Conhecido como o "fruto dos deuses", o cacau é um produto que faz parte da alimentação humana há séculos e tem sua origem na região Amazônica, com os povos originários das Américas. Não se sabe ao certo quando o primeiro chocolate foi criado, mas fato é que o produto tornou-se uma unanimidade global, que movimenta um mercado estimado em US$ 112 bilhões ao ano.

Paira sobre ele, entretanto, uma ameaça climática. Com o aumento da temperatura do planeta e a maior incidência dos eventos climáticos severos, a produção global de cacau tem sofrido seguidas quedas e a oferta da matéria-prima não tem atendido à crescente demanda da indústria.

Com isso, os mercados internacionais registraram este ano preços recordes da commodity, que valorizou-se mais de 60% em um ano, exigindo ação dos fabricantes. Se está caro e difícil encontrar cacau, eles estão buscando alternativas nos campos e nos laboratórios.

Rafael Machado Borges, analista de inteligência de mercado da StoneX, afirma que muitas empresas de chocolates já estão incrementando o uso de nozes, amêndoas e passas em seus produtos com o intuito de diminuir o uso do fruto.

De olho nessas incertezas crescentes que rodeiam o mercado, algumas companhias apostam no desenvolvimento de chocolates com fontes alternativas ao cacau. É o caso da Mondelez International.

Desde 2022, a fabricante de marcas como Milka e Toblerone investe em um projeto que usa células retiradas das plantas de cacau para produzir cacau em pó e manteiga, os produtos-base para a fabricação de chocolates.

O desenvolvimento se deu em parceria com a startup israelense Celleste Bio, que acaba de captar cerca de U$ 4,5 milhões em uma rodada de investimentos para o projeto.

Além da Mondelez, que liderou a rodada, injetaram dinheiro no projeto o Consensus Business Group e o Trendlines Group, focado em investir em projetos de inovação nos segmentos de agricultura e serviços de saúde.

A Mondelez não divulga o valor do aporte na Celleste, mas sabe-se que a parceria é feita por meio da divisão Snack Futures Ventures, uma área de negócio focada em identificar parceiros que ajudem a empresa a crescer.

O uso de fontes alternativas ao cacau está no radar também de empresas do setor. A Döhler, gigante alemã do setor de alimentos e bebidas, também investe em parceria com a startup britânica Nukoko para a produção de chocolates alternativos.

A matéria-prima escolhida é uma fava de alta proteína usada na produção de falafel. Segundo os fundadores da Nukoko, a barra de chocolate à base de favas tem 40% menos açúcar, gera 90% menos emissões e tem altas doses de proteína.

A companhia alemã está empenhando todo seu conhecimento em fermentação - adquirido no mercado de bebidas - para o cultivo das favas. Com a Döhler como parceira, a estimativa é de que seja possível fermentar 10.000 litros de fava até 2025, o que daria à empresa a capacidade de produzir grandes volumes de chocolate.

Preços recordes

Os impactos das variações climáticas sobre a produção de cacau, especialmente na África, somados à crescente demanda fez com que os preços da amêndoa de cacau escalonassem e atingissem um recorde.

Em abril, a cotação do cacau na bolsa chegou a US$ 11 mil a tonelada, maior preço em 50 anos. "Vale lembrar que a safra 2023/2024 é a terceira temporada de déficit na oferta global de cacau” diz Borges, da StoneX.

O analista explica ainda que essa alta está diretamente relacionada ao déficit de cacau no mercado mundial, de quase 500 mil toneladas na safra que terminou em setembro. “Esse é o maior déficit de amêndoas de cacau que se tem registro desde os anos 70", pondera.

Esse cenário tem chamado a atenção não só de especialistas do setor, mas também dos investidores. Nesta semana, o diretor de tecnologia climática do banco JP Morgan escreveu um artigo para o site Agriculture Dive, no qual destacou a importância de desenvolver alternativas para serem usadas no lugar de ingredientes com alta demanda e menor oferta.

“O recente sucesso das alternativas fornece insights valiosos sobre o estado atual do setor de tecnologia de alimentos e sobre como pensar de forma diferente sobre sua empresa e os consumidores pode fornecer um caminho para o financiamento estratégico e o crescimento sustentável", escreveu o executivo.

Chocolate de quê?

Além da Celleste, outras startups estão apostando no desenvolvimento de produtos com o uso de ingredientes alternativos ao cacau. É o caso da californiana Voyage Foods, que usa uma mistura de óleos vegetais, sementes de uva, proteínas de girassol e açúcar para criar chocolates.

Recentemente, a empresa levantou US$ 52 milhões em uma rodada de financiamento, perfazendo um total de US$ 94 milhões captados, para ampliar sua produção e construir uma nova planta no Meio-Oeste americano. A empresa também fechou um acordo de distribuição de seus produtos com a gigante americana Cargill.

Adam Maxwell, fundador da empresa, destacou em entrevista para a Bloomberg que além de alternativa à crise entre oferta e demanda por matéria-prima, os ingredientes substitutos deverão se tornar uma parcela considerável do mercado à medida que “o mundo evolui".

No Reino Unido, outra startup também está investindo no segmento de produtos alternativos. Trata-se da WNWN (lê-se win, win) Food Labs Ltd, que está testando a produção de chocolates feitos a partir da mistura de alfarroba e cevada britânica - e muita ciência.

Isso porque para dar aos produtos os sabores e imitar as características dos produtos reais, a companhia utiliza técnicas de espectrometria de massa por cromatografia, tecnologia bastante utilizada por fabricantes de alimentos veganos.

Produção em xeque

O surgimento de startups focadas no desenvolvimento de alimentos alternativos aos convencionais não é novidade no mercado. Nos últimos anos, o advento das carnes vegetais abriu espaço para que uma série de outros produtos começassem a ser desenvolvidos.

No caso dos chocolates alternativos, as motivações principais das empresas se dividem entre preocupações ambientais e oferta de matéria-prima convencional.

Borges, da StoneX, explica que alguns estudos já identificaram uma tendência de desertificação de áreas de Gana e Costa do Marfim, justamente os dois principais fornecedores de cacau do mercado global.

Outro aspecto que tem comprometido a produção naquelas regiões são os baixos investimentos em tecnologia e manejo dos pomares, o que compromete a produtividade das plantas e as deixa bastante suscetíveis a pragas e doenças.

Dados da International Cocoa Organization compilados pela StoneX apontam que na safra 2023/2024, a produção de cacau na Costa do Marfim foi de 1,74 milhão de toneladas, volume 22,3% inferior às 2,24 milhões de toneladas da safra 2022/2023.

A produção de Gana caiu 31%, de 654 mil toneladas para 450 mil toneladas. O volume é quase 50% inferior às cerca de 1 milhão de toneladas produzidas na safra 2020/2021.

No Brasil, a produção também recuou: 22,7% no mesmo período, passando de 220 mil toneladas na safra 2022/2023 para 170 mil toneladas.

Levantamento divulgado pela Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), que responde por 95% do volume total de cacau recebido no país, no primeiro semestre de 2024 houve recuo de 37,4% no volume recebido, passando de 93,3 mil toneladas em 2023 para 58,3 mil toneladas.

“A safra temporã (de maio a setembro), que deveria ter iniciado com um volume mais consistente em abril, atrasou em razão de questões climáticas. Fica a expectativa de que, no próximo semestre, as entradas de cacau melhorem", declarou a presidente-executiva da AIPC, Anna Paula Losi, na divulgação dos resultados.

Crescimento brasileiro

Apesar do recuo na produção nacional na safra 2023/2024, a cacauicultura brasileira vem passando por um momento de investimentos em projetos e ações que visam fomentar a profissionalização da cadeia, como a adoção de tecnologias para melhorar a produtividade.

O objetivo é fazer com que o Brasil volte a ser autossuficiente na produção de cacau até 2030 e atinja a produção de 400 mil toneladas. Uma das grandes vantagens do mercado brasileiro é o fato de o cacau ser nativo da Amazônia e poder ser utilizado na recuperação de áreas degradadas.

Atentas aos desafios desse mercado e também às oportunidades, algumas empresas já estão investindo no cultivo de áreas de cacau. É o caso da Algar Farming, que, em parceria com a Cargill, vai cultivar 2.550 hectares de cacau na Fazenda Pacajá, no Pará.

A área, que no passado era usada como pastagem, será recuperada e integrada aos outros 142 mil hectares da fazenda que são ocupados pela floresta nativa. Outros 455 hectares serão recuperados e utilizados como corredores ecológicos.

A Cargill também vai cultivar cacau em áreas não convencionais do Cerrado. Serão 400 hectares em Riachão das Neves (BA) em parceria com a Schmidt Agrícola. A parceria inclui um aporte de US$ 5 milhões de cada empresa, em até cinco anos, para investimentos em tecnologia, inovação e treinamentos para o desenvolvimento da cacauicultura na região.

Outro país que deve crescer sua participação no mercado de cacau nos próximos anos, na avaliação de Borges, é o Equador, cuja produção na safra passada chegou perto de 420 mil toneladas.

“Temos visto muito investimento em tecnologias e manejo por lá e o resultado é de que as estimativas prevêem um volume próximo das 500 mil toneladas para a próxima safra", calcula.