Num país onde até um vasinho em uma varanda é um mercado em potencial, sementes viraram sinônimo de ambição para algumas empresas. Seja na horta do quintal, no bufê de um restaurante estrelado ou em lavouras comerciais de cenoura e quiabo, a horticultura brasileira movimenta R$ 25 bilhões por ano, segundo estimativas da CNA (Confederação Nacional da Agropecuária).
É nesse universo fragmentado, muitas vezes urbano e diretamente atrelado ao hábito do consumidor final, que a gaúcha Isla Sementes, que comemora 70 anos em 2025, prepara sua próxima safra de crescimento.
A empresa, dona de um portfólio de mais de 150 espécies divididas em cerca de 600 cultivares, encarou um ano de 2024 diferente. Isso porque ao final de 2023 foi comprada por R$ 63,5 milhões pela japonesa Sakata. Pouco tempo depois, em maio do ano passado, foi atingida pelas enchentes históricas no Rio Grande do Sul, que afetaram diretamente sua matriz.
Agora, com a operação praticamente restabelecida, a empresa se prepara para entrar num novo ciclo de conhecimento, de olho em novos mercados. Segundo explicou ao AgFeed o diretor de planejamento da empresa, Andrei Santos, a Isla tem investido para atuar em nichos que “valorizam o sabor, a aparência e a exclusividade dos alimentos”.
“Trabalhamos muitos produtos que atendem a um público da alta gastronomia, buffets, restaurantes e chefs de cozinha, buscando cada vez mais itens diferentes e saborosos”, diz.
Ainda nesse universo mais “gourmet”, Santos conta que os consumidores tem trazido uma demanda para o mercado de microverdes, plantas colhidas e consumidas logo após o surgimento das primeiras folhas.
Segundo o diretor, a demanda está atrelada a uma parte estética e fresca do segmento de hortaliças. “É um mercado de consumo super jovem, que tem chamado atenção justamente por essas coisas diferentes, mais saborosas”, comenta Santos.
A empresa não atua diretamente com os chefs e sente os efeitos do interesse vindo da cozinha profissional a partir do contato com o produtor, que é o cliente. “O chef ‘incomoda’ o fornecedor e o produtor busca com a gente”.
A aposta nesse segmento mais sofisticado é uma das avenidas de crescimento dos próximos anos. Mas do outro lado, a Isla não abre mão de continuar com suas fortalezas estabelecidas em sete décadas de atuação.
Das 150 espécies e 600 cultivares que a Isla atende, o coentro é a grande estrela, mesmo tendo pouca aderência em estados como São Paulo e na região Sul.
“Em termos de volume, o coentro é inquestionável, mas seguimos muito relevante em culturas como melancia, quiabo, abóbora e cenouras”, diz Santos.
Andrei Santos cita que a palavra que define o negócio é "diversidade”. “Enquanto uma empresa de semente de soja trabalha com uma espécie só, apesar das diferentes cultivares, aqui são mais de 120 espécies diferentes, e para cada uma delas, ainda tem uma dezena de cultivares”, conta.
Esse ecossistema heterogêneo, que vai de quem planta um tempero em um vaso até quem cultiva cenoura em lavouras de 100 hectares, é o motor da estratégia da companhia. “Falando em impacto, número de pessoas, é gigante. Em tese, os 200 milhões de brasileiros podem ser clientes da Isla tendo um vasinho”, afirma.
Não à toa, a empresa afirma ser líder no segmento que compreende o consumidor urbano. No público profissional, a Isla atende desde o microprodutor até um produtor considerado grande para o universo do hortifruti. A estimativa é que hoje os produtos da Isla cheguem em cerca de 5 mil das 5,5 mil cidades brasileiras.
O movimento de expansão também passa pelas exportações, que em sua maioria vão para países de clima tropical, como vizinhos na América Latina, mas também na América Central e África. Outro aspecto que limita uma presença global, segundo Santos, é a legislação.
“Pontualmente, uma espécie ou outra, como cenoura, tende a ir também para Europa e América do Norte”, completa.
A empresa não divulga o número do faturamento, mas em 2022, antes de ser adquirida, a Isla registrou R$ 56,2 milhões em vendas, conforme dados divulgados pela própria Sakata.
A expectativa, segundo o grupo japonês informou na época da compra, é que a união das empresas traria “sinergias comerciais, logísticas e operacionais capazes de elevar a receita combinada em cerca de R$ 15 milhões nos próximos cinco anos”.
Ao longo das sete décadas da empresa, os momentos de crescimento costumam vir em blocos, como se seguissem um ritmo próprio, conforme explicou o diretor.
“Historicamente temos ciclos significativos, de três a quatro anos, em que conseguimos acelerar e crescer 20% ao ano. Isso dá um salto no negócio, que em geral é seguido por um período de estabilidade, e depois um novo ciclo se inicia”, afirma Santos.
Esse novo ciclo de crescimento, no entanto, já começou com um obstáculo. Em maio de 2024, as enchentes históricas no Rio Grande do Sul atingiram diretamente a matriz da companhia, localizada em Porto Alegre numa região próxima do aeroporto da capital gaúcha, que na época, ganhou o noticiário com suas instalações e pistas submersas.
“Foi um desafio gigante, algo inesperado. Mas nem tudo é só ruim. A gente está aprendendo muito nesse processo”, lembra. “Em termos de operação, estrutura física e maquinário, hoje estamos 100% melhores do que antes”, afirma.
O impacto foi mais sentido nos estoques, que ainda não estão totalmente normalizados. Ele explica que, como se trata do mercado de sementes, as produções estão atreladas a safras, que por vezes, podem ser de dois anos.
“Uma coisa é ser uma indústria que fabrica produto. Você fabrica quando quiser. Com semente, não. Em geral, temos uma chance por ano de produzir”, explica. “Se produziu e vendeu rápido, não dá para simplesmente fabricar mais”.
Para receber os produtos, a Isla adota um sistema de integrados, semelhante aos da cultura de uva e tabaco. “Cooperantes”, segundo o diretor, que são financiados pela empresa.
Resumo
- Nova fase da Isla combina a aposta em hortaliças gourmet e microverdes com operação pulverizada em 5 mil cidades
- Companhia foi adquirida pela japonesa Sakata por R$ 63,5 milhões no final de 2023
- Enchentes de 2024 no RS afetaram estoques, mas operação foi restabelecida com estrutura física e maquinário melhorados