A história da agricultura de Mato Grosso tem como um dos seus principais personagens uma empresa que começou familiar, mas que hoje é controlada por chineses e participação de um fundo americano, a Fiagril.

Há 38 anos a companhia foi fundada por Marino José Franz, um técnico agrícola catarinense, começando pela venda de insumos em Lucas do Rio Verde, mas depois ganhando novos sócios.

Atualmente, a Fiagril tem como acionista majoritário a Pengdu Agriculture Ltda, que adquiriu o controle da empresa em 2016 e também controla a paranaense Belagrícola.

Também são acionistas o fundo americano Amerra Capital Management e, como minoritários, os primeiros investidores, entre eles o próprio Marino Franz e o atual prefeito de Lucas, o produtor rural Miguel Vaz.

No berço da Fiagril, em plena Show Safra, feira realizada em Lucas do Rio Verde, o AgFeed conversou com o atual CEO da empresa, Henrique Mazzardo e com o diretor de vendas e marketing Diego Guimarães Arruda, ex-UPL e ex-Agrofy.

Os executivos confirmam que o ano de 2024 foi desafiador. Cerca de 45% do faturamento da Fiagril vem da venda de insumos, principalmente via barter, as operações de troca. O restante se refere à comercialização de grãos.

“O faturamento sofreu uma queda assim como todo o mercado, muito impactado não só pelo preço das commodities, mas também por um apetite menor a risco da companhia”, explicou o CEO, Henrique Mazzardo.

Os números fechados da empresa devem ser divulgados daqui um mês, quando sai o balanço da controladora chinesa, listada na bolsa de Shenzen.

Ele adiantou, no entanto, que deve haver um recuo entre 20% e 25% na receita.

“A gente enxerga aí um risco aumentado de inadimplência em todo o setor. Especialmente quando se olha para as culturas de soja, milho e algodão. E nesse cenário um pouco mais adverso com rentabilidade baixa a gente decidiu aumentar os nossos níveis de exigência em relação à qualidade financeira dos produtores e nível de garantia também”, explicou.

Diego Arruda, diretor de vendas, diz que o preço também influenciou, caindo cerca de 10%.

“Mas também teve uma queda de 15% por menor apetite de risco. A gente decidiu não financiar um grupo de produtores que tinha um certo grau de risco”.

Outro fator negativo ocorre em fertilizantes, onde a competição de empresas como a Fiagril com as grandes tradings tem sido cada vez maior.

Além disso, segundo o CEO, pesou “o mercado de distribuição mais estocado”, o que pressionou as margens para baixo.

“As vezes o risco fica maior que o retorno e a gente tira o nosso time de campo. Então, ao invés de competir por um mercado de margens estressadas com risco de crédito aumentado, a gente decide ficar mais conservador”, reforçou.

O último dado conhecido da Fiagril é a receita de 2023 que foi de R$ 4,5 bilhões. Naquele ano, a companhia registrou prejuízo, mas gerou caixa, com Ebitda de R$ 200 milhões.

Em 2024, Mazzardo garante que a companhia volta a ter lucro na última linha, com Ebitda contábil próximo de R$ 190 milhões.

Estratégia “chinesa” para 2025

A expectativa dos executivos da Fiagril para este ano é mais otimista. Eles esperam uma retomada do crescimento, que deve ficar entre 15% e 20%.

Um pouco antes e durante o Show Safra, Diego Arruda diz que “o mercado começou a andar”. O ritmo vinha abaixo da média, com no máximo 30% do pacote de sementes, defensivos e fertilizantes já negociados para a safra de soja 2025/2026. “Em março normalmente já se tinha 40%”.

Um dos entraves é que o custo de produção aumentou, com o “pacote completo” subindo de 27 sacas para 28 sacas, segundo Arruda. “Mas a gente enxerga que é um bom momento”.

O CEO da empresa admite que “já não há um medo do produtor em relação a faltar determinado produto, tendo um pouco de conforto em relação a isso”.

Mas ressalta que a disponibilidade de crédito é bem menor este ano, por isso o atraso também pode estar relacionado ao esforço maior que produtores precisam fazer para reestruturar o crédito junto a instituições financeiras e parceiros comerciais.

Hoje a Fiagril tem 27 unidades (23 de insumos e 4 de grãos) em quatro estados: Mato Grosso, Tocantins, Pará e Rondônia. O atendimento envolve 2 mil produtores, sendo que dos 2 milhões de toneladas de grãos, 10% vai para exportação e o restante é vendido no mercado interno.

A estratégia para 2025 é avançar nas regiões em que a empresa chegou recentemente, mas sem arriscar a abertura de novas lojas.

Nos últimos foram abertas 9 filiais. “Nós estamos em uma fase agora de consolidação dessas novas filiais”.

Mazzardo explica que a Fiagril se tornou grande na distribuição de insumos, em número de produtores, postos de atendimento e geograficamente, mas possui uma estratégia “muito própria”.

Trata-se de uma ligação entre o fornecimento local de defensivos, sementes e fertilizantes, com estratégias específicas como a importação de químicos diretamente da China e da Índia.

“Ao invés de nós nos aliarmos a uma única marca, um único produtor de químicos, vamos falar nesse sentido, uma das famílias de negócios, nós decidimos ter uma estratégia própria e diversificada para atender a necessidade do produtor em relação a custo-benefício-lavoura e investimento em determinadas tecnologias”, afirma.

O foco são produtos genéricos pós-patente, onde a importadora é a Fiagril. Por enquanto, a empresa não atua com marca própria no rótulo, mas admite que faz parte de seus planos futuros.

Diego Arruda, diretor de vendas e marketing

Para Diego Arruda, que está há um ano na empresa, uma das prioridades é trabalhar o que eles chamam de “portfolio Fiagril”.

Nele estão não apenas os produtos vindos da China e da Índia, mas itens das principais empresas desenvolvedoras de patentes como a Sumitomo e Adama. No portfolio, 50% é importação própria e 50% são produtos patenteados.

“Eu me juntei à empresa há menos de um ano, vim um pouco da indústria de defensivo, um pouco de agtechs, muito para ajudar nessa parte de posicionamento de marketing e de vendas, acelerar um pouco essa estratégia de solução Fiagril, portfólio, de uma gestão um pouco mais descentralizada para a gente poder buscar acelerar o crescimento, trabalhar um pouco mais a autonomia dos times da ponta, com um pouco mais de processo, investindo um pouco também nas iniciativas digitais”, explicou Arruda.

No digital a principal ferrramenta é um aplicativo, chamado “Confia”. Todos os pedidos, tanto de insumos quanto de grãos, são feitos por ele.

Além disso, foi criada uma área segmentada para atender os grandes produtores, clientes importantes da importação direta.

O CEO da Fiagril, Henrique Mazzardo, está completando 22 anos de empresa e boa parte da sua trajetória foi nas áreas contábil e financeira. Na liderança do time executivo, está desde 2020.

A prioridade para ele, agora, é ajudar a manter o pé no chão e equilibrar a postura conservadora com a rapidez em se adaptar às mudanças de comportamento por parte dos produtores.

“Diferente de outras companhias e desses últimos conglomerados que cresceram muito, especialmente na distribuição dos insumos e também nos grãos, hoje nós temos uma certa liberdade no nosso negócio na gestão executiva da empresa, porque a gente não precisa exportar para a China porque nós temos um acionista chinês ou importar da China a qualquer custo”, ressaltou.

Ele fala que há liberdade financeira para optar pelo que faz sentido para os produtores. Os produtos do portfolio Fiagril são testados em campo, numa parceria com a Fundação Rio Verde.

A companhia tem ainda como foco as regiões marcadas pela migração da pecuária para lavoura, especialmente médios produtores, que querem agregar valor na propriedade.

“Além de a gente conquistar novos clientes já tradicionais do mercado especialmente soja milho e algodão a gente também tem esse viés de apoiar os produtores que decidiram migrar para cultivo de soja e milho nessas regiões”, diz.

Para se diferenciar dos competidores – que são muitos – o segredo, segundo o CEO, é eficiência operacional e a forma de atender o cliente. Pelo aplicativo, por exemplo, agora os produtores conseguem rastrear a entrega dos insumos na propriedade.

A Fiagril também deve buscar reforçar o treinamento do time técnico para “vender mais solução e não apenas commodity”, disse Diego Arruda. A ideia é ofertar produtos mais elaborados, que ofereçam mais rentabilidade.

Sai biodiesel, entra Matopiba

O CEO da Fiagril garantiu que em 2025 - e possivelmente também em 2026 - não há planos para abrir novas unidades para vender insumos e comercializar grãos.

Quando a tempestade passar, porém, o plano já está elaborado. A ideia é chegar em mais três estados que, tudo indica, estarão na região do Matopiba – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Estão previstas mais 14 unidades, sendo 60% nas regiões em que a Fiagril já atua e 40% nas novas fronteiras.

“A gente vai passo a passo, sem alavancar a companhia e buscando colher os resultados”, disse.

Com foco absoluto em grãos e insumos, a Fiagril deixou para trás o destaque que tinha em biodiesel.

Em 2024, foi concluída a venda de sua usina de biodiesel para a Oleoplan, considerada a maior do setor. O valor do negócio não foi divulgado.

Mazzardo diz que antes a ideia era trazer um parceiro estratégico para dar mais eficiência na planta de biodiesel, de olho no futuro dos biocombustíveis, um ponto forte no Brasil.

“Só que o problema é que o parceiro gostou muito do nosso projeto. E fez uma proposta para a aquisição completa. E foi aceita pelo conselho”, contou o executivo.

Não foi a primeira vez que a Fiagril “saiu” da rota dos biocombustíveis. Na época em que ainda era controlada pelos sócios locais, como Marino e Miguel Vaz, chegou a dar os primeiros passos para construir uma usina de etanol de milho.

Foi assim que nasceu uma outra companhia hoje bastante conhecida no agronegócio do País, a FS.

O CEO conta que a própria sigla, hoje denominada “Fueling Sustenability”, era na verdade “Fiagril Summit” porque se tratava da parceria entre a empresa e o fundo americano Summit Agricultural Group, que acabou abraçando o projeto, por ter as condições financeiras necessárias para o alto investimento.

Em 2016, quando os chineses assumiram a Fiagril, ficaram apenas com os projetos que já estavam em operação. Outros negócios que vinham sendo desenvolvidos pelos brasileiros, como o próprio terreno com a terraplanagem para construir a usina de etanol, acabaram sendo separados, na Fiagril Participações, que hoje se chama Tapajós. Foi nesse mesmo ano que surgiu a FS.

Mercado de capitais e RJs

A Fiagril vem utilizando as novas ferramentas de crédito junto ao mercado de capitais desde 2020. Já foram feitas emissões de CRAs – Certificados de Recebíveis do Agronegócio – que integram alguns Fiagros.

“Já fizemos liquidação de um CRA, já estamos mais experimentados e a gente gosta desse modelo. Ele exige ainda mais transparência com os stakeholders. Nosso papel é distribuído no mercado de investidores qualificados e você acaba tendo uma proximidade maior com o time de credito das instituições de investimento que fazem aquisição desses papeis”, conta o CEO.

Mazzardo pondera que a ferramenta agora “está sendo testada” já que “nem todos foram exitosos”, em meio ao que chama de primeiro ciclo de baixa que o mercado de capitais para o agro está enfrentando.

Ainda assim, admite que a empresa poderá fazer novas emissões no segundo semestre deste ano. “Vai depender da demanda”.

“Acreditamos que 2026 já é um ano bom, de volta. Mas é o momento de você filtrar, a gente sabe que vão ficar competidores pelo caminho, vão ficar investidores que não vão voltar para esse segmento, mas vão ficar os aprendizados. As pessoas com mais conhecimento e mais proximidade vão pegar confiança”, avaliou.

O que pesa nessa demanda é a expectativa de que no Plano Safra, os recursos vindos com subsídio do governo sejam cada vez menos relevantes (e escassos) para financiar o produtor, que depende mais da iniciativa privada e do mercado de capitais.

Quanto ao avanço das recuperações judicias entre produtores rurais, o CEO admite que a empresa “não ficou imune ao que está acontecendo”. Porém afirma que foi bem menos afetada, estimando que os casos de RJ representem menos de 1% do faturamento da companhia.

“Estamos tentando mesclar bastante nossa gestão entre o conservadorismo necessário para manter a empresa saudável, mas também aliado as oportunidades de mercado, porque está muito claro a percepção de como o produtor tem modificado o comportamento de compra dele. Aquele que vinha, sentava, fazia pacote completo e só voltava outro ano, não existe mais. Precisamos estar próximo no relacionamento pra participar de todas as cotações dele e ser relevante em tudo que ele precisa”, acrescentou.

Para Diego Arruda, em momentos difíceis como agora, o relacionamento do produtor com a marca Fiagril que tem 38 anos pode fazer a diferença.

“Antes, por 1 real ele mudava posição de compra, agora ele pensa duas vezes. Pode sair caro lá na frente se não receber o que combinou”.