A Operação Carbono Oculto, deflagrada no final de agosto e que apura possíveis envolvimentos de empresas do setor sucroenergético com o crime organizado, trouxe um novo efeito colateral e importante para o Grupo Virgolino de Oliveira (GVO), que já esteve entre os principais do segmento no País e que, desde 2021, assolado por dívidas que somam R$ 7 bilhões, se encontra em recuperação judicial.
Com seu nome envolvido nas investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, o GVO recebeu, na semana passada, correspondência do BTG Pactual, a que o AgFeed teve acesso, informando a suspensão de três operações de crédito que já estavam acertadas e que ajudariam o grupo a honrar compromissos previstos em sua RJ.
As três linhas negociadas com o BTG somam R$ 185 milhões e seriam usadas para pagamentos de credores, com preferência para os trabalhistas, para os quais seria destinados R$ 100 milhões.
Sem a esperada entrada desses recursos, restou ao GVO pedir tempo. Na terça-feira, 23 de setembro, o escritório Thomaz Bastos Waisberg Kurzweil Advogados, que representa a empresa, protocolou na Vara Única da Comarca de Santa Adélia, em São Paulo, cidade sede do GVO, um pedido, “em caráter excepcional e urgente”, de suspensão pelo prazo de 90 dias das obrigações previstas no Plano de Recuperação Judicial originalmente homologado e seu aditamento, assim como dos processos em curso para a alienação de algumas de suas usinas.
“Após discussões sobre os efeitos da Operação Carbono Oculto e os próximos passos para implementação do Financiamento DIP Trabalhista, Financiamento DIP Giro e Financiamento DIP Contratos Agrários, as Recuperandas receberam, em 19/9/2025, notificação pela qual o BTGP comunicou a suspensão, por tempo indeterminado, de toda e qualquer operação junto ao GVO até apuração de seu eventual envolvimento na referida operação”, diz o documento.
Em anexo à petição, os advogados apresentam a correspondência recebida do BTG. Nela, o banco se coloca com o “potencial investidor” e informa que se propôs a realizar os financiamentos “com a finalidade de prover liquidez para encaminhamento da reestruturação do GVO, pagamento de credores e fomento do capital de giro operacional”.
Mas aponta que, até aquela data (19 de setembro), “diversas das condições precedentes ao desembolso dos financiamentos” ainda não haviam sido implementadas. E reforça sua decisão lembrando ter tomado conhecimento de operações “Carbono Oculto”, “Quasar” e “Tank”, deflagradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público estadual para a averiguação da prática de eventuais delitos, envolvendo, dentre outros, lavagem de dinheiro e interligação de grupos empresariais com organizações criminosas.
“Muito embora não se tenha clareza da extensão dos fatos narrados, das partes envolvidas ou da comprovação de atos ilícitos nas operações acima citadas, há mençã sobre o envolvimento do GVO (na mídia e no Processo de RJ), bem como da Usina Itajobi S.A., dentre outras pessoas físicas e jurídicas participantes desse Processo de RJ”, diz a notificação.
Diante disso, o banco alega considerar “prudente que os atos que envolvem os financiamentos, a concessão de garantias e a alienação de ativos, no âmbito do Processo de RJ sejam suspensos para que tais circunstâncias passem pelo devido escrutínio das autoridades envolvidas, bem como do próprio BTG Pactual”.
Para os advogados do GVO, a decisão do BTG Pactual configura uma “situação absolutamente extraordinária e alheia à vontade das recuperandas e dos credores”, o que justificaria a “flexibilização excepcional dos prazos e obrigações assumidos”.
No requerimento protocolado na Justiça, eles afirmam que o GVO e suas empresas envolvidas no processo de RJ reiteram a absoluta ausência de envolvimento com as irregularidades apuradas naquele procedimento.
“O GVO não é alvo da operação deflagrada”, afirmam. “Sua eventual menção em reportagens decorre exclusivamente de vínculos contratuais – todos regulares, lícitos e formalmente documentados – mantidos, em determinados períodos, com sociedades terceiras que, eventualmente, poderiam ter alguma relação com a investigação”.
Alegam também que “tal situação é absolutamente natural em um mercado amplo, dinâmico e integrado como o sucroalcooleiro”.
O documento traz também alguns dados atualizados sobre a situação do GVO, gerido pela família Ruete de Oliveira. Segundo escrevem os advogados, o “tradicional grupo empresarial do setor sucroalcooleiro, com mais de 100 anos de atuação contínua”, emprega atualmente cerca de 500 pessoas diretamente e gera mais 1.500 vagas indiretas.
“E, apesar de sua delicada situação financeira, foi capaz de retomar a operação da Usina Catanduva neste ano, com previsão de moagem de um milhão de toneladas para a safra 25/26 e 1,2 milhão para a safra 26/27, reiterando o compromisso com a reestruturação da operação do Grupo Virgolino de Oliveira”.
Em outro trecho, eles informam que o grupo vem se mantendo adimplente após a aprovação e homologação judicial do aditamento ao plano de RJ que previa os aportes através de financiamentos do BTG e que, até agosto passado, havia realizados pagamentos que superam R$ 376 milhões, “dos quais cerca de R$ 230 milhões foram destinados a créditos trabalhistas”.
“Ocorre que, embora o GVO esteja em plena atividade – com perspectivas de crescimento para os próximos meses –, o fluxo de caixa atual não
comporta o adimplemento simultâneo de todas as obrigações”, discorre o texto.
“Por esse motivo, mostra-se urgente e indispensável a suspensão temporária das obrigações financeiras previstas no Plano Original e seu respectivo Aditamento – inclusive, mas não se limitando, aquelas relacionadas ao pagamento dos créditos trabalhistas sujeitos à recuperação judicial – até a efetiva conclusão das diligências adotadas pelo investidor e a disponibilização dos recursos dos Financiamentos DIP”, argumentam os advogados.
Segundo a petição, no curso da investigação foram decretadas medidas cautelares de busca e apreensão em unidades de empresas do grupo, bem como a indisponibilidade de bens imóveis e veículos pertencentes à Açucareira Virgolino de Oliveira S.A..
Já sobre o pedido suspensão dos processos de vendas de unidades de produção pelo grupo, o grupo justifica que seria imprescindível, uma vez que elas serviriam “de base e de garantia à implementação dos Financiamentos DIP contratados junto ao BTG”. A intenção do GVO de suspender as alienações para que as usinas servissem como garantia de financiamentos havia sido antecipada pelo AgFeed em reportagem publicada em abril passado.
“Nesse cenário, permitir o prosseguimento das referidas alienações enquanto os financiamentos permanecem suspensos significaria esvaziar as garantias que dão suporte ao DIP, comprometendo não apenas a segurança exigida pelo investidor, mas também a própria efetividade do Aditamento ao Plano”, apontam.
“A venda antecipada dessas UPIs – sem que os financiamentos estejam implementados – resultaria em clara quebra da estrutura lógica do plano e poderia gerar, inclusive, risco de nulidade futura, dada a frustração do objeto das garantias fiduciárias”.
Em um primeiro despacho dobre esse pedido, publicado nesta quara-feira, 24 de setembro, o juiz Otávio Augusto Vaz Lyra deu prazo de cinco dias para que o GVO demonstre a “a ocorrência das constrições sobre imóveis”. Só então deve tomar uma decisão sobre se deferirá ou não o requerimento do grupo.
Resumo
- GVO, em RJ com dívida de R$ 7 bi, teve crédito suspenso pelo BTG após ser envolvido nas investigações da Operação Carbono Oculto
- Banco congelou R$ 185 milhões em linhas que cobririam credores, inclusive R$ 100 mi em trabalhistas
- Grupo pede 90 dias de suspensão das obrigações judiciais, nega envolvimento em crimes e busca brecar processos de alienação de usinas