Depois de acelerar seu ciclo de investimentos e expansão desde que fez IPO na B3, em 2021, a Boa Safra, uma das maiores sementeiras do País, começa a dar sinais claros de que está pisando no freio em meio a uma alta de despesas internas e de um momento difícil para o segmento de sementes como um todo.
Os efeitos mais práticos dessa reorganização já começam a aparecer. Em um comunicado divulgado junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na manhã desta quarta-feira, dia 17 de dezembro, a Boa Safra informou ao mercado a destituição de Mauricio Penteado Figueiredo Pagotto do cargo de diretor de Novos Negócios e a renúncia de Andreia Cocka de Oliveira ao cargo de diretora de Marketing.
Os dois postos permanecerão vagos, segundo a companhia, e a diretoria passa a operar com cinco membros até o fim do mandato unificado previsto no estatuto social.
Ao site The Agribiz, a Boa Safra disse que as mudanças incluem uma redução de 5% do quadro de funcionários de diversos níveis gerenciais. “Precisamos de mais eficiência. Estamos de olho em todo o SG&A”, afirmou Marino Colpo, CEO da Boa Safra.
A notícia, contudo, não foi bem recebida pelo mercado. As ações da Boa Safra abriram em queda e passaram a manhã toda no vermelho. Às 13h05 desta quarta-feira, estavam cotadas a R$ 8,94, queda de 3,97% em relação ao pregão anterior.
Em paralelo, também nesta quinta-feira, o banco BTG Pactual retirou a recomendação de compra da ação, passando para ‘neutral’, com preço-alvo de R$ 12.
No relatório, assinado por Thiago Duarte e Guilherme Guttilla, a instituição explica que as mudanças refletem uma mudança de direcionamento da estratégia da companhia observada pelo BTG.
"As ambições de crescimento estão sendo recalibradas, com a administração passando a priorizar a rentabilidade em detrimento da expansão de volume", diz o banco no relatório. "A empresa deixa de ser uma história de alto crescimento para se tornar mais focada na captura de eficiência."
A julgar pelas alterações que fez nas projeções para 2025 e 2026 dos resultados da Boa Safra, o BTG tem leitura mais favorável para a companhia no curto prazo e um tom mais cauteloso no horizonte mais longo.
A receita líquida projetada pelo BTG para a Boa Safra em 2025 passou de R$ 2,41 bilhões para R$ 2,56 bilhões, enquanto a estimativa para o Ebtida ajustado do ano subiu de R$ 211 milhões para R$ 249 milhões.
O banco também alterou sua estimativa para a margem Ebtida, subindo de 8,7% para 9,7%, e o lucro líquido projetado aumentou quase 24%, chegando a R$ 122 milhões.
Já para 2026, o BTG passou a trabalhar com um cenário mais conservador. A projeção de receita líquida passou de R$ 2,72 bilhões para R$ 2,59 bilhões, e o lucro líquido esperado caiu de R$ 120 milhões para R$ 112 milhões.
Ainda assim, o banco manteve uma visão de avanço gradual da rentabilidade, com a margem Ebtida estimada subindo para 11,6%, sustentada por ganhos de eficiência e menor pressão de custo
No documento, o BTG lembra que o mercado de sementes como um todo passa por um momento de correção e isso acontece, segundo o banco, após um momento anterior no qual muitos players expandiram "agressivamente" suas capacidades de processamento.
"Com os preços da soja naquele período cerca de 50% acima dos níveis atuais, a rentabilidade era disseminada: novos entrantes inundaram o mercado, empresas estabelecidas dobraram suas apostas em expansão e as margens pareciam estruturalmente elevadas."
"A correção costuma vir quando as condições se normalizam e geralmente são os players mais eficientes que saem fortalecidos. Hoje, a indústria lida com uma oferta estruturalmente excessiva, e os preços das sementes estão em queda após muitos anos de inflação”, emenda o BTG.
“Estimativas de mercado indicam que o Brasil encerrou a safra com cerca de 30% do volume de sementes sem vender. Esse desequilíbrio resultou em dois anos consecutivos de prejuízos para vários produtores de sementes, muitos dos quais agora enfrentam restrições de caixa e sinalizam a necessidade de reduzir volumes."
O BTG Pactual avalia, portanto, que a estratégia da Boa Safra de desacelerar sua expansão parece estar em linha com a tendência do setor como um todo.
"Do ponto de vista da rentabilidade, trata-se de uma decisão racional, pois a empresa protege suas margens em um ambiente no qual a capacidade incremental dificilmente entregaria retornos atrativos."
O banco projeta que a companhia comandada por Marino Colpo deve seguir ganhando market share neste ano - chegando a 10%, ante 7,7% no ano passado, mas que provavelmente a expansão não vai ser "particularmente expressiva" na sequência.
"Uma vez concluído esse processo, e dependendo da velocidade e da eficácia da melhora operacional, a empresa pode encontrar oportunidades para retomar o crescimento, tanto de forma orgânica quanto via possíveis aquisições."
O BTG menciona ainda que a administração da companhia, em reunião recente com analistas, disse que o enxugamento de vários grandes revendedores remodelou a dinâmica comercial da Boa Safra.
"Em anos anteriores, boa parte do crescimento da empresa foi impulsionada pela expansão desses grandes varejistas. Para esses clientes, a Boa Safra oferecia uma solução atraente, ao simplificar tanto a gestão de portfólio quanto a logística, permitindo que comprassem a maior parte de suas necessidades de um único fornecedor enquanto expandiam agressivamente suas redes de lojas", diz o BTG.
Agora, com alguns grandes players fora do mercado, a Boa Safra passou a operar em um ambiente de distribuição mais fragmentado, lembra o banco.
"As vendas se tornaram significativamente mais pulverizadas, exigindo uma força de vendas maior, mais ativa e mais cara", afirma o BTG. "Enquanto os dez maiores clientes respondiam antes por cerca de 30% das vendas, hoje eles representam apenas entre 10% e 15%."
Assim, as despesas operacionais acabaram subindo, ao mesmo tempo em que os preços estão mais baixos.
O BTG diz que o SG&A por big bag vendido subiu de R$ 334 em 2023 para R$ 488 em 2024, com perspectiva de atingir R$ 694 em 2025. Em percentual, as despesas de SG&A por cada big bag vendido cresceram de 2,6% para 4,3% e 6,1%, respectivamente.
O movimento do BTG acompanha o caminho feito por outra casa do mercado, o Citi, no início de dezembro. Na ocasião, o banco também revisou suas projeções para a Boa Safra, promovendo ajustes relevantes nas estimativas para os próximos anos.
Segundo o banco, as novas projeções incorporam um cenário de crescimento mais moderado, com pressão maior sobre rentabilidade e resultados quando comparados às expectativas anteriores e ao consenso de mercado.
Para 2025, o Citi elevou marginalmente a projeção de receita líquida, de R$ 2,53 bilhões para R$ 2,56 bilhões, mas reduziu de forma significativa as estimativas de rentabilidade.
O Ebtida ajustado esperado caiu de R$ 277 milhões para R$ 235 milhões, enquanto o lucro líquido projetado foi revisado de R$ 235 milhões para R$ 194 milhões. Na avaliação dos analistas, o ajuste reflete um ambiente operacional mais desafiador e menor alavancagem operacional no curto prazo.
O tom mais conservador do Citi fica ainda mais evidente a partir de 2026 e 2027. Para 2026, o Citi manteve uma leve alta na projeção de receita, para R$ 2,79 bilhões, mas reduziu o Ebtida ajustado em 8%, para R$ 288 milhões, e o lucro líquido em 17%, para R$ 179 milhões.
Já em 2027, as revisões foram mais duras: a receita líquida esperada caiu 11% em relação às estimativas anteriores, para R$ 2,99 bilhões, enquanto o Ebitda ajustado foi reduzido em 20% e o lucro líquido em 24%.
“Acreditamos que o foco da empresa será o crescimento nos mercados de outras culturas (em vez de soja), dados os investimentos realizados nos últimos períodos, enquanto esperamos uma recuperação do mercado de sementes de soja, com uma potencial redução na oferta por parte de produtores menos eficientes (que podem estar operando com prejuízo), considerando este cenário de preços mais baixos e margens apertadas para os produtores”, disse o Citi, em comentário dos analistas Gabriel Barra e Pedro Gama.
O discurso de desaceleração da empresa, em certa medida, também já havia sido capturado pelo AgFeed recentemente, que percebeu uma mudança no tom do alto comando da Boa Safra.
Se, no passado, a sensação que os executivos da Boa Safra deixavam era de que viria sempre uma nova aquisição ou aporte a ser anunciado logo mais, o discurso mudou.
"Como a gente é a número um do setor, naturalmente acaba batendo na nossa porta quem está interessado em fazer algum tipo de transação. Estamos olhando aqui e vendo se alguma dessas operações faria sentido para a gente no fim do dia. Mas estamos sendo bem seletivos", disse o CFO da companhia, Felipe Marques.
"Dado a atual situação do mercado e do custo do dinheiro, a gente realmente tem que ser bem criterioso no uso dos recursos dos nossos acionistas", complementou.
A última operação de M&As anunciada pela Boa Safra aconteceu no início do ano, quando anunciou a criação de uma joint-venture, com participação da Semembrás e Sementes Nobre, formando a SBS Green Seeds, especializada em sementes para culturas forrageiras, com foco em agricultura regenerativa.
No acordo, a empresa dos Colpo aportou R$ 45 milhões e ficou com 30% do negócio, podendo ampliar sua participação para 60% em dois anos.
Para analistas de mercado, o movimento da Boa Safra reflete o momento atual do mercado de grãos – e também os resultados da companhia no terceiro trimestre.
Na ocasião, o resultado líquido da companhia foi de R$ 68 milhões, um avanço de 26% frente ao anotado um ano antes.
A jornalistas, Marino Colpo, CEO da Boa Safra, foi direto ao identificar quais foram os “detratores" do resultado trimestral: juros mais altos que causaram uma maior despesa financeira, além da variação do preço das commodities.
“Apesar de crescermos volume, tivemos dificuldade de crescer a margem. Isso fica claro no balanço. Crescemos, mas com um lucro abaixo do esperado”, pontuou.
Na avaliação de João Abdouni, analista da Levante Inside Corp, as dificuldades macroeconômicas do agro estão se refletindo no desempenho da Boa Safra. “O mercado está com uma volatilidade mais elevada, e o cenário para soja e milho, que são as cadeias às quais a companhia está majoritariamente ligada, segue em um momento difícil”, afirma.
Segundo ele, a Boa Safra "vem buscando redução de custos, como o próprio comunicado demonstra, e esperando momentos de ciclo mais favoráveis”.
Alexandre Pletes, head de renda variável na Faz Capital, tem ponto de vista semelhante. "Desde o terceiro trimestre, a Boa Safra caiu bastante, com lucros abaixo das expectativas e margem operacional também", afirma. "É resultado muito do efeito da própria commodity, que tem caído bastante e sofrido nos últimos tempos. Hoje a gente vê o mercado muito mais azedo."
Felipe Sant'Anna, especialista em investimentos do grupo Axia Investing, não descarta que o movimento de revisões possa se espalhar após o corte feito pelo BTG. "Pode desencadear uma onda de revisões de recomendação por outras casas. O investidor fica cauteloso, coloca o dinheiro no bolso, o papel cai."
"As ações da companhia podem sofrer nesse primeiro momento, pois a gente sabe que alguns fundos, alguns gestores acabam girando posição quando isso acontece ou reduzem posição para reduzir a alavancagem patrimonial e tudo mais", diz.
Procurada pelo AgFeed, a Boa Safra disse, via assessoria de imprensa, que não iria se manifestar.
Resumo
- Após um ciclo acelerado de investimentos e expansão desde o IPO em 2021, a Boa Safra dá sinais de que começa a pisar no freio, ajustando estrutura, reduzindo custos e priorizando eficiência em meio a um cenário adverso para o mercado de sementes e para a cadeia de soja e milho
- A mudança de estratégia aparece em decisões concretas, como a redução do quadro gerencial, alterações na diretoria, queda relevante do capex e revisões mais cautelosas nas projeções feitas por bancos como BTG Pactual e Citi, que passaram a enxergar menos crescimento de volume e maior pressão sobre margens
- Já os investidores não reagiram bem às mudanças e as ações da companhia recuavam quase 4% no começo da tarde desta quarta-feira