Nos próximos dias, diretores, gerentes, parceiros e fornecedores da Belagrícola, companhia paranaense de distribuição de insumos, originação de grãos e produção de sementes, estarão reunidos na bela sede da empresa em Londrina, no Norte do Paraná.
Ali, com vista para o lago Igapó, a ideia é fazer um balanço de um ano complexo, talvez o mais difícil do mercado desde que a empresa – criada em 1985 a partir de uma loja de adubos na vizinha Bela Vista do Paraíso – foi adquirida pelo grupo chinês Pengdu, em 2017.
Alberto Araújo, CEO do grupo Belagrícola, batizou o encontro de “Aprendizados de 2023” e deixou uma instrução bem clara: “A ordem é enfrentar os problemas de frente, ver o que temos de pior, entender o que fizemos de errado, sem vergonha de admitir que não funciona”, diz, em entrevista ao AgFeed.
O objetivo não é caçar bruxas, até porque os resultados da companhia indicam que, diante do cenário do segmento em que atua, não há muito para lamentar. Araújo pontua que as receitas da empresa devem ficar “em linha” com as de 2022 – quando faturou R$ 7,9 bilhões, sendo R$ 1,8 bilhão com insumos e R$ 6,1 bilhões com grãos.
Com a queda brusca dos preços de defensivos e fertilizantes, assim como das cotações da commodities agrícolas, atingir esse resultado significa que, em volume e área atendida (segundo ele, o indicador que norteia a empresa), as operações até cresceram.
Mas na última linha do balanço, admite Araújo, “a gente, com certeza, está pior que 2022”. A comparação, é claro, é feita com base em um período em que o agronegócio crescia em alta velocidade – e a Belagrícola, também. No ano passado, a receita praticamente dobrou e o lucro subiu 47% sobre 2021.
Para 2023, as metas foram revisadas ao longo do ano, adequando expectativas em função do cenário que ia se deteriorando. Atualmente, elas indicam “chegar em dezembro com lucro antes de impostos ligeiramente positivo”.
Araújo afirma que o planejamento feito em 2022 já apontava para um ano de correções e que, por isso, as metas já não eram tão agressivas. Em função do cenário, no entanto, a empresa foi foi adequando expectativas financeiras.
Em área atendida, a Belagrícola deve, no entanto, ampliar de 17% a 19%. “É bastante e tem acontecido principalmente em áreas em que se vê movimentos do setor”, diz. Ou seja, em territórios onde a concorrência foi mais afetada pelas dificuldades.
O Sul do Paraná é onde a empresa mais cresceu, atendendo a um público que tem o perfil buscado pela Belagrícola: pequenos e médios produtores, com nível pelo menos razoável de tecnificação. Segundo Araújo, houve expansão também no número de clientes por lojas.
Quando se fala em volume comercializado, houve avanços nas duas principais frentes de negócios. Na B2C, com o varejo de insumos direto ao produtor, e na B2B, com a venda de sementes de soja (com a marca Bela Sementes) e de defensivos pós-patente, importados pela empresa. “Nesse segmento, praticamente dobrou a área atendida”, diz.
Araújo vê como trunfos da empresa algumas ações que têm aproximado a Belagrícola do produtor, sobretudo através da educação para o uso do hedge – instrumento de proteção com travamento de preços na comercialização da produção – e de barter, a compra de insumos usando parte da colheita.
A empresa trabalha há quatro anos, por exemplo, com uma produto de barter que garante, caso o produtor deseje, que ele possa participar dos ganhos com uma eventual alta da commodity depois de fechada a operação.
Este ano, por conta de uma expectativa baixa em relação a alta de preços dos grãos, o volume de operações de barter – que em 2022, com cotações em alta, ficou em apenas 6% dos negócios com insumos – deve voltar a bater próximo dos 20%, taxa considerada ideal pela empresa.
O volume originado de grãos pela Belagrícola será recorde, atingindo mais de 3 milhões de toneladas. A capacidade estática de armazenamento tem crescido e hoje está em 1,5 milhão de toneladas, crescendo com o incremento nas 78 unidades de recebimento da empresa.
IPO nos planos
O planejamento de médio prazo aponta para a ocupação de novos territórios. Hoje, na distribuição de insumos, a empresa atua sobretudo no Paraná e nos vizinhos Santa Catarina e São Paulo. No B2B, atua no Brasil inteiro e, na área de sementes, plantou uma unidade de beneficiamento em Pato de Minas (MG), abrindo as portas do Cerrado.
Nos próximos três a cinco anos, diz Araújo, o objetivo é ter lojas em mais três estados. Mas com a expansão sendo feito no ritmo permitido pela conjuntura econômica. “Nosso modelo é asset light”, diz, indicando que não haverá investimentos relevantes em ativos – a área de sementes é exceção, pois exige maior estrutura, e recebeu R$ 45 milhões na planta mineira.
“Nossa estratégia, nesses tempos de juros altos, é não fazer expansão baseada em dívida”, diz Araújo. “Se teve lucro, aumenta capital. Vamos crescer com o lucro e na velocidade proporcional ao cenário macroeconômico. Se o juro cair, acelera”.
As discussões sobre planejamento para 2024 tratam da necessidade de mais capital de giro e até de visões estratégicas sobre algumas correções de rotas, como a possibilidade de investir na verticalização da cadeia de grãos, como fizeram as cooperativas, para entrar em negócios com maior valor agregado.
Atento ao que o mercado indica, o comando da Belagrícola também está preparado para uma eventual aceleração. “Estamos aguardando, desde o segundo semestre de 2021, a abertura de uma nova janela de oportunidade para irmos ao mercado de capitais”, diz o CEO.
Abrir o capital da companhia está, assim, na rota da empresa, que nos últimos anos adequou as estruturas internas e externas de governança para atender às exigências de futuros investidores.
Hoje a Belagrícola conta inclusive com uma diretoria de risco, que atua paralelamente ao CEO, com a missão de identificar possíveis exposições e alertar para que haja adequações.
Mercado mais quente
Potência regional com ambições nacionais, a Belagrícola é uma empresa vista como estratégica em um mercado em consolidação. Tem mostrado eficiência mesmo atuando em uma região com forte presença de cooperativas, normalmente muito competitivas no segmento de insumos e originação.
Por isso, não é rara a presença de representantes de bancos de investimento e fundos na sua sede. “Estamos sendo bastante provocados”, afirma.
No setor como um todo, diz Araújo, as conversas ganharam mais intensidade, sobretudo porque esses bancos que organizam rodadas de fusões e aquisições identificam um “momento de oportunidade”, em que seria possível “encontrar ativos com múltiplos melhores em função do ciclo de correção que o segmento de distribuição atravessa”.
“Com certeza tem investidores querendo se posicionar ou ampliar área de atuação”, aponta. “Os grupos vão se movimentar e é possível que em 2024 tenhamos mais notícias de fusões e aquisições”, afirma.
A própria Belagrícola foi alvo recente de rumores nesse sentido. Uma nota na revista Veja apontava que o grupo chinês que a controla teria colocada a empresa à venda, assim como a Fiagril, com sede no Mato Grosso e também adquirida há alguns anos pelo Pengdu.
A notícia foi rapidamente desmentida e o rumor, que trazia inconsistência nas informações divulgadas, não prosperou.
Araújo não descarta, porém, que no futuro a Belagrícola esteja envolvida em negociações para aquisição ou fusão, desde que façam sentido. “Ainda não conseguimos encontrar parceiro e momentos corretos”, diz.
Lições dos bancos
Araújo deseja é usar as lições de um momento difícil para sair ainda mais forte para um novo ciclo de crescimento. E defende, inclusive, que essa discussão se espalhe por todo o setor de distribuição de insumos, que sofreu com a retração de mercado em 2023. “O ano é esse”, sentencia. “O setor precisa discutir mais abertamente suas questões, trabalhar de forma conjunta”, afirma.
O CEO da Belagrícola acredita que o setor bancário pode servir como um modelo de “concorrência inteligente” a ser seguido pelo segmento. “Eles competem em um ambiente difícil, mas mantêm instituições de classe fortes, com ações como o open banking para dividir informações de crédito”, exemplifica.
Para Araújo, as empresas do setor de distribuição de insumos dividem pouco seus dados e aprendizados, quando poderiam atuar mais em conjunto. “Esconder informações para o setor não é mais uma opção”, afirma.
Araújo acredita que o atual ciclo de correção no segmento deve ser aproveitado, diferentemente do que aconteceu em ocasiões anteriores, como em 2011 ou 2016/17. “A cada cinco a sete anos vem um ciclo desses. Se sabemos que virá, temos de ficar preparados”, diz. “A boa notícia é que desta vez a reação foi mais rápida”.
Um dos pontos positivos de 2023, segundo ele, foi que a crise exigiu que revendas e fornecedores sentassem á mesa com novo espírito.
“As conversas foram mais diretas e francas, com foco no ganha-ganha. A gente precisa sair do perde-perde e discutir juntos, por exemplo, qual o nível ideal de estoque para cada ano, com base nas experiências de anos anteriores. A competição vem com a diferenciação”, acrescenta.
“Isso é uma lição para o gestor brasileiro, de que não é possível ter líderes que não tragam governança com transparência e conversas francas. Nada melhor que alinhar expectativas”.