Agronegócio e Amazônia são duas palavras que, para muitos, são sempre antagônicas. Não na carteira de crédito do Banco da Amazônia (Basa). Na instituição, de um total de R$ 50 bilhões em financiamentos concedidos, 60% (ou R$ 30 bilhões) são voltados para o agro.

O banco opera com diversas linhas, que vão para além do custeio e do investimento, linhas para máquinas, veículos e créditos especiais para energias verdes e populações nativas.

Mas acredita que pode ir além e vislumbra uma oportunidade crescente graças à introdução do DREX, o “real digital” criado recentemente pelo Banco Central.

Assim, para os próximos anos, além da expansão natural da carteira, a empresa vai buscar uma presença robusta na parte do agro após a colheita: nas indústrias e nas exportações, segundo disse ao AgFeed o diretor comercial da instituição, Marivaldo Melo.

De acordo com o executivo, o banco estatal está passando por uma reformulação estratégica e comercial. E deve ampliar sua atuação junto ao agro exportador e a parte de agregação de valor à produção.

“Sempre há uma necessidade de se adequar ao momento atual”, afirma Melo.

“Financiamos os grãos como a soja, mas recentemente começou um movimento muito forte para agregar valor no milho, no DDG, etanol, esse trabalho de industrialização”, diz.

O objetivo do banco é entrar cada vez mais nessa parte da cadeia, com incentivos para agregar valor, algo que segundo ele, está quase sempre ligado à exportação.

“Se pegarmos a indústria do farelo de soja, 80% é exportado, e nós não estamos nessa ‘perna’ da exportação”, diz.

A popularização do DREX pode, segundo Melo, ser peça-chave para esse futuro. “Existe um movimento da própria diplomacia brasileira de fazer transações com a China e Mercosul com um câmbio único, tudo baseado no real”, avalia.

“Vejo um avanço fantástico para facilitar a vida das exportações para os produtores. vamos focar nisso para aproveitar o momento”.

Da borracha à sustentabilidade

Quando o Japão invadiu a Malásia na Segunda Guerra Mundial, o fornecimento global de borracha estremeceu, já que o país invadido era quem garantia o suprimento da matéria-prima às indústrias mundo afora.

Do lado dos Aliados, os Estados Unidos e o Brasil se uniram para criar, em 1942, o Banco de Crédito da Borracha, que depois se tornou Banco da Amazônia. Com uma estrutura societária que envolvia as duas nações, tinha o desafio de revigorar os seringais nativos da região, que haviam perdido espaço justamente pela concorrência dos asiáticos.

Nessa época, o banco financiava os seringalistas e recebia tudo em borracha. E no pós-guerra acabou ficando com sua atuação restrita.

Apenas em 1988, com a promulgação da nova Constituição brasileira, que criou os chamados fundos constitucionais, a instituição banco passou a ter um papel mais amplo, ao se tornar operadora oficial do chamado FNO (Fundo Constitucional de Financiamento do Norte).

Até hoje, esse é o maior recurso de funding do Basa, responsável, segundo Marivaldo Melo, por 70% do financiamento total. Os outros 30% se dividem entre recursos vindos do BNDES, Poupança Rural, LCA e pelo Fundo da Marinha Mercante.

“O banco tem recursos mais baratos para promover uma igualdade regional. O Basa foi decisivo para a criação de uma base de turismo, do agronegócio, da indústria, pequenos negócios e agricultura familiar na região”, comenta.

Hoje, a instituição é a líder na aplicação de microcrédito na região amazônica, à frente até do Banco do Brasil. O banco atende 450 municípios e conta com mais de 600 mil clientes.

E, até por sua natureza estatal, opera com diretrizes muito claras contra práticas não sustentáveis. Segundo Melo, o arcabouço jurídico ambiental criado junto com o código florestal foi fundamental para que a expansão do Basa ocorresse de forma segura, levando crédito para áreas legais.

Apesar disso, os desafios fundiários – particularmente com falsificações de documentos – e socioambientais ainda são enfrentados todos os dias na rotina dos funcionários do banco.

Para reduzir esse risco, a instituição firmou uma parceria há três anos com a startup Terras, que desenvolveu um sistema que permite, a partir de dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural), fazer uma análise sócioambiental das propriedades, atrelada ao CPF dos produtores.

“Hoje se um proprietário tiver qualquer embargo, seja de um metro ou na propriedade toda, ele tem seu CPF automaticamente impedido de tomar qualquer crédito”, afirma o executivo.

“O banco tem um compliance ambiental muito forte. Toda renovação de crédito, como custeio por exemplo, que geralmente dura um ano, passa por esse crivo. É uma condição sine qua non. A gente se cerca desses cuidados”, explica Melo.

Além disso, o Basa atual junto com o Governo Federal para fiscalização de condições de trabalho escravo e análogas à escravidão dentre essas propriedades da região.

“Mesmo com o compliance automatizado, conhecemos bem os clientes, temos um corpo técnico que vai a campo olhar gerentes, engenheiros e fazer avaliação de propriedades, conhecer o sistema produtivo”, explica.

Diversidade

Dentro da carteira de crédito do Basa, estão culturas variadas. Desde o agro mais “tradicional” visto no Tocantins, com soja, milho e pecuária, até culturas locais da Amazônia como o açaí, áreas de reflorestamento e integrações com a floresta compõem o portfólio.

O perfil econômico também é diverso. Como o banco usa recursos do FNO, uma das diretrizes a serem cumpridas na auditoria feita pelo TCU é a de que no mínimo 51% dos recursos destinados sejam para o grupo chamado de “pequenos portes”.

Nessa categoria, que engloba pequenos produtores e agricultura familiar, por exemplo, o banco se voltou para os gargalos da agricultura familiar, segundo explica o executivo. Esse gargalo está principalmente na assistência técnica em estados de mais difícil acesso, como o Acre e Rondônia.

No Pará, estado sede do banco, o Basa tem atuado com iniciativas de açaí, agrofloresta e cacau. No Acre, o banco dá crédito para a Cooperacre, uma cooperativa do estado de operações extrativistas de castanhas, palmito, borracha e outros produtos.

Ali, a soma dos pequenos forma um cliente gigantesco. Segundo Melo, essa cooperativa toma cerca de R$ 10 bilhões por ano com o banco.

Também no Acre, Marivaldo se orgulha ao falar de produtores de café clientes do banco que possuem uma produção de 150 sacas por hectare, algo bem acima da média nacional de 90 sacas. “É um número fantástico”.

Dentro desses públicos, o ticket médio ainda é pequeno, mas quando envolve a parte que não é coberta pelo Pronaf (Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar), o número pode bater os R$ 300 mil.

“No Acre o ticket cai para uns R$ 200 mil, por características regionais. Rondônia, que também fica nessa faixa, tem uma diversificação enorme, com peixe, café, leite e piscicultura. No Tocantins estamos mais na pecuária, soja e milho”, explicou.

É neste estado, onde existe uma maior presença do agro exportador, que o banco acaba de assinar com a Agência Francesa de Desenvolvimento um acordo de cooperação para desenvolver um programa chamado de Pecuária Verde.

O objetivo é incentivar criações sustentáveis de pecuária. “Queremos evoluir para que esses clientes possam negociar CPRs verdes com essas práticas de baixo carbono”.