Mesmo no cenário de crédito escasso e juros altos, a demanda por recursos por parte do agro não para. Para encher o copo com as poucas gotas que saem da torneira do financiamento, retornos atrativos ou alternativos podem fazer diferença, como por exemplo um selo verde e indicadores de sustentabilidade nas operações financeiras.

Para seguir sustentando o posto de um dos maiores exportadores de café do Brasil e continuar com seus selos sustentáveis, a NKG Stockler, empresa mineira do grupo Neumann Kaffee Gruppe (NKG), fechou uma operação de antecipação de crédito cambial (ACC) com selo sustentável de US$ 21 milhões, cerca de R$ 120 milhões pela cotação atual, junto ao Santander.

Essa é a primeira ACC do banco focada no setor cafeeiro e também atrelada a critérios sustentáveis, segundo explicou Esther Unzueta, head de finanças sustentáveis da instituição.

A antecipação de crédito cambial é uma linha de financiamento que permite às empresas exportadoras receberem, de forma antecipada, os recursos das vendas realizadas ao exterior.

No caso da NKG Stockler, os recursos antecipados estão vinculados a embarques futuros de café para o mercado internacional e que estão atrelados a critérios de sustentabilidade.

A companhia movimentou no ano passado um volume anual superior a 3,5 milhões de sacas, sendo 3 milhões desse total para exportação, onde a demanda por rastreabilidade ganha força.

A transação reforça a tendência do mercado financeiro de operações de financiamento com custo diferenciado e critérios de concessão atrelados à sustentabilidade, avalia Esther Unzueta, do Santander.

A executiva menciona o Plano Safra como exemplo de política que traz cada vez mais esses elementos para ceder crédito rural.

O desafio nesse tipo de operação, segundo ela, ainda está em mostrar com dados, o que é feito na prática nas lavouras. “O arcabouço de dados da operação é algo que poucos clientes têm. No nível de sofisticação da NKG Stockler, que é basicamente clicar e ver, encontramos poucas empresas”, disse Unzueta ao AgFeed.

Coroando uma jornada de sustentabilidade

Com sede em Varginha, a NKG Stockler adota um sistema de monitoramento que a impede de comporar sacas de café provenientes de áreas desmatadas ilegalmente ou de cafeicultores envolvidos com trabalho análogo à escravidão.

O centro da estratégia sustentável está dentro do seu programa próprio, chamado de NKG Verified, que já está operando há cinco safras e hoje conta com mais de 500 produtores e 928 fazendas ao todo.

A base de produtores é variada, abarcando desde agricultores grandes, com 4 mil hectares, até pequenos, com apenas 0,8 hectare.

A agenda de sustentabilidade e rastreabilidade é anterior à criação desse programa. Há quase 10 anos, a NKG que já atuava com protocolos internacionais como o Rainforest Alliance e a 4C, mas decidiu dar um passo além e criar uma iniciativa 100% adaptada à realidade dos cafeicultores brasileiros.

Além dos protocolos, a companhia acumula mais de uma década como gerente do cluster de originação da Nespresso no Cerrado.

A atuação começou na região da Alta Mogiana e, segundo Mario Ferreira, CFO da companhia, foi o primeiro aprendizado da companhia na área da sustentabilidade, o que ajudou a estruturar o programa próprio anos depois.

“Fomos entendendo o que nosso cliente estava buscando, e pouco a pouco agregando pessoas e trabalhando com certificadores certeiros. Identificamos o desconforto que gerava para o produtor e vimos a demanda crescente”, disse.

No NKG Verified, primeiro, a NKG Stockler investiu em pessoas, e depois, em software. Sem entrar em detalhes, Ferreira cita que foram alguns milhões de dólares investidos em 15 anos para chegar até o patamar atual.

“Quando se pensa em Brasil e café brasileiro, a Europa olha para múltiplos contêineres de café, então não nos limitamos aos pequenos. Diferente de concorrentes, não terceirizamos ou exigimos um protocolo, mas fazemos o atendimento em programas próprios junto a ele”, disse Ole Kerbsties.

Mario Ferreira acrescenta que o objetivo inicial é atender o cliente que tem essa demanda importadora, que envolve regulações diversas.

O NKG Verified envolve uma rastreabilidade completa, com transparência desde a lavoura até o container e lacre enviado à regiões como a Europa, com identificações geográficas de origem, e um protocolo de diligência do Serasa.

“O projeto já atende todos os requerimentos regulatórios do EUDR. Todos produtores parceiros do NKG Verified estão em conformidade com a legislação”, acrescenta Ferreira.

Diante disso, o recurso captado junto ao Santander servirá principalmente para financiar a equipe que faz o projeto virar realidade.

Do quadro de 500 funcionários da KGC Stockler, 25 são focados exclusivamente em sustentabilidade. Além do líder da área, Ole Kerbsties, há um gerente, e as 23 pessoas restantes estão espalhadas no campo, ajudando os produtores a entrar em conformidade com o NKG Verified.

“Toda nossa equipe em campo tem carro, laptop, tablet, um equipamento completo que ajuda a fazer auditoria interna já no campo para as certificações que fazemos”, disse Kerbsties.

Esther Unzueta, do Santander, cita que a instituição tem um modelo próprio para dar selos verdes e sociais às operações. “Como um banco europeu, temos um alto nível de compliance”, cita.

No caso da NKG Stockler, ela cita que essa foi a primeira ACC verde e também o primeiro financiamento no setor de café atrelado a práticas sustentáveis, e acredita que o caso pode virar um benchmark para novas captações e para que empresas se adequem aos protocolos exigidos.

“Já fizemos operações com soja certificada, Bonsucro, algodão sustentável, mas independente do setor, a agenda depende da companhia. A NKG Stockler entendeu que essa era uma agenda importante, e se antecipou na agenda de dados, e hoje virou uma oportunidade”, finalizou Unzueta.

O programa de sustentabilidade também ajuda a empresa em outra meta: ter um fornecimento de café direto de fazendas produtoras.

O CFO da empresa, Mario Ferreira, cita que a base total de produtores da NKG Stockler gira em torno de 3 mil produtores.

Segundo ele, o comum no mercado das exportadoras de café é ter uma base de fornecedores dividida em três terços iguais, sendo um de produtores, outro de cooperativas e outro de pequenas empresas locais que compram de produtores familiares.

Na NKG Stockler, o percentual que vem direto de fazendas já é de 50%, ou seja, das mais de 3 milhões de sacas anuais, mais de um milhão já vem de produtores diretos.

A meta é seguir avançando a porcentagem nos próximos anos, incluindo principalmente produtores com práticas sustentáveis dentro do seu projeto de verificação.

O Neumann Kaffee Gruppe, empresa que a NKG Stockler faz parte, possui mais de 50 operações globais, que envolvem fazendas, tradings e processadoras espalhadas por todos os continentes.

No Brasil, além da NKG Stockler, conta com a Fazenda da Lagoa, empresa que cultiva quase 2 mil hectares de café em Santo Antônio do Amparo (MG).

Segundo Ole Kerbsties, o Neumann é o maior grupo de café verde no mundo, com um volume que bateu 13 milhões de sacas movimentadas em 2024.

Resumo

  • Santander realizou sua primeira antecipação de crédito cambial (ACC) verde no setor de café, com US$ 21 milhões para a NKG Stockler, vinculada a critérios de sustentabilidade e rastreabilidade.
  • A NKG Stockler, parte do grupo Neumann Kaffee Gruppe, movimenta mais de 3 milhões de sacas por ano
  • Com mais de 500 produtores e 928 fazendas no seu protocolo próprio de sustentabilidade, a empresa já atende exigências do EUDR