Há 5 anos o francês Olivier Reinaud percebeu que finalmente poderia viabilizar economicamente uma antiga aposta de seu avô: o biochar, um condicionador de solo feito a partir de resíduos agrícolas.
É que somente em 2020 foi publicada a primeira metodologia de certificação de créditos de carbono para o biochar, algo que poderia gerar uma receita adicional para o insumo agrícola.
“Meu avô foi um dos pioneiros, 20 anos atrás. Ele estudou muito o tema e implementou vários projetos, principalmente na África, mas também um pouco na América Latina, mas não era viável porque o custo do biochar era muito maior do os fazendeiros poderiam pagar”, contou ele, em entrevista ao AgFeed.
Reinaud é um dos fundadores da NetZero, startup criada em 2021 que vêm captando algumas dezenas de milhares de dólares para expandir a produção de biochar. Tem como sócios mais dois franceses, um empresário da República de Camarões, onde já há mais uma fábrica, e Pedro Figueiredo, que lidera os negócios no Brasil.
Nesta terça-feira, 16 de setembro, a NetZero está lançando a pedra fundamental de sua quinta fábrica de biochar no Brasil. Desta vez a usina está sendo erguida em Campina Verde, no estado de Minas Gerais.
As fábricas da startup são sempre construídas ao lado de um parceiro. Neste caso, a planta será instalada com a Brunozzi Agropecuária, uma fazenda que possui 750 hectares de cana-de-açúcar e aí está outra novidade do anúncio dessa semana.
Agora, começa uma nova fase para a NetZero, que até então vinha utilizando quase que exclusivamente a casca de café para produzir o biochar. Na nova fábrica, será usada a palha que sobra do manejo das plantações de cana e, em menor volume, o bagaço da cana.
A partir dos resíduos, a empresa extrai carbono e produz o biochar, que é chamado de condicionador de solo. Não é um fertilizante, afinal não nutre diretamente a planta, porém favorece uma maior absorção do adubo, além de melhorar a qualidade do solo.
Trata-se de um complemento para o fertilizante, à medida que permitiria maior aproveitamento do insumo, até reduzindo a necessidade da aplicação do adubo tradicional, de acordo com Reinaud.
Segundo os empresários, o resultado é um ganho de produtividade agrícola e, ao mesmo tempo, maior sequestro de carbono – que depois vira créditos e então gera receita para a NetZero.
“O biochar vai melhorar a retenção de água e nutrientes, principalmente, permitindo maiores rendimentos na agricultura. E tem outro benefício, sequestramos esse carbono, que vem da atmosfera, é captado pelas plantas durante a fotossíntese e depois vamos extraindo e colocando esse carbono no solo, ou seja, nós reduzimos a concentração de carbono na atmosfera e isso ajuda a lutar contra as mudanças climáticas”, explicou o cofundador.
O investimento para a nova fábrica é de R$ 15 milhões e a capacidade será semelhante às demais plantas brasileiras, para a produção de 4 mil toneladas de biochar. Para produzir esse volume, são necessárias 16 mil toneladas de biomassa.
A palha de cana será fornecida pela Brunozzi Agropecuária e o bagaço deve ser obtido com usinas da região. A previsão é de que a nova fábrica comece a operar em fevereiro de 2026.
No modelo da NetZero, os fornecedores da biomassa são também os usuários do biochar em suas lavouras. Portanto, tudo o que for produzido na fábrica, será aplicado na fazenda, com um custo subsidiado pelos créditos de carbono que a startup já vêm comercializando.
“Esse movimento para a cana-de-açúcar é bastante estratégico para nós. O principal motivo é que a cana de açúcar tem muito mais potencial para escalar o Biochar do que o café. O café tem potencial, com certeza, e nós exploramos muito pouco ainda desse potencial. Mas a missão da Net Zero é realmente trazer o biochar em escala, como essa solução dupla, climática e agronômica”, ressaltou.
Segundo a NetZero, mundialmente, a cana gera 700 milhões de toneladas de resíduos por ano, sendo a maior fonte agrícola disponível. O Brasil responderia por cerca de 40% desse total, por isso a expectativa de que nesta cultura esteja o caminho mais rápido para expandir a produção de biochar.
Para conquistar a cadeia da cana, a startup aposta na vantagem que pode trazer as empresas na descarbonização. “Os fertilizantes são uma fonte muito importante de emissões de gases de efeito de estufa, então, se você consegue reduzir o uso desses fertilizantes, você consegue descarbonizar a produção da cana”.
A Brunozzi, segundo ele, já estava fazendo testes com o biochar e conseguiu elevar em 20% a produtividade da cana, por isso acabou aceitando ser parceira no projeto da nova fábrica. A fazenda produz 210 mil toneladas de resíduos por ano.
“Nossa maneira de implementar um projeto é sempre de fazer o projeto piloto e depois vamos escalando. A característica dessa nova usina é que vai ser a primeira que vai usar essa nova tecnologia que nós chamamos de Gen 2, Geração 2, uma tecnologia é modular”, pontuou.
Como o projeto é feito em módulos, Reinaud explicou que na cana as fábricas devem ser, futuramente, maiores que as unidades que usam a casca de café. “Depois queremos aumentar”, disse ele, sinalizando que a primeira fase será de um ou dois anos.
Em busca do breakeven, com ajuda de Elon Musk
O AgFeed mostrou no início do ano que a NetZero estava buscando captar US$ 30 milhões para o projeto de expansão que previa nove fábricas ainda este ano.
Olivier Reinaud disse que o plano “mudou um pouco”, o timing da abertura de fábricas pode ser alterado em função do foco absoluto no projeto da cana. Já a rodada segue aberta, porém, não é mais tão prioritária.
O motivo seria um prêmio conquistado pela empresa. “Nós ganhamos um prêmio lá nos Estados Unidos, que se chama XPRIZE Carbon Removal, que é financiado pela fundação Elon Musk. Tem foco na remoção de carbono, sequestro de carbono, e nós levamos o segundo prêmio, que foi de 15 milhões de dólares. Isso basicamente gerou um aumento de capital”, contou Reinaud.
Ele pondera que a empresa ainda pretende captar recursos, mas como recebeu o valor do prêmio, pode buscar as melhores oportunidades.
O executivo reiterou, no entanto, que a NetZero segue “avançando bem” para atingir o breakeven entre o fim de 2026 e o início de 2027.
As fábricas da NetZero que já estão operando atualmente ficam em Lajinha, São João do Manhuaçu e Paraguaçu, em Minas Gerais, além de Brejetuba, no Espírito Santo. Nestes locais a matéria-prima são os resíduos de café e há parcerias com cooperativas e grandes empresas como a Nespresso e a Marubeni.
Resumo
- NetZero constrói quinta fábrica de biochar no Brasil, em parceria com a Brunozzi Agropecuária, investindo R$ 15 milhões
- Unidade usará palha e bagaço de cana para produzir 4 mil toneladas de biochar, aumentando produtividade e reduzindo uso de fertilizantes
- Startup aposta no potencial da cana para escalar biochar globalmente, com apoio de créditos de carbono e prêmio da fundação Elon Musk