"Como queria o mercado”, as regras definitivas para os Fiagros estão saindo do forno e devem multiplicar por 10, nos próximos dois anos, o patrimônio líquido destes fundos.
A expectativa é de Bruno Gomes, superintendente de securitização e agronegócio na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O órgão regulador do mercado de capitais no Brasil abriu no último dia 31 de outubro uma consulta pública para validar, no prazo de três meses, a nova regulamentação dos chamados Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustrias, os Fiagros.
"Nosso foco foi trazer o Fiagro genérico, como o mercado queria, que permite a um mesmo fundo comprar diferentes ativos como imóveis, ações, crédito, sempre respeitando, claro, a governança exigida pela CVM para eles", explicou Gomes.
Essa flexibilização foi bem-vista por gestoras e investidores, que agora ampliam as possibilidades de captar interessados para tomar crédito e para aplicar seu dinheiro nos Fiagros.
Em conversa com o AgFeed, o responsável pelo segmento agro da CVM disse que o patrimônio dos Fiagros deve fechar 2023 entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões.
"Isso representa um aumento de 100% em relação ao ano passado, em um momento de taxas de juros elevadas e com outros produtos do mercado de capitais apresentando crescimento de 5%", destacou.
Um avanço ainda mais expressivo, porém, deverá ser visto a partir de meados do ano que vem, já que o período de consulta pública, que considera as sugestões dos gestores e demais interessados, termina em janeiro.
Bruno Gomes disse que ainda no primeiro trimestre deverá ser publicada a regra definitiva do Fiagro e, então, “o mercado vai ganhar tração".
Neste cenário, ele projeta que em 2025 o patrimônio dos Fiagros já alcance 10 vezes mais do que é hoje, chegando em R$ 200 bilhões. "E sabemos que poderá chegar fácil, no futuro, a R$ 1 trilhão, só não sabemos exatamente quando".
O otimismo é compartilhado por agentes de mercado. O diretor de agronegócio da gestora Suno Asset Management, Octaciano Neto, diz que as novas regras "melhoram a comunicação, fica mais claro e fácil explicar o que é o Fiagro para os investidores".
Ele destacou que o que existia antes era uma norma provisória e que passará a ser definitiva, mostrando aos investidores que esse é um mecanismo consolidado. "Isso só deve acelerar a curva de crescimento que já estamos vendo na indústria do Fiagro".
Na minuta publicada pela CVM há outra mudança significativa. Hoje o Fiagro não permite comprar a chamada CPR física, a Cédula de Produto Rural que determina a entrega física do produto agrícola ao credor.
"Agora estamos propondo que isso seja permitido, o que vai possibilitar operar com os estoques de sacas de café, soja e milho, para dentro do Fiagro operar com o preço que ele quiser”, afirmou Gomes.
A principal mudança, no entanto, é “desengessar” os três atuais tipos de Fiagros existentes hoje, que são Fiagro-FIDC (direitos creditórios), Fiagro-FII (imobiliários) e Fiagro-FIP (participações em empresas).
A partir da entrada em vigor da nova regra, todos poderão operar com diferentes ativos, mas há algumas travas, conforme explicou o superintendente da CVM ao AgFeed.
"A régua é um terço. Se o Fiagro for investir mais de um terço em direito creditório, por exemplo, ele tem que seguir a regra do FIDC”, esclareceu Gomes.
Em outro exemplo: se os ativos de um Fiagro estiverem distribuídos igualmente, um terço para cada uma das três classes (imobiliário, crédito, ações), terá que seguir as regras impostas por todos eles.
"Se for abaixo de um terço, aí não precisa seguir estas governanças específicas, é fundo multimercado, mais diversificado, como a gente chama", afirmou.
Mudança no CRA
Ainda este ano poderá haver uma "minirreforma" do CRA, conforme disse Bruno Gomes, da CVM, durante um painel sobre o mercado de capitais no agronegócio realizado na FIA Business School em São Paulo, com participação do Pensa (Centro de Conhecimento em Agronegócio), e liderado pelo ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Ivan Wedekin.
Ao AgFeed, Gomes esclareceu que se trata, na verdade, de um ajuste para atender um pleito das cooperativas agropecuárias.
"Estamos estudando ajustes na norma da companhia securitizadora que emite o CRA. Vamos permitir que as cooperativas também sejam devedoras do CRA. Hoje para que uma cooperativa represente 100% do CRA precisa ter uma demonstração societária auditada, só que na verdade ela segue outra lei, do cooperativismo”, explicou.
Com a mudança, as cooperativas poderão usar suas próprias “DFs regulatórias", demonstrações financeiras que já fazem, de acordo com a lei que regula o setor.
A expectativa da CVM é também facilitar um maior acesso das cooperativas agropecuárias ao financiamento via CRA. “Mas esta decisão ainda não foi avaliada pelo colegiado da CVM”, alertou Bruno Gomes.
O CRA é o principal ativo utilizado para montar o portfolio de crédito dos Fiagros na regulação atual, mas é considerado um mecanismo mais caro, muitas vezes inviável para pequenos e médios produtores, por isso poderá ser substituído com as novas normas.
A expectativa de alguns participantes do painel realizado na FIA é de que o CRA vá perdendo espaço aos poucos.
"A tendência é que o CRA fique para os médios e grandes, como por exemplo as emissões bilionárias que já vimos recentemente por parte de grupos como BTG Pactual e JBS”, afirmou Octaciano Neto.
O diretor da Suno diz que o CRA segue sendo importante e atua de forma complementar à CPR, que tende a atender mais os pequenos.
Para Ivan Wedekin, que coordenou o debate, o importante é que o mercado de capitais segue crescendo em importância no financiamento da agropecuária brasileira.
"Até 31 de outubro o sistema de crédito rural oficial havia liberado R$ 574 bilhões e, no mesmo período, o saldo de títulos como LCAs, CRAs e Fiagros já batia R$ 596 bilhões. Ou seja, ele já está superando o modelo tradicional", destacou Wedekin.
Também participou do debate o diretor de agronegócios do Itaú BBA, Pedro Fernandes. Ele destacou que apenas um terço do que financia o banco hoje no agro está relacionado ao Plano Safra, o restante são linhas e ferramentas mais modernas.
Fernandes disse que o maior uso do mercado de capitais está também relacionado a uma mudança de geração no comando dos negócios, hoje cada vez mais preocupada com governança.