Imagine uma chuva de pequenas cápsulas caindo do céu. Não são bombas, nem sementes ao vento, mas sim microflorestas em potencial. Dentro de cada cápsula, uma combinação precisa de nutrientes, microrganismos e sementes nativas espera a primeira chuva para despertar.
A cena parece saída de uma série futurista, mas é real e acontece no Brasil. Por trás dela está a Morfo, uma startup franco-brasileira que promete reinventar a restauração florestal com ciência, tecnologia e drones.
É com essa proposta inusitada que a startup está em busca de R$ 30 milhões junto a investidores e empresas, via crowdfunding, para botar de pé um projeto chamado Desafio Amazônia 500, que envolve o restauro de 500 hectares de florestas em Belém e região metropolitana, aproveitando o fato de que a capital paraense está prestes a receber a COP 30 e, portanto, cheia de visitantes internacionais.
“Queremos mostrar ao mundo que restaurar ecossistemas em escala e com impacto socioeconômico duradouro não é apenas possível, mas também acionável, mensurável e passível de investimento", diz Gregory Maitre, CEO da Morfo, ao AgFeed.
Dos 500 hectares, 400 hectares representam áreas de floresta nativa que foram queimadas na Ilha de Mosqueiro, em Belém, e serão restauradas.
Os 100 hectares restantes vão receber sistemas agroflorestais (SAFs), a serem implantados na Ilha de Mosqueiro, e em dois municípios da região metropolitana de Belém, Santa Bárbara do Pará e Irituia, através de uma parceria com as instituições Bem da Floresta, Instituto Iandê, Cooperativa Agropecuária Mista de Mosqueiro (Coopam) e Ivisam.
A ideia é restaurar a mata e, ao mesmo tempo, garantir renda e segurança alimentar para 75 famílias de pequenos produtores. Essas famílias cultivam alimentos sob o dossel da floresta, com a proteção natural das árvores. “Os agricultores se tornam guardiões da floresta que estão ajudando a restaurar”, avalia Maitre.
O planejamento prevê que o modelo de SAF seja desenhado de forma participativa entre técnicos e agricultores.
Os produtores também vão receber formação e treinamentos ao longo da implantação, mirando não só a aplicação da tecnologia de restauração ambiental e a manutenção da agrofloresta, mas também o planejamento estratégico e comercialização da produção com preço justo.
Se tudo transcorrer como previsto, o cronograma da Morfo indica que, tanto o plantio inicial dos sistemas agroflorestais como a restauração das florestas, se inicie já no ano que vem e transcorra ao longo dos próximos quatro anos.
O projeto deve gerar cerca de 480 toneladas ao ano de frutas como açaí, cacau, banana e cupuaçu, R$ 8,9 milhões de renda para as famílias nos primeiros cinco anos e R$ 90 milhões ao longo de 30 anos.
A Morfo espera que a iniciativa seja capaz também de sequestrar 185 mil toneladas de carbono, o suficiente, segundo Maitre, para compensar todas as emissões de transporte da COP 30.
Para que os visitantes e participantes da conferência do clima da ONU possam visualizar o que será feito nas propriedades, a Morfo vai apresentar uma área experimental de 1 hectare dentro da AgriZone, espaço que será coordenado pela Embrapa Amazônia Central e estará a dois quilômetros de distância do Parque da Cidade, local onde será realizada a COP.
A ideia é mostrar ao público o processo completo de restauração, da coleta de sementes à dispersão com drones. Visitantes poderão montar cápsulas, acompanhar o voo de drones e observar uma área que estava degradada, começou a ser restaurada pela Morfo no início deste ano e já está se transformando em floresta. “Vai ser uma vitrine tecnológica”, resume Maitre. “O que queremos é tirar a restauração do PowerPoint e torná-la algo mais tangível.”
Criada em 2021 pelos irmãos Pascal e Hugo Asselin e por Adrien Pages, a empresa passou seus dois primeiros anos desenvolvendo uma metodologia baseada em ciência, com foco em entender, com dados, o que cada área degradada precisa para restauração. Antes de chegar ao Brasil, fez projetos em países como Gabão e Guiana Francesa.
Drones captam imagens em alta resolução, e algoritmos de inteligência artificial analisam o relevo, o solo e a umidade. O resultado é um plano sob medida para cada hectare.
Mas o verdadeiro salto veio com as cápsulas biológicas desenvolvidas pela startup, estruturas orgânicas que protegem as sementes até que as condições ideais apareçam.
“Quando a primeira chuva chega, a cápsula se dissolve e libera tudo o que a planta precisa para se desenvolver em um estágio precoce”, explica Maitre.
Essas cápsulas são lançadas por drones de grande porte, capazes de carregar 40 quilos de sementes e cobrir até 50 hectares por dia, produtividade até 100 vezes maior que o plantio manual. “O plantio manual de mudas fica na faixa de meio hectare por pessoa por dia. Há um salto de produtividade muito grande”, compara Maitre.
Como as sementes são inseridas de forma milimétrica na terra, o resultado é uma taxa de viabilidade de 80%, contra menos de 20% na semeadura tradicional, estima a Morfo.
O monitoramento das áreas é contínuo, feito com imagens de satélite e drones, que produzem mapas e relatórios com mais de 40 indicadores, como erosão, cobertura vegetal e captura de carbono.
Hoje, a startup contabiliza 24 projetos no Brasil em biomas como Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado, totalizando 1,5 mil recuperados.
Mas a pretensão é maior: chegar a 1 milhão de hectares em dez anos, meta que Maitre considera factível. “Nossa metodologia é de escala e permite realmente imaginar uma dimensão muito maior dentro da restauração”, analisa o executivo.
Até aqui, a Morfo tem feito projetos de restauração para empresas de mineração, indústrias de celulose e companhias de transmissão energéticas, que precisam adotar iniciativas do tipo para compensar seus impactos ambientais.
Mas a ideia é também trabalhar no mercado de carbono, algo que ainda não saiu do papel porque as áreas que a startup tem trabalho até o momento são pequenas.
“Quando você fala de carbono, são necessários, no mínimo, 3 mil hectares para poder rentabilizar esses projetos”, explica Maitre. Por isso, a ideia da Morfo é trabalhar, daqui em diante, com projetos entre 3 mil a 10 mil hectares.
Para dar cabo a este projeto, a startup também deve abrir uma nova rodada de investimentos até o fim do ano que vem. Maitre prefere ainda não cravar um valor, mas diz que o aporte deve ser mais alto.
“A gente está atacando projetos de carbono que tem uma magnitude muito maior, a tendência é que o valor seja bem maior do que as primeiras rodadas que ocorreram”, afirma.
Em duas rodadas do tipo seed, uma no fim de 2022 e outra em junho do ano passado, a startup conseguiu R$ 64 milhões com investidores estrangeiros.
Na rodada inicial, a startup captou 4 milhões de euros liderada pelo Demeter, investidor europeu dedicado à transição energética e ecológica, e pela RAISE Ventures, apoiadora de startups inovadoras de nível internacional.
O financiamento contou também com AFI Ventures, e TeamPact Ventures, fundada pelo ex-jogador de rúgbi Benjamin Kayser e com a participação dos campeões olímpicos Nikola Karabatic e Antoine Brizard, além de Nicolas Béraud, Jean-Gabriel Levon, cofundador da Ynsect, Caroline Lair e Graffi Rathamohan, que foram investidores-anjo.
Na extensão da rodada seed, em 2024, o valor total foi de R$ 23 milhões, capitaneado pelo fundo de capital de risco Teampact Ventures, que dispôs de recursos do craque do rugby Antoine Dupont e do ex-jogador de futebol Raphaël Varane, campeão mundial com a França em 2018.
Os dois atletas buscavam, especificamente, investir em projetos que lutam contra a mudança climática e restauram a biodiversidade.