Ter um produto tão esperado pelo mercado ao ponto de conseguir financiar as linhas de produção antecipando valores que já estão vendidos para clientes. Se este é um grande objetivo para qualquer empresa, a gigante Raízen já o atingiu.

A empresa já produz etanol de segunda geração (E2G), originado do bagaço da cana-de-açúcar. Até o final da safra 2023/2024, em março deste ano, duas plantas no interior de São Paulo estavam operacionais.

Mas o plano da Raízen é ter nove plantas em operação até o final de 2027 e 20 até 2030. Para finalizar todas elas, a companhia tem utilizado um modelo de financiamento que evita impactos nos resultados.

“Nós já temos contratos de longo prazo para fornecer etanol de segunda geração, com o mercado europeu liderando a demanda. Antecipando os recebíveis atrelados a esses contratos, conseguimos financiar a construção das plantas a um custo muito competitivo”, explicou Ricardo Mussa, CEO da Raízen, em coletiva de imprensa sobre os resultados do quarto trimestre e de todo o ano safra 23/24.

Além do benefício do financiamento barato, os contratos fechados pela Raízen diminuem os fatores de riscos para a atividade e os resultados no futuro, segundo Mussa.

“Os contratos têm uma trava de preço mínimo em mil euros. Hoje, no mercado à vista, o etanol de segunda geração é negociado entre 1,2 mil e 1,3 mil euros. Esse valor que fechamos é o mínimo, pode ser maior”, diz o executivo.

A companhia tem 4,3 milhões de metros cúbicos de E2G já contratados, que representam um total de 4,3 bilhões de euros, o equivalente, no câmbio atual, a cerca de R$ 23,7 bilhões.

Nas contas da própria Raízen, a implantação de cada unidade para produção de E2G requer um investimento de R$ 1,2 bilhão. Com isso, os contratos já seria suficientes para quase a totalidade dos R$ 25 bilhões previstos no plano de investimentos até 2030.

A Raízen fechou a safra 2023/2024 com uma capacidade de produção de 60 mil metros cúbicos, ou 60 milhões de litros, de E2G. A estimativa da companhia é chegar ao final de 2027 com uma capacidade de 686 mil metros cúbicos.

A companhia tem uma meta ambiciosa para a safra 2030/2031. Com 20 plantas, a capacidade instalada seria de aproximadamente 1,6 milhão de metros cúbicos.

A produção de E2G da Raízen cresceu quase 19% na safra 2023/24, para 36 mil metros cúbicos, ainda abaixo da capacidade instalada. E quase nada se comparado ao etanol de primeira geração, que soma 3,1 milhões de metros cúbicos, em que a companhia obteve crescimento superior a 5% na safra.

Resultado acima do esperado

O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado da Raízen no quarto trimestre da safra 2023/2024 ficou em R$ 3,7 bilhões, queda de quase 38% ante o mesmo período de 2022/2023, mas 16% acima das estimativas das analistas Isabella Simonato e Julia Zaniolo, do Bank of America.

A boa margem conseguida pela companhia no açúcar, que responde pela maior parte do mix de produção, compensou o cenário mais difícil no etanol, que segundo Mussa, já mostra melhoras nesse início de nova safra.

“Nós conseguimos vender etanol em maio por um preço entre R$ 300 e R$ 400 maior que o valor praticado em março”, conta o CEO. Entre janeiro e março, o preço médio por metro cúbico do etanol vendido pela companhia foi de R$ 2.388, mais de 31% menor que o conseguido no mesmo período de 2023.

Segundo Philipe Casale, diretor de Relações com Investidores da Raízen, a estratégia de manter mais etanol em estoque acabou dando certo. A companhia fechou a safra com 526 milhões de litros em estoque, volume 76% maior que o fechamento da safra 2022/2023.

O volume equivale a R$ 1,4 bilhão em etanol a ser vendido, valor que pode aumentar de acordo com o comportamento dos preços.

No açúcar, a estratégia é parecida. Mesmo em um ambiente mais favorável que para o etanol, a Raízen quase dobrou seus estoques em um ano, chegando a 525 mil toneladas. Em valor, esse volume equivale a R$ 1,1 bilhão.

Sobre os preços do açúcar, Mussa acredita que eles devem ficar em patamares elevados por um tempo considerável, cenário traçado também pelas analistas do BofA. “A oferta não tem crescido no ritmo da demanda. E para estimular mais produção de açúcar, a cotação precisa ficar alta por um tempo”.

Com a margem de etanol ainda em recuperação e efeitos contábeis, a Raízen teve prejuízo de R$ 178 milhões no último trimestre de 23/24. Em todo o ano-safra, a companhia teve lucro de quase R$ 1,3 bilhão, queda de 67% em relação a 2022/2023.

Perspectivas positivas

Juntamente com os balanços, a Raízen divulgou suas projeções para a safra 2024/2025. Os números seguem o otimismo demonstrado pelo CEO na coletiva de imprensa, dizendo que a companhia tem mais “riscos de upside” do que negativos.

O Ebitda ajustado é projetado no intervalo entre R$ 14,5 bilhões e R$ 15,5 bilhões. Caso atinja a mediana de R$ 15 bilhões, o indicador em 2024/2025 vai avançar em 14,5%.

Os investimentos vão continuar em queda, saindo de R$ 12,6 bilhões em 2023/2024 para no máximo R$ 11,5 bilhões na próxima safra.

Mussa falou não só em menor volume de investimentos, mas também em desinvestimentos. Está nos planos da Raízen vender ativos que não fazem parte da atividade principal da empresa, que é a produção de etanol e açúcar.

“Podemos dizer mais objetivamente que vamos nos desfazer de ativos de geração de energia. Esse é um tipo de investimento em que deixamos o projeto de pé, achamos os clientes e depois tem um caminho natural de repassar”, afirma o executivo.

Casale afirma que, apesar de estar nos planos da empresa, esse tipo de venda vai ser feita com critério. “Não temos pressa, será feito do jeito certo”. Para reforçar essa estratégia, o diretor de RI afirma que a estrutura de capital da Raízen é muito confortável. “O prazo médio das dívidas é de sete anos”.