Eron Martins não fazia questão de esconder o cansaço na manhã desta quinta-feira, 10 de abril. O sono foi curto na noite anterior, depois de uma tensa maratona de mais de 12 horas de debates e negociações com cerca de 1,4 mil credores do grupo AgroGalaxy, do qual é CEO.

Martins também não escondia a satisfação pelo resultado dessa maratona. Já na madrugada da quinta-feira, ele e sua equipe comemoraram uma vitória, com a aprovação, por ampla maioria dos credores presentes, do plano de recuperação judicial da empresa.

“O dia 10 de abril de 2025 é um dia diferente para o AgroGalaxy”, disse ele em uma videochamada com um grupo de jornalistas. “É um dia de voltar às raízes, recomeçar ou renascer a partir dessa data”.

A aprovação do plano é linha de chegada para um processo que começou no dia 18 de setembro passado, quando a companhia abalou o mercado ao protocolar, na Justiça de Goiás, o seu pedido de recuperação judicial.

Na petição, listava mais de R$ 4,1 bilhões em dívidas com mais de 2,5 mil credores, que iam desde microempresas e pequenos produtores rurais a fundos bilionários e atores importantes do mercado de capitais.

“É uma notícia positiva, principalmente pensando no futuro do AgroGalaxy”, resume. “Só foi possível fazer esse tipo de operação, com mais de 80% de aprovação, quando se tem o apoio, primeiro, dentro de casa, mas também de fornecedor e de produtores rurais que estão fazendo negócios conosco. É o que nos dá uma pavimentação forte para a estrada que a gente vai ter que percorrer daqui pra frente”.

A partir da aprovação obtida na assembleia geral de credores, o plano segue para a homologação do juiz da 19ª Vara Cível e Ambiental da Comarca de Goiânia (GO), onde tramita a RJ da empresa. A expectativa da empresa é que isso aconteça em até 30 dias.

Mas, de imediato, as conversas com os credores são retomadas, não mais para ter o seu voto favorável ao plano.

“A gente, agora, senta com os fornecedores para começar a falar de planos de negócios. Temos agendas intensas com fornecedores, desde já, pra fazer isso, visando a safra 2025/2026, que já está andando na ponta. Há algumas feiras começando e elas estão puxando os negócios. E, também, já falando alguma coisinha, da safrinha 2026”.

Durante cerca de 40 minutos de conversa com os jornalistas, Martins explicou pontos da negociação que levou à formatação da versão final do plano de recuperação, que foi protocolada pelo advogado do grupo, Gustavo Salgueiro, quase à meia-noite da quarta-feira, sobretudo os questionamentos de alguns dos principais credores, como o Banco do Brasil e o Santander, a respeito dos prazos e condições de pagamento oferecidas pela empresa, além da sua capacidade para cumprir o que foi apresentado.

“Apesar de a gente ter aprovado o plano em um período relativamente curto, vamos chamar assim, comparado com outras recuperações judiciais, você pode imaginar que a gente trabalhou nesse plano desde o primeiro dia”, disse.

“E trabalhar no plano é uma amarração que vai desde entender o seu plano de negócio para os próximos anos, o que você é capaz de faturar, de quem você vai comprar, a que preço você vai comprar, que margem você vai ter, que estrutura você vai ter e o que isso vai se transformar em caixa. E, com esse caixa, avaliar o que você pode propor no plano”.

Segundo Martins, o fato de o plano proposto ter recebido uma aprovação expressiva indica que o trabalho foi bem feito. “Quando você submete para aprovação é um plano que você tem condição de cumprir”, prossegue.

Outro trabalho que deve consumir os próximos dias do time do AgroGalaxy é obter dos credores que votaram favoravelmente ao plano a definição das condições em que preferem ser pagos. Isso porque a proposta aprovada traz 15 diferentes modelos para a quitação, com mais de uma opção para cada categoria de credor.

Ter essa definição é fundamental para que a empresa possa entender o cenário de sua dívida após cruzar essa primeira linha de chegada.

“A gente precisa fazer todo esse trabalho de contabilização, quem entra no plano A, quem entra no plano B”, explicou.

“Então, o fornecedor que devia R$ 100, se ele é parceiro, você continua devendo R$ 100, mas em 2 anos de carência mais 8 para quitação. Se ele não é parceiro, você está devendo R$ 15, em 3 mais 16. Então, a gente vai começar agora a tabular em função do que foi a aprovação ontem. Dentro desses 30 dias até a homologação, eu acho que a gente consegue, devemos conseguir fazer isso”.

Segundo o executivo, o momento da homologação é aquele em que, contabilmente, também se transfere a dívida para essa nova condição, impactando positivamente nas demonstrações financeiras da empresa.

As posições de alguns credores começaram a ser manifestadas na própria assembleia. Algumas delas surpreendentes, como a do Banco do Brasil, que, embora fosse um dos mais ativos questionadores do plano, acabou votando a favor e já indicou a condição de pagamento que prefere entre as possíveis aos credores financeiros - optou por receber seus créditos em debêntures de longo prazo, não conversíveis em ações. Já o Santander antecipou que pode escolher a opção das debêntures conversíveis.

No processo de homologação, segundo explicou ao AgFeed a advogada Camila Crespi, coordenadora na área de Insolvência da Luchesi Advogados, que representa um grupo de credores fornecedores do AgroGalaxy, o juiz responsável deve analisar apenas os aspectos legais da assembleia e do plano, sem se deter nos pontos econômicos, como as condições de pagamento ou mesmo a capacidade de execução das propostas por parte da empresa.

“Uma vez homologado, o plano tem natureza contratual, funciona como um contrato firmado entre a recuperanda e os credores”, afirma ela. A advogada disse que votações favoráveis tão expressivas como a obtida pelo AgroGalaxy não são comuns, principalmente em processos tão rápidos quanto o promovido pela empresa.

“Isso demonstra uma resposta positiva do mercado e que o cenário mudou desde que a empresa entrou com o pedido na Justiça”, afirmou.

Essa aprovação deixou Eron Martins e o advogado Gustavo Salgueiro confiantes de que não devem ter problemas de judicialização da decisão da assembleia por parte de credores que tenham ficado insatisfeitos com o resultado.

“O risco parece bastante mitigado, porque os credores aprovaram esse plano de forma muito precisa e isso diminui muito o ímpeto do Poder Judiciário, que, a rigor, nem poderia acontecer, de controlar as condições econômicas do plano”, afirmou Salgueiro.

Foi o advogado quem liderou, ao longo da AGC, as últimas negociações visando a aparar arestas e incluir no plano alguns derradeiros pedidos de credores. Pelo menos dois pontos chamaram a atenção por não constarem de versões anteriores e estarem contempladas na versão final.

Um deles é a possibilidade, aberta a credores fornecedores, de converter seus créditos para o dólar. Segundo Martins, essa demanda veio de um grupo de empresas multinacionais, que precisavam alinhar os reports para suas matrizes.

“A gente conseguiu flexibilizar, é um porte bem pequeno. Foi uma forma de facilitar, sempre nesse espírito que regiu ontem a nossa assembleia, de consultar o fornecedor, entender quais adaptações eram possíveis sem comprometer o plano”, disse Martins.

Outro ponto foi a abertura de uma negociação exclusiva com os detentores de CRAs emitidos pelo AgroGalaxy, e que agora poderão trocar as dívidas por debêntures a serem emitidas especificamente para esse fim. Salgueiro contou que essa possibilidade surgiu durante a negociação para a venda da carteira de crédito da companhia.

“Algumas das gestoras que concentram esses papéis do CRA manifestaram interesse desde o primeiro momento em olhar as carteiras recebíveis”, disse. “Elas também tinham dentro de casa encarceradas partes dessa emissão e, quando o Agrogalaxy informou que tinha interesse em vender a carteira de créditos inadimplidos ainda não judicializados, elas costuraram com o grupo uma operação em que eles apresentam uma proposta firme e vinculante, que vai servir como um piso para um processo competitivo de venda desses ativos”.

Assim, o acordo previu que, em caso de venda, esses créditos podem ser transformados em debêntures, que seriam integralizadas como ativos nos fundos que fizeram a proposta.

Para Martins, o recebimento dessa proposta, bancada por importantes players do mercado de capitais, é importante para restaurar a confiança em torno da empresa e abrir portas para a tomada de crédito quando se fizer necessário.

“Uma venda transparente, com proposta já ancorada por um stakeholder, mas podendo ser lidada por outro, é uma possibilidade importante do ingresso de capital para que a gente faça a execução do plano como está combinado”, afirmou.

Nesse sentido, ele também ressaltou o fato de ter obtido votos favoráveis de bancos como o Banco do Brasil e o Santander. “Se dois bancos importantes votaram a favor do plano, vai ser um bom sinal”.