Em um país onde a pecuária se faz por tradição extensiva, alguns grandes projetos têm se destacado e se tornado modelos de operação intensiva. Menos espaço, mais produtividade e destinação das áreas antes usadas para o “passeio” dos bovinos para agricultura têm atraído empresários para o mundo do confinamento.

Nomes de peso como, Marcos Molina, com a MFG, Sérgio Pellizer, da Fazenda Conforto, Victor Campanelli, com o grupo que leva seu sobrenome, e mais recentemente o projeto da Captar Agrobusiness, de Almir Moraes Filho, que envolve um enorme projeto no Oeste da Bahia, são só alguns exemplos mais notórios da excelência de megaconfinamentos.

Mas há uma nova tendência no universo da pecuária de corte. E em nenhum lugar do mundo ela tem a escala alcançada pelo Grupo LPCD, que opera em Tangará da Serra (MT).

Com origens centenárias, a empresa familiar é dona do maior projeto de TIP (Terminação Intensiva a Pasto) do País.

A TIP é uma dessas tecnologias que nasceram no Brasil, se espalharam pelo Centro-Oeste e hoje respondem por milhões de bovinos engordados todos os anos.

Na Fazenda Netolândia, pertencente ao grupo, a TIP virou um projeto de peso global, com 150 mil animais abatidos em 2024 e uma meta clara, revelada ao AgFeed pelo CEO da companhia, Gabriel Carvalho Dias: dobrar de tamanho e alcançar 300 mil animais até 2027.

“Estamos crescendo localmente. Neste ano devemos chegar perto de 200 mil bois, e até 2027, 300 mil. É ali que estamos focados”, disse, em entrevista durante o Fórum Pecuária Brasil, realizado nesta semana em São Paulo.

Segundo o executivo, o faturamento da empresa, que ainda conta com operações de cultivo de soja, milho, algodão, eucalipto e cana-de-açúcar, deve acompanhar o avanço da produção pecuária. Dias prefere não divulgar o montante exato, mas brincou: “quem conhece o mercado pode fazer a conta”.

Segundo ele, 80% da receita vem da operação da pecuária e o restante da lavoura, que até tem uma margem maior, mas é feita em uma escala menor do que a criação e engorda de bovinos.

Assim, a “conta” feita de forma simplificada e conservadora (considerando 200 mil animais terminados, vendidos com média de 15 arrobas a um preço médio de R$ 315 a arroba) levaria um faturamento próximo de R$ 950 milhões com pecuária e mais de R$ 1,1 bilhão no total, incluindo os negócios agrícolas.

O grupo conta com 52 mil hectares de terras próprias em fazendas no Mato Grosso, São Paulo e Mato Grosso do Sul – a operação de TIP se concentra na Fazenda Netolândia, no MT.

O conceito do projeto da Terminação Intensiva a Pasto envolve, na prática, a engorda de animais em áreas pastagens de alta qualidade, complementada com uma dieta rica em rações concentradas.

A ração é fornecida em cochos, que simulam a intensidade do confinamento, mas o sistema conta com a pastagem como recurso principal. A técnica prevê acelerar o ganho de peso e o acabamento da carcaça antes do abate, ao mesmo tempo em que se otimiza o uso dos recursos da propriedade.

Apesar de ser vista como uma alternativa mais econômica ao confinamento tradicional, o CEO do LPCD cita que as margens dos dois métodos são parecidas.

“Tem algumas dificuldades e outras facilidades, como a parte sanitária, porque o índice de mortalidade é menor. Ao mesmo tempo, há um manejo mais complicado por conta do pasto. Eu acho que as margens são similares, mas a escalabilidade, no nosso caso, é mais simples”, cita.

A história do Grupo LPCD começou há 105 anos com o patriarca da família, Lindolpho Pio Carvalho Dias, cujas iniciais dão nome à empresa. Mas foi só algumas gerações depois que o TIP veio à tona.

Gabriel Carvalho Dias conta que a empresa sempre teve as operações de lavoura e pecuária e, percebendo uma propriedade subutilizada em Tangará da Serra, iniciou uma operação tradicional de cria, recria e engorda.

“Fomos fazendo de forma ‘caseira’ e em áreas arenosas com um gado que ‘sobrou’. Levamos para Tangará e começamos a testar o projeto e, medindo os resultados, vimos números muito bons”, disse.

O projeto de TIP iniciou em 2012, inspirado por uma operação do grupo Bom Futuro, de Eraí Maggi Scheffer, e outra do pecuarista Arlindo Vilela. “Fizemos e escalamos o TIP em Tangará da Serra, uma região que chove muito, o que complica o confinamento”.

O CEO relembra que, na época, ouviu uma entrevista em que um dos irmãos Batista – ele não consegue precisar se era Wesley ou Joesley – afirmava que um dos problemas da indústria frigorífica era que não havia uma cadência mensal no recebimento de gado.

“Fez sentido na minha cabeça porque, fornecendo cana para indústrias em São Paulo, notamos que o bom fornecedor era aquele que entregava cana da abertura ao fechamento da usina”.

“Com a TIP conseguimos produzir a mesma quantidade todo mês, ao mesmo tempo em que vimos que os pastos e a terra melhoraram, porque a matéria orgânica aumentava”, acrescentou.

A localização da Netolândia ainda ajudou o projeto. Na região, o CEO conta que existem frigoríficos da JBS, Marfrig e Minerva, parceiros da empresa. Ao mesmo tempo, uma certa distância de polos de escoamento, como a BR-163 que está há cerca de 170 quilômetros da cidade, faz com que os grãos sejam mais baratos na região, o que diminui o custo dos pecuaristas.

Com essa dinâmica, a empresa consegue hoje firmar contratos de longo prazo com as indústrias. “Esse tipo de projeto precisa de um frigorífico parceiro”, afirmou.

Teminar 300 mil bois no sistema TIP exige capital. E foi justamente nessa frente que o grupo buscou se diferenciar, mesclando captações no mercado financeiro, financiamentos verdes e crédito tradicional de bancos.

Em 2022, por exemplo, o LPCD levantou R$ 85 milhões por meio de uma emissão de CRA lastreada em CPRs que teve o Banco ABC Brasil como coordenador líder.

A dívida foi escalonada em duas série,s com vencimentos em 2025 e 2026. A garantia da primeiro tranche envolve os recebíveis da venda de boi para a Marfrig e na segunda, a própria Fazenda Netolândia.

O grupo também acessou, com auxílio do Rabobank, o fundo internacional Agri3, que tem foco em projetos sustentáveis. O site do Agri3 informa que o LPCD captou US$ 5 milhões (algo em torno de R$ 26 milhões pela cotação atual) em 2020.

Segundo a página do fundo, o empréstimo está sendo usado para renovação de pastagens, proteção florestal em uma área de 2,3 mil hectares, reflorestamento e projetos sociais para agricultores e até a construção de uma escola e alojamento para trabalhadores e seus familiares.

“Espera-se que a atividade de intensificação e renovação melhore a capacidade total e a capacidade de criação, com 1,2 mil ha de pastagens de degradação baixa a média renovadas e 53 mil cabeças até 2023, além de uma capacidade de criação melhorada de 4 para 8 cabeças por hectare”, diz o Agri3.

Além do ABC e do Rabobank, o executivo cita que também já captou com o banco BTG Pactual. Ainda assim, o financiamento da pecuária continua sendo um gargalo, segundo Carvalho Dias.

“O boi não vale como garantia para o mercado financeiro. Ele vê o animal como algo que pode sumir, morrer. Já a soja tem CPR, arrenda terra, levanta recurso. Isso dá solidez para o negócio agrícola. Então, nosso crescimento na pecuária está lastreado nessa combinação”, disse o CEO.

A empresa faz questão de mostrar seus indicadores de sustentabilidade. Durante o Fórum, Gabriel apresentou a empresa e citou que, dos 33 mil hectares em terras da empresa no Mato Grosso, apenas 30% são explorados produtivamente. Os 70% restantes estão preservados em vegetação nativa.

“Essa parte de sustentabilidade dentro do TIP é muito boa. Já tentamos monetizar com crédito de carbono, mas o mercado ainda é incipiente. Todo mundo quer o verde, mas poucos querem pagar”, completou o CEO.

Resumo

  • Dono do maior projeto de Terminação Intensiva a Pasto (TIP) do Brasil, Grupo LPCD planeja dobrar sua operação e chegar a 300 mil animais abatidos até 2027
  • A estratégia combina pecuária intensiva, diversificação agrícola e financiamento híbrido, incluindo emissão de CRA e crédito internacional sustentável
  • Sustentabilidade é integrada ao projeto: dos 33 mil hectares da empresa no MT, 70% permanecem preservados

Animais recebem alimentação em cocho coberto na Fazenda Netolândia