnologia avícola para o mundo inteiro e entrou forte no jogo de consolidação”, diz o sócio da IGC.
Para Pechliye, a visão de longo prazo em relação ao agro permanece positiva. “Esse patamar de juros, esse desincentivo ao investimento, é passageiro.. a gente não vai ficar com a Selic a 15% para sempre”, avalia.
“Acho que estamos num momento de transição para algo que pode ser muito bom. O Brasil tem quase 40% do PIB no agro. Tem um cara com quem converso muito, o Leandro Pinto, [fundador da Mantiqueira], que uma vez me disse uma frase muito feliz: ‘O Brasil é a fazenda do mundo’. E eu acredito nisso: a gente é a fazenda do mundo e não vai deixar de ser. Confio muito numa retomada forte”, conclui.
Resumo
- Especializada em assessorar empresas vendedoras em operações de M&A, a IGC Partners projeta novo crescimento nas operações envolvendo revendas de insumos agrícolas
- Para Karim Pechliye, sócio de agronegócio da IGC, o ciclo de consolidação do setor deve se intensificar a partir do próximo ano
- Mercado deve ser impulsionado pela retomada dos investimentos dos produtores e pela presença de boas empresas regionais ainda pouco conhecidas