Muita gente passou pelas ruas e estandes da 48ª edição da Expointer, maior feira agropecuária do Rio Grande do Sul e uma das maiores do Brasil, realizada ao longo da semana passada em Esteio (RS) e encerrada no domingo, 7 de setembro.
Mas o público do evento - que foi inclusive recorde neste ano, totalizando 1.010.020 visitantes –, não necessariamente se traduziu em um aumento do volume de venda de máquinas agrícolas, pelo contrário.
As vendas de máquinas e implementos agrícolas na feira recuaram cerca de 50%, passando de R$ 7,4 bilhões no ano passado para R$ 3,7 bilhões neste ano.
Além da queda no setor de máquinas agrícolas, houve redução geral no volume de negócios da Expointer como um todo, que passou de R$ 8,1 bilhões em 2024 para R$ 4,4 bilhões neste ano, queda de cerca de 45%.
Juros altos, endividamento dos produtores gaúchos após quatro anos de quebras consecutivas de safra de soja e o clima de instabilidade após as tarifas de 50% sobre produtos importados do Brasil pelos Estados Unidos, que passaram a ser praticadas no início de agosto pelo governo americano, são fatores que ajudam a explicar a queda nos números, avalia Ana Paula Werlang, diretora-executiva do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no Rio Grande do Sul (Simers), em entrevista ao AgFeed.
"A estiagem trouxe endividamento para o nosso agricultor, além dos juros altos e também do tarifaço que, querendo ou não, traz incerteza e deixa o produtor mais arredio a investir em novas tecnologias", diz Werlang.
As condições de crédito, em especial, estão piores no momento, segundo Werlang, que atenta para o fato de que recursos provenientes do Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota), programa do BNDES, e do Plano Safra como um todo estarem represados, em virtude das dificuldades dos produtores de acessarem crédito no momento. Em agosto, houve queda de 96% nos repasses do Moderfrota, segundo levantamento do Simers.
Além das dificuldades macroeconômicas, Werlang lembra que o refluxo nas vendas reflete também o fato de que, durante a pandemia, os produtores fizeram investimentos robustos em novas máquinas agrícolas, situação que permite agora uma pausa nos aportes em novas tecnologias.
"Como o investimento grande já foi feito anteriormente, o produtor agora está esperando para ver o que acontece com a economia e com os juros altos", avalia a diretora-executiva do Simers.
Apesar da retração, Werlang diz que a queda das vendas não implica necessariamente em uma crise generalizada entre as indústrias de máquinas agrícolas gaúchas, responsáveis por 60% do parque fabril do setor no País.
"O mercado gaúcho corresponde a apenas 10% das vendas das indústrias, que se concentram mais no Centro-Oeste. Não há crise no setor, apesar dessa queda na Expointer", diz Werlang.
Além das máquinas agrícolas, praticamente todos os setores registraram queda. O comércio recuou 66,1% em seus negócios, fechando com R$ 15,8 milhões; a venda de animais teve redução de 18,5%, chegando a R$ 15,4 milhões.
Já o segmento automotivo manteve-se estável, com volume de negócios estimado em R$ 591,8 milhões, similar ao registrado no ano passado. Registraram alta as vendas da agricultura familiar, com incremento de 25,9% na comercialização, que chegou a R$ 13,6 milhões, e de artesanato, com alta de 33,3%, atingindo R$ 2 milhões.
O setor de insumos sequer reportou seus números de negócios à organização da feira. Com a comercialização enfraquecida, houve também ao longo da semana o temor de que não houvesse a divulgação das vendas de máquinas agrícolas, o que acabou não se confirmando.
A não-divulgação de números, fato incomum em feiras como a Expointer, já havia acontecido em março deste ano, quando a organização da Expodireto, feira agrícola organizada pela cooperativa Cotrijal em Não-Me-Toque (RS), não apresentou os dados dos volumes das transações firmadas ao longo do evento.
Na ocasião, a Cotrijal afirmou que não iria mais disponibilizar as informações para “não fazer competição” com outras feiras realizadas no Rio Grande do Sul e pelo fato de algumas pessoas desacreditarem nos números.
A queda nos negócios na Expointer reflete a situação dos produtores gaúchos, que vivem dificuldades após quebras sucessivas de safra nos últimos anos, com perdas que já somam R$ 106 bilhões entre 2020 e 2024, segundo a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul).
As dívidas com vencimento neste ano devem chegar à R$ 27,7 bilhões, um valor expressivo por si só. Mas o montante total de débitos dos agricultores gaúchos, considerando aqueles com vencimento em diferentes anos, é ainda maior, chegando a R$ 72,8 bilhões.
Uma medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última sexta-feira, dia 5 de agosto, pode aliviar, em partes, a situação dos agricultores gaúchos, ainda que a medida seja válida para produtores de todo o Brasil.
Utilizando recursos do Tesouro Nacional, o governo federal vai disponibilizar R$ 12 bilhões em empréstimos a juros mais baixos que a taxa Selic para mitigar os prejuízos dos agricultores.
Os pequenos produtores, enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), terão acesso a até R$ 250 mil de crédito com taxa de juros de 6% ao ano. Já os médios produtores, que se enquadram no Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), poderão pegar até R$ 1,5 milhão, com taxa de juros de até 8% ao ano.
Os demais produtores terão crédito de até R$ 3 milhões, com taxa de até 10% ao ano. Os produtores terão até nove anos para pagar o financiamento, com um ano de carência.
Apesar disso, os produtores gaúchos ainda se queixam que as medidas são insuficientes para conter seus problemas financeiros e pedem a securitização das dívidas ou ainda a utilização de recursos do Fundo Social do Pré-Sal, veículo nutrido com os royalties provenientes da exploração de petróleo e gás natural, para financiar operações de empréstimo a juros baixos para o pagamento dos débitos.
Resumo
- Vendas de máquinas e implementos agrícolas na Expointer caíram 50% neste ano, de R$ 7,4 bilhões em 2024 para R$ 3,7 bilhões em 2025
- Volume geral de negócios da feira também retraiu, apresentando queda de 45,5% em um ano, indo de R$ 8,1 bilhões em 2024 para R$ 4,4 bilhões em 2025
- Situação reflete conjunção de fatores negativos como quebras de safra no RS nos últimos anos juros altos, endividamento dos produtores e tarifaço dos EUA