Quanto vale o fim do conflito e a perspectiva de uma era de estabilidade na relação entre os acionistas da maior produtora de carnes de aves e suínos do País, dona de marcas como Sadia e Perdigão?

Nas contas de quase 80% dos votantes na Assembleia Geral Extraordinária (AGE) realizada pela BRF nesta segunda-feira, 3 de julho, R$ 4,5 bilhões podem trazer paz – e um controlador efetivo – à companhia.

Com exatos 78,6% dos votos dos acionistas presentes na reunião realizada em São Paulo, o bilionário Marcos Molina, dono do grupo Marfrig e já acionista majoritário da BRF, viu aprovado o seu plano de injetar na empresa, ao lado do grupo saudita Salic, o valor equivalente à emissão de novas 500 milhões de ações a uma cotação unitária de R$ 9.

A maioria dos votos aprovou também a dispensa do acionamento do mecanismo que exigiria a realização de uma Oferta Pública de Ações (OPA) em caso de um acionista alcançar participação superior a um terço do capital da BRF. Essa era uma condição imposta por Molina para seguir com a proposta.

Com as 250 milhões de novas ações (sua parte no total de papeis a serem emitidos, enquanto o Salic fica com a outra metade), Molina deve saltar para 38% do capital. Juntamente com os 15% que estarão nas mãos dos árabes, formam um bloco de controle com 53% das ações, liderado pelo empresário.

Anunciado no final de maio, o plano foi bem recebido pelo mercado. Desde então, os papeis da BRF tiveram uma alta superior a 22%, o que fez com que seu valor chegasse, no fechamento do pregão da segunda 3, a R$ 8,91, muito próximo ao teto proposto na oferta feita por Molina.

O sinal que os demais acionistas deram na AGE foi que concordam em ver diluída sua participação atual em troca de uma injeção de capital capaz de equacionar o alto endividamento que minava o valor de seus papeis.

Previ, com 6,24%, e Kapitalo, com 5,14%, são os principais minoritários, com cerca de 0,5% das ações ficando para o conselho, tesouraria e diretoria, enquanto os outros 54% estavam diluídos em posições menores.

Segundo relatório produzido por analistas do Bank of America logo após a divulgação do plano, o aporte pode reduzir as despesas financeiras da BRF em cerca de R$ 600 milhões.

Outro ponto favorável vislumbrado pelos minoritários foi a entrada do Salic no quadro de acionistas. Existe a percepção de que a presença do grupo ajude a destravar negociações com o mercado árabe, um dos principais destinos das exportações brasileiras de carne de frango.

O movimento de atração dos árabes para a operação foi considerado uma jogada de mestre de Molina. Ele nunca escondeu seu desejo de assumir o controle da companhia, mas precisava de um trunfo capaz de desarmar de vez os humores entre os minoritários.

Parte do trabalho já havia sendo feito desde o ano passado, quando, já na condição de majoritário, Molina conseguiu aprovar sua indicação para que Miguel Gularte, ex-CEO do Marfrig, assumisse o comando da BRF.

O sócio de uma gestora com participação minoritária na BRF disse ao AgFeed que a chegada de Gularte à empresa trouxe melhoras rápidas na operação, que, segundo ele, era um dos principais focos de problema na companhia.

“O segundo era a alavancagem. Com o aumento de capital, a perspectiva melhora bastante no negócio”, afirmou o investidor, ainda antes da AGE.

Desde que foi criada, com a fusão de Sadia e Perdigão, a BRF tem sido palco de constantes embates entre acionistas, com frequentes disputas em torno de assentos no Conselho de Administração refletindo na gestão da empresa.

O histórico de conflitos envolve nomes de peso do universo de investimentos no Brasil, como os fundos de pensão Previ e Petros e a gestora Tarpon, além de empresários e executivos como Nildemar Secches, Abílio Diniz e Pedro Parente.

Molina chegou ao jogo apenas em 2021, com a aquisição de um terço da participação da Previ, que, então, passou de 9% para os atuais 6,24%.

Com apetite, Molina rapidamente levou a Marfrig a um total de 33% das ações. Também foi veloz na entrada na disputa pelo controle.

Já majoritário, o novo acionista quis criar um conselho inteiramente formado por indicados da Marfrig, o que não agradou a Previ – posteriormente fecharam um acordo, com a indicação de um nome da Previ, Aldo Mendes, no colegiado.

Ainda em 2021, em um aumento de capital da BRF, Molina tentou, pela primeira vez, comprar ações suficientes para ultrapassar os 33% da empresa sem acionar a poison pill.

O fundo Petros contestou a proposta usando um parecer do ex-presidente da CVM, Marcelo Trindade, e a ambição da Marfrig teve de ser adiada.

Molina, agora, atingiu seu objetivo, acenando com um cheque gordo em um momento em que a BRF precisava muito. Através da Marfrig, ele já injetou cerca de R$ 9 bilhões na companhia.

"Vejo mais oportunidades na BRF do que em qualquer empresa que compramos no passado. É uma empresa brasileira e um negócio que já conhecemos, diferente das outras", disse Molina, em abril, em entrevista à Bloomberg. "Temos a convicção de que vamos conseguir. Basta saber quando".

O tempo dirá também se o bilionário comprou a paz ou apenas uma trégua. Sua proposta foi rejeitada por 15% dos acionistas, que, momentaneamente, passam a ter pouca voz diante do poder do bloco de controle.

Isso não os impede de fazer barulho. Molina não parece, porém, se assustar com isso.