Em cerca de dois anos de AgroGalaxy – parte do tempo como CFO e nos últimos nove meses como CEO – Eron Martins especializou-se em buscar olhar o lado positivo de cada situação, mesmo as mais complexas (que não foram poucas).

Nesta segunda-feira, 9 de junho, ele mais uma vez demonstrou essa capacidade ao apresentar a jornalistas os dados do balanço da companhia no primeiro trimestre de 2025 – cuja divulgação foi postergada em virtude do processo de recuperação judicial da empresa.

“Alguém poderia acreditar que uma empresa em recuperação judicial, que só foi aprovar o seu plano no final do quarter, que enfrentou todos os desafios que uma RJ tem, uma empresa que estava com R$ 1,6 bilhão de faturamento e reduziu para R$ 300 milhões, é capaz de mostrar um EBITDA melhor do que o do ano passado?”, questionou ele após apresentar um cenário de reduções relevantes nos principais indicadores da empresa.

Os números citados comparam os desempenhos do primeiro trimestre de 2024 com os do mesmo período em 2025. E o que se vê é um encolhimento generalizado. A receita líquida, apontada por Martins, é cerca de um quinto do que havia sido um ano antes.

Com insumos, o faturamento ficou R$ 548 milhões menor. Com grãos, a receita foi reduzida em R$ 706 milhões. O número de lojas, que havia iniciado 2024 com 170, hoje está em 65.

Ainda assim, Martins apontou para os avanços, depois de trazer a conjuntura por trás dos números, que podem ser resumida em uma frase dita por ele: “Não participamos da festa da safrinha”.

O executivo explicou que, para o segmento de distribuição de insumos, o primeiro trimestre é o momento de trazer para o caixa o resultado das vendas dos insumos comprados pelos produtores fazerem o plantio da safrinha de milho, que acontece logo após a colheita da soja da safra de verão.

O Brasil vive este ano sua maior safrinha, com perspectiva de colher mais de 112 milhões de toneladas de milho, segundo a consultoria Agroconsult. Mas, por conta do processo de RJ, que se iniciou com o pedido do grupo em setembro passado, o AgroGalaxy acabou tendo de cancelar as encomendas feitas por seus clientes no último trimestre de 2024.

“Nós tínhamos um encarteiramento recorde de safrinha, 30% melhor do que os anos anteriores”, explicou. “Só que, com o advento da recuperação inicial, a gente teve que cancelar a totalidade dos pedidos que seriam faturados no início de 2025, porque não havia viabilidade alguma de ter produtos para entregar e a gente não poderia comprometer os produtores”.

Assim, vendas de sementes, por exemplo, caíram brutalmente e as receitas do primeiro trimestre acabaram se limitando a repiques nas compras feitas por produtores que tiveram de replantar soja em regiões que houve atraso em função de problemas climáticos ou de alguns retardatários nas compras da safrinha.

“Vendemos menos, mas vendemos melhor”, saudou Martins, sacando, então, os indicadores positivos garimpados no balanço. Para ele, a disciplina na execução da estratégia de priorizar vendas de produtos com melhores margens e de eliminar todos os custos que não fosse indispensáveis para a operação trouxe boas notícias, mesmo com o quadro adverso.

A margem bruta obtida com a venda de insumos, por exemplo, subiu de 15,6% para 16,8%, fruto da diminuição do peso de fertilizantes (de 25,8% para 20,1%) no mix de produtos comercializados. Já nos, a participação subiu de 39,2% para 60,4% do faturamento.

“Isso está muito ligado ao fato que temos participado do repique, que basicamente acontece no defensivo”.

Outra questão enfatizada por Martins e por Luiz Conrado Sundfeld, CFO da companhia, foi a redução de quase R$ 100 milhões nas despesas, na comparação entre os trimestres. Desse total, segundo Sundfeld, 67% referem-se à redução de custos fixos, com o fechamento de lojas, encolhimento de equipes e renegociação de contratos.

Os outros 33% são despesas variáveis, como as remunerações de vendedores, que caíram na mesma relação das receitas.

O CFO ressaltou, entretanto, que “a captura dessa eficiência não termina”. Para ele, o segundo trimestre deve apresentar novos ganhos nesse indicador.

E então chamou a atenção para os gráficos que traziam os números de lucro bruto e Ebitda ajustado no trimestre. No primeiro, redução de R$ 124 milhões para R$ 27,9 milhões. No segundo, uma melhora da posição negativa: o resultado que ficou em menos R$ 70 milhões em 2024, este ano foi de menos R$ 58 milhões.

“Isso mostra que a gente vai pelo caminho correto”, apontou Martins. “O que a gente planejou dentro da recuperação, a gente vem entregando mês a mês, dia a dia, e isso é o que nos permite mostrar que existe ainda um Ebitda negativo, mas melhor do que o do ano passado”.

“Isso é bem relevante”, avaliou Sundfeld. “Se você pegar a margem bruta proporcional, R$ 28 milhões, comparado aos R$ 124 milhões de reais, e trouxer isso para a realidade do faturamento, a gente conseguiu melhorar significativamente a margem. É um lucro bruto robusto comparado ao tamanho do faturamento”.

Não estava no gráfico, mas Sundfeld acabou revelando quando questionado, o lucro líquido ajustado, que foi de R$ 152,7 milhões negativos – ou seja, prejuízo líquido. No ano passado, o valor negativo havia sido maior, R$ 249,6 milhões.

“Quando você vê uma redução no prejuízo de R$ 100 milhões com respeito ao mesmo quarto ano passado, é uma magnitude até maior do que a da melhoria do Ebitda”, disse Sundfeld.

Efeito RJ

Os dois executivos fizeram questão de lembrar que, embora já houvesse uma proteção legal desde o pedido de RJ, a aprovação e a homologação do plano de recuperação da empresa só aconteceram após o fim do trimestre.

Assim, muitos dos seus efeitos só serão contabilizados a partir do segundo quarto, o que deve trazer, na sua visão, impactos positivos para as contas da empresa.

O prejuízo líquido apurado no trimestre é um exemplo. Segundo Martins, por ter sido fechado antes da homologação, o resultado ainda carrega juros da dívida, que serão abatidos conforme o plano aprovado.

Sundfeld citou também o fato de que o plano traz carências e repactuação de dívidas que podem permitir ao grupo AgroGalaxy recompor seu caixa e estender pagamentos por um prazo médio de 10 anos.

Ainda no primeiro trimestre os estoques começaram a ser refeitos e, com a aprovação do plano por cerca de 80% dos fornecedores, Martins acredita que não deve haver problemas em mantê-los em volumes adequados para as próximas campanhas, como a da safra de verão que vem por aí.

Embora tenha perdido o momento das vendas para a safrinha, o grupo está otimista de que poderá colher benefícios dos bons resultados obtidos pelos produtores.

“O vento veio muito a favor do produtor e quando a safra é boa, quando ele tem rentabilidade, ele não tem por que não honrar as contas dele”, disse Sundfeld. Com isso, continuou, a empresa tem tido bons resultados em seu processo de recebimento, o que ajusda a reforçar o caixa, importante para formar os estoques para a próxima safra.

Segundo ele, a decisão de terceirizar parte da cobrança do produtor, sobretudo daquelas referentes às lojas fechadas, com uma empresa especializada foi bem-sucedida.

“A cobrança veio muito bem. A gente planejou, para efeito de fluxo de caixa, obviamente sendo bastante conservador, uma coisa parecida com os últimos dois anos, que não foi muito boa, e teve excelentes surpresas”, disse.

“Somos hoje uma empresa que, por todo o trabalho de de redimensionamento, necessita de muito menos capital de giro”, emendou Martins.

“Então, é um momento em que nós vamos receber as nossas contas, só que o que nós teríamos que pagar esse ano vai estar reperfilado entre 10 anos, que são recebidos de parceiros, e 16 pra aqueles que não são. Então, o cenário é o quê? É de praticamente pouco gasto de caixa”.

Segundo o CEO, o Agrogalaxy fechou o trimestre com cerca R$ 250 milhões de caixa, versus R$ 350 milhões do ano anterior. “Meu primeiro recebimento relevante é no final de março e eu já começo o jogo do recebimento com um caixa parecido com o ano anterior, só que com a vantagem que eu recebo a conta e vou pagar em 10 anos”.

Com isso, indicou, “conseguimos atravessar muito bem 2025 e 2026, principalmente”.

Caixa à vista

Martins sacou, então, outro tema positivo de seu arsenal. Ele lembrou que uma das ações da estratégia de vendas da companhia, após o pedido de RJ, foi buscar mais produtores capitalizados que fazem compras à vista.

Os resultados desse movimento também são, segundo ele, favoráveis e já serão notados no balanço do segundo trimestre. Para esse cliente, a empresa oferece preços melhores, que apertam suas margens, mas o dinheiro entra imediatamente no caixa. “Uma venda à vista no agro se agradece bem, obrigado”.

O próximo balanço talvez já traga também os recursos da venda da carteira de crédito vencidos, que ainda não são objeto de cobrança judicial. Ao longo da conversa com jornalistas, Sundfeld recebeu a confirmação de que a justiça de Goiás, onde corre o processo de RJ, autorizou a realização de um certame para a efetivação do negócio.

O AgroGalaxy já havia informado, no começo de abril, ter recebido uma proposta vinculante por um total de R$ 683 milhões em créditos nessas condições, além de outros referentes a vendas “que venham a ser realizadas até 31 de dezembro de 2034”, cujo valor global de face deve corresponder ao montante de pouco mais de R$ 292 milhões na data-base de 23 de março de 2025.

A proposta, segundo fato relevante publicado pela companhia na área de registros da CVM, foi apresentada em conjunto por dois fundos recém-constituídos especificamente para essa finalidade.

O primeiro deles é o Agro Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Responsabilidade Limitada, criado em 21 de março passado pela gestora Jive Investiments, especializada justamente na recuperação de créditos e que tem como administrador a BRL Trust.

O segundo é o Carteira Futuro Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, constituído com recursos de credores financeiros do AgroGalaxy – nomes como XP Asset, JGP, Kijani e Capitânia.

A proposta vinculante prevê o pagamento de um preço fixo – composto por uma parcela em dinheiro calculada com base no valor de face e pelo valor de R$ 300 milhões, “a ser pago mediante dação em pagamento de créditos sujeitos aos efeitos da Recuperação Judicial”.

Com a aprovação judicial, um leilão deve ser marcado ainda para este mês. A proposta feita está mantida, mas outros credores financeiros podem também oferecer lances – e os fundos que fizeram a proposta original, então, optar por cobri-los ou não.

Dois lotes remanescentes de créditos também foram negociados, segundo Sundfeld. “A gente concluiu essa negociação e deve ocorrer essa monetização no curto prazo. Esperamos que, se não dentro desse trimestre, em função desse leilão que ocorre no final do mês, essa parcela no próximo trimestre, mas ainda num horizonte bastante curto”.

Outro reforço para as finanças da companhia deve vir da reativação do FIDC exclusivo da empresa, gerido pela TerraMagna, que depende da aprovação em uma assembleia de cotistas, que também deve ocorrer ao longo deste mês. “A gente está num processo de religação”, disse.

O executivo afirmou também que tem evoluído em operações pontuais, de menor valor, de recebíveis junto a outros FIDCs, o que tem garantindo o fluxo de caixa para a para a formação de estoque e o funcionamento da empresa.

Na manga, ele afirma ter guardadas outras opções de monetização, como ativos remanescentes da antiga frota ou de equipamentos que estavam em lojas fechadas, que também estão em processo de leilão.

Outro ativo relevante que se mantém na mesa é a Sementes Campeã, negócio do grupo no setor. A empresa jpa foi colocada oficialmente à venda há mais de um ano, mas nenhuma conversa evoluiu.

Martins afirmou que a sementeira passou também por um encolhimento e, para a próxima safra soja, deve operar apenas com a negociação da produção própria, sem aquisições de terceiros.

“A gente reduziu o volume da Campeã porque a sementeira também é um grande consumidor de capital de giro. Então, focamos em fazer menos sementes do que a gente fazia tradicionalmente, em produzir internamente nas nossas próprias estruturas em Goiás e sem abrir mão da qualidade e da rentabilidade”, disse.

A estratégia de vender a empresa, segundo ele, não mudou, mas nesse momento o que a gente está fazendo é proteger esse ativo, levando menor volume, mas que permita pagar os custos fixos e manter o nível de serviço para o cliente”.

Resumo

  • Receita do AgroGalaxy no primeiro trimestre de 2025 foi de R$ 341 milhões, queda de 78% em relação aos R$ 1,6 bilhão de 2024
  • O processo de RJ, iniciado em setembro, fez com que a empresa cancelasse as vendas para a safrinha de milho, afetando fortemente as vendas
  • AgroGalaxy apresentou melhora no Ebitda ajustado e na margem bruta, graças à venda de produtos de maior rentabilidade e a redução de R$ 100 milhões em despesas