Às vésperas da COP 30, conferência do clima que será realizada em novembro em Belém (PA) pela ONU, populações de diferentes partes do mundo já concordam que o crescimento econômico depende do cuidado com o meio ambiente – relações que, no passado, eram tidas como conflitantes. Mas nem todos os povos querem pagar a conta da sustentabilidade.

É o que mostra o relatório Societal Shift 2025, elaborado pela consultoria internacional GlobeScan, e obtido com exclusividade pelo AgFeed, que ouviu 31,9 mil pessoas em 33 mercados diferentes para entender como as pressões financeiras, o cansaço emocional e as diferenças regionais estão moldando o engajamento público com o tema ambiental.

Ao redor do mundo, 85% dos entrevistados afirmam que o crescimento econômico depende de um meio ambiente saudável e metade acredita que o ideal seria equilibrar as prioridades entre economia e sustentabilidade.

“A pesquisa mostra um majoritário apoio a políticas ambientais para que os países sejam, em inglês, sejam environmentally friendly, ou seja, ambientalmente amigáveis, que tenham políticas favoráveis ao meio ambiente. Isso é majoritário no mundo todo”, avalia Álvaro Almeida, diretor da GlobeScan no Brasil e consultor de sustentabilidade.

“E uma parcela muito pequena, eu acho que essa é a mudança, fala que a economia deveria ser prioridade em detrimento do meio ambiente”, complementa.

Ainda assim, o levantamento traz um paradoxo: embora a maioria absoluta da população mundial defenda a proteção ambiental, poucos estão dispostos a arcar pessoalmente para viabilizá-la.

Ainda assim, apenas 27% dizem estar dispostos a fazer “grandes sacrifícios” pela transição ambiental, número que não passa de 10% em alguns países como Alemanha (9%), Hong Kong (8%), Coreia do Sul (7%) e Japão (3%).

“Com isso, podemos chegar à conclusão que nem todo mundo está disposto a arcar com esse custo ou sente que não é capaz ou sente que já faz”, resume Almeida.

Em contrapartida, 48% indicam que estão dispostas a fazer “algum” sacrifício. Em países em desenvolvimento, essa disposição cresce: 55% dos entrevistados no Quênia, 47% na Índia e 46% no Egito se dizem prontos para abrir mão de conforto ou renda em nome de um futuro sustentável.

Regionalmente, o estudo revela uma divisão nítida entre o Norte e o Sul globais. Nos países da América Latina, África e Ásia, prevalece um sentimento de urgência e otimismo em relação à transição verde.

Já nas economias desenvolvidas, do Norte global, o que predomina é o ceticismo, a fadiga e uma sensação de saturação climática, especialmente entre os europeus e norte-americanos.

Para Almeida, da GlobeScan, esse dado chama a atenção porque, historicamente, havia a percepção, nos países do Sul global, de que sustentabilidade era um assunto restrito às economias mais desenvolvidas.

“Se pensava que sustentabilidade era coisa de europeu. Só que hoje há uma há uma fadiga do Norte, entre a Europa e a América do Norte, em relação aos temas ambientais. Talvez uma certa desilusão, cansaço mental, um certo estresse, muito porque as coisas não andaram”, afirma.

“Essa disposição pelo sacrifício está muito mais presente nos países menos desenvolvidos do que nos mais desenvolvidos, ou seja, mais presente no Sul do que no Norte”.

Um outro motivo, segundo Almeida, que explica a maior adesão à temática na América Latina, Ásia e África é o fato de os continentes terem populações com maior dependência direta dos recursos naturais.

“Seja por conta da agricultura, seja por conta de várias outras atividades que estão ligadas aos recursos naturais, as pessoas têm mais dependência, inclusive econômica, e portanto sentem mais a necessidade dessa simbiose. É como se pensassem: ‘Eu preciso de um meio ambiente bom para que as coisas aconteçam e eu tenho disposição em me sacrificar um pouco mais em relação a isso’”.

A pesquisa indica ainda que a população mundial deposita grande expectativa nos governos e nas empresas para liderar a resposta à crise climática.

Cerca de 60% dos entrevistados apontam o governo como o principal responsável pela ação climática, seguido de organizações internacionais como a ONU (49%) e empresas (48%). Em contrapartida, indivíduos, ONGs (organizações não governamentais) e agricultores são vistos como secundários como agentes centrais de mudança.

“O que a gente percebe é que as pessoas julgam que já fazem o que é possível para elas. Elas esperam que governos e empresas façam a sua parte, seja por meio de regulação, seja por meio de inovação, transformação nos seus processos produtivos”, diz Álvaro Almeida.

COP 30

A pesquisa também mensurou as expectativas em relação à COP 30, conferência do clima da ONU que será realizada em novembro em Belém (PA).

A maioria dos entrevistados acredita que seus países devem assumir posição de liderança durante o evento, estimulando metas climáticas ambiciosas. No Brasil, país-sede da conferência, esse número chega a 63%, o segundo percentual mais alto entre todos os 33 mercados analisados, superado apenas pelo Quênia (65%).

Mas a adesão não é restrita ao Brasil, lembra Álvaro Almeida. Há uma grande quantidade de nações em que 50% ou mais dos respondentes acredita que o seu país deve assumir papel de protagonismo na conferência.

“Inclusive, o que mais me surpreendeu nesse caso, foi os Estados Unidos, que chegaram a 54%”, afirma o diretor da GlobeScan.

“E esse apoio global à COP está justamente conectado com a ideia de que governos e empresas são os principais responsáveis pela ação climática. A COP é o palco, é o momento das empresas e dos governos mostrarem a que vieram.”

Contudo, apesar dessa expectativa, as populações acreditam que o progresso das políticas ambientais ainda é limitado.

As áreas em que mais se reconhecem avanços são educação ambiental e reflorestamento, enquanto medidas estruturais, como regulação da agricultura, incentivo à reciclagem ou restrições a combustíveis fósseis, são vistas como lentas ou insuficientes.

Ainda nesse sentido, o levantamento também analisa as emoções associadas às notícias ambientais. A emoção mais citada é a esperança (43%), seguida de medo e ansiedade (35%), otimismo (30%) e tristeza (24%).

O tipo de sentimento varia de acordo com a região: na África e no Oriente Médio predominam a fé e o empoderamento, enquanto na Europa e na América do Norte o clima emocional é mais negativo, dominado por preocupação e desesperança.

“A intensidade que se falou dos problemas ambientais no Norte, de alguma maneira cansou as pessoas, porque as mudanças não aconteceram”, diz Almeida.

A consultoria também destaca no estudo que mensagens que conectam a sustentabilidade a temas concretos, como saúde, bem-estar e economia doméstica, são as que mais mobilizam o público.

Campanhas que enfatizam benefícios tangíveis como economia de energia, melhoria da qualidade do ar e segurança alimentar têm maior alcance do que narrativas de apelo puramente moral ou alarmista.

Recomendações

Ao fim do levantamento, a GlobeScan propõe um conjunto de ações para governos, empresas e comunicadores que desejam fortalecer o apoio à transição climática e à economia verde.

O documento enfatiza que as estratégias devem ser culturalmente enraizadas e emocionalmente inteligentes, refletindo valores e experiências locais em vez de narrativas universais, conectando sustentabilidade à saúde, à acessibilidade econômica e ao cotidiano.

Outra recomendação envolve substituir o discurso de crise por uma narrativa de oportunidade, destacando ganhos em bem-estar, resiliência comunitária e prosperidade, sobretudo nos países desenvolvidos.

A GlobeScan recomenda também segmentar a comunicação por cada região e geração, reconhecer diferenças emocionais e evitar apelos abstratos ou moralistas, trabalhando com alinhamento entre progresso ambiental e estabilidade econômica, ao invés de exigir sacrifícios individuais sem contrapartidas institucionais.

O relatório também sugere diferenciar abordagens regionais. Nos países do Sul global, onde há mais otimismo e disposição para agir, a ênfase deve estar em apoiar ações ousadas, enquanto que no Norte global, é preciso combater o ceticismo e reconstruir a confiança nessa temática, com políticas tangíveis e resultados mensuráveis.

Resumo

  • Pesquisa da GlobeScan com 32 mil pessoas em 33 países mostra que maioria reconhece que economia depende de um meio ambiente saudável.
  • Entretanto, só 27% estão dispostos a fazer grandes sacrifícios pela sustentabilidade, com maior engajamento no Sul global
  • Estudo recomenda que governos e empresas liderem a transição verde e adotem narrativas de oportunidade, não de crise