O financiamento privado do agronegócio brasileiro vive um momento de impasse. Isso porque o mercado de capitais vem sofrendo saídas com o nível alto em que a taxa Selic parece apontar, tirando apetite para investimentos.

E isso é preocupante porque é justamente o mercado de capitais que tem preenchido lacunas não atendidas pelos bancos tradicionais e pelo Plano Safra.

Diante desse cenário, as LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) e os CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), duas das principais fontes de financiamento privado do setor, caminham em trilhas distintas em 2025.

Enquanto as LCAs, vinculadas ao crédito bancário, podem ganhar tração pela flexibilidade e acesso direto aos produtores, os CRAs enfrentam o desafio de adaptar suas estruturas para atrair investidores em um ambiente de maior cautela.

Os números de 2024 já dão algum spoiler do que há por vir no ano que vem.

Ao final de novembro, o estoque de CRAs estava em R$ 147 bilhões, uma alta de 16% frente ao visto no intervalo de janeiro a novembro de 2023.

Ao mesmo tempo, as emissões ficaram estáveis nessa comparação, e ao final do penúltimo mês de 2024 estavam em R$ 36,5 bilhões.

“Esse dado mostra que as emissões ficaram iguais as de 2023 e o estoque cresceu porque CRAs anteriores ainda não venceram”, avalia Luiz Cláudio Caffagni, especialista em crédito, gestão de risco, derivativos e seguros no agronegócio.

O especialista ainda vê, de acordo com números da Anbima, que o número de pessoas físicas expostas à CRAs recuou 13% de 2023 para 2024. Esse tipo de investidor alocou, no ano passado, cerca de R$ 20 bilhões desse total de emissões.

Em 2024, as emissões “ligadas à oferta” cresceram 60%. Esse tipo de investimento prevê, por exemplo, que a empresa que está emitindo o CRA compre uma participação na emissão (numa cota subordinada), de forma a dar garantia aos outros investidores.

Avaliando o cenário visto em 2024, Caffagni prevê que a magnitude da taxa de juros e a alta do dólar, que prejudica o agro mais exposto ao mercado interno, faz com que o mercado de capitais estruture operações com taxas mais elevadas ou que emprestem menos dinheiro.

Ainda assim, a necessidade de financiamento pode fazer com que as emissões subam de forma tímida. “Minha tendência é pensar que as emissões de CRAs aumentem um pouco, mas não será aquele estouro”, diz Caffagni.

Diante disso, ele acredita que os produtores “voltaram a procurar bancos”, o que pode fazer com que as emissões de LCAs subam. “Vai ter uma certa briga por recurso bancário, e o mercado de capitais, que ocupa uma parte importante do financiamento, vai dar uma freada”.

Ele acredita que produtores de setores que estão com preços em alta, como café, açúcar e laranja, podem até continuar firmes no mercado de capitais, pois “aguentam pagar uma taxa de juros maior”, mas agricultores focados em grãos podem fazer essa migração para o banco.

As emissões de LCAs em 2024, no acumulado até novembro, ficaram em R$ 288 bilhões. Considerando o ano-safra 2023/2024 – que, segundo Caffagni, é uma métrica mais assertiva já que grande parte dos recursos de LCAs é utilizado para custeio da safra – ficam em R$ 361 bilhões.

Se levarmos em conta a “emissão líquida”, ou seja, a diferença entre o volume emitido e o volume vencido, o indicador, ao final de novembro estava em R$ 6,1 bilhões. Olhando para anos anteriores, existe um “teto”, segundo Caffagni, para essa emissão líquida, que beira os R$ 20 bilhões.

Esse teto foi atingido em agosto de 2022 e maio de 2023. “Os bancos, me parece, têm um limite. Ou seja, chegou num determinado patamar que fica mais difícil crescer a emissão”, acredita Caffagni.

Para Bruce Phillips, head de agro do Banco Fator, os CRAs devem ficar um pouco de lado na medida em que a casa tem cada vez mais apostado em fundos do tipo FIDC para financiar empresas do setor.

“Prospectar CRAs para nós é mais complexo, pois demanda muitas visitas no interior e conversas com revendas. É uma prospecção mais complexa e mais cara”, diz.

Para ele, o nicho de recebíveis consegue acelerar a participação da companhia no setor.

“Sentimos uma grande redução na demanda por CRAs. Acho que chegamos num ponto em que a taxa fica proibitiva e os tomadores de custo procuram outras fontes. Vemos uma concorrência grande com linhas diretas de bancos”, afirmou Phillips.

De acordo com o head de agro da Fator, ao invés de fazer toda a estrutura do mercado de capitais, os bancos conseguem oferecer um recurso direto com taxas mais baratas.

Brunna Viana, head de agro no banco AndBank, acredita que alguns fatores ainda podem ajudar o mercado de CRAs este ano.

Além da isenção de imposto de renda para todo o ganho obtido pelos títulos para pessoas físicas, linhas verdes e de crédito sustentável podem ganhar tração.

“Vejo os CRAs complementando movimentos de fusão e aquisição”, explica, acreditando que quando uma empresa mais consolidada compra uma menor, essa segunda pode passar a ter acesso a novas fontes de financiamento no mercado.

“Produção de bioinsumos e práticas renováveis trazem um diferencial ESG no financiamento, que pode fugir do curto prazo que os bancos tradicionais oferecem”, acrescenta.