Não é novidade nenhuma dizer que o agronegócio é um dos principais motores do PIB do Brasil. Um estudo produzido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), com apoio do Instituto Equilíbrio e da Agni, indica, contudo, que o processo de tornar o setor mais “verde” e ambientalmente sustentável pode fazer com que essa parcela ganhe ainda mais peso sobre o indicador que mede o estado da economia brasileira.
De acordo com as estimativas do levantamento, batizado de “Potencial Econômico das Práticas Sustentáveis na Agricultura e Pecuária”, o aumento da adoção de quatro tecnologias agrícolas e pecuárias de baixa emissão de carbono – biocombustíveis, bioinsumos, sistema de plantio direto e terminação intensiva de gado –, pode gerar, isoladamente, um impacto potencial de até R$ 94,8 bilhões por ano no PIB brasileiro até 2030.
O estudo considera um PIB de referência de mais de R$ 10 trilhões. Para se ter uma ideia, em 2024, o PIB nominal totalizou cerca de R$ 11,7 trilhões.
Além do impacto macroeconômico, a pesquisa concluiu que a adoção em larga escala pode criar mais de 700 mil ocupações diretas até o fim da década.
Guilherme Bastos, coordenador do Centro de Bioeconomia da FGV, disse ao AgFeed que as políticas de crédito e financiamento serão decisivas para escalar as tecnologias.
“Se o custo for igual, o produtor adota naturalmente, entra na operação do dia a dia. Mas se for mais elevado, é preciso financiar esse ‘delta’, seja com uma taxa de juros menor ou, eventualmente, com uma subvenção direta, como acontece nos Estados Unidos quando se quer promover determinada prática”, afirmou.
A análise buscou calcular o impacto de cada uma dessas tecnologias, sem sobrepor os efeitos. Só a cadeia de biocombustíveis pode gerar R$ 71,4 bilhões ao ano.
Na sequência, o mercado de bioinsumos pode trazer outros R$ 15,2 bilhões. São ainda R$ 4,7 bilhões com a ampliação do plantio direto e R$ 3,5 bilhões com a intensificação da pecuária.
“O estudo mostra que uma única tecnologia, como os bioinsumos, pode adicionar até 0,13% ao PIB por ano. Em um país que cresce a 2%, isso é mais de 6% do crescimento total vindo só de uma prática de baixo carbono”, explicou Cícero Lima, pesquisador da FGV Agro e um dos responsáveis pelo estudo.
Nos biocombustíveis, principal componente desse potencial, o estudo considerou uma expansão de 70% do setor.
Para atingir os números projetados, o setor teria que ofertar 63,9 bilhões de litros até 2030, sendo 31,7 bilhões de litros de etanol de cana, 14,3 bilhões de litros de etanol de milho, 17 bilhões de litros de biodiesel e quase 1 bilhão de litros de etanol de segunda geração (E2G).
De acordo com o estudo, essa expansão impulsionaria diversas cadeias econômicas relacionadas: +8,1% no setor de transportes, +6,4% na indústria de transformação, +3,5% na agropecuária e +1,2% na agroindústria.
“A bioenergia tem um efeito multiplicador evidente. Ela movimenta cadeias industriais, substitui parte dos combustíveis fósseis e ainda gera renda no campo. É um vetor econômico de múltiplos benefícios”, avalia Guilherme Bastos.
Em relação aos bioinsumos, o estudo considera uma aplicação prevista desses produtos em 13 milhões de hectares até o fim da década, e calcula ganhos de produtividade de até 3,4% na soja e 1,4% na cana-de-açúcar.
“Isso permite produzir mais sem expandir a fronteira agrícola, reduzindo a pressão por abertura de novas áreas e contribuindo indiretamente para a proteção de biomas como o Cerrado e a Amazônia”, afirma a pesquisa.
No cenário projetado, a produção de soja deve alcançar 197,3 milhões de toneladas em cinco anos, um avanço de 51 milhões de toneladas em relação ao cenário atual.
No entanto, o estudo alerta que, nesse cenário de expansão, o balanço líquido de emissões da cultura da soja tende a subir 9,2 MtCO2e (milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente), devido à intensificação produtiva e ao crescimento da área cultivada.
Em resposta, o plantio direto entra como oportunidade. A área total com plantio direto deve crescer de 10,8 milhões de hectares para 34,1 milhões de hectares no mesmo intervalo, segundo o estudo.
Essa expansão pode reduzir, segundo a FGV, até 7,4 milhões de toneladas de CO2 equivalente entre 2025 e 2030, graças à maior fixação de carbono no solo. “O plantio direto melhora a qualidade do solo, reduz emissões e ainda contribui para ganhos produtivos importantes”, disse Cícero Lima.
No caso da pecuária, a expansão da terminação intensiva, sistema que faz o abate ser antecipado devido a um ganho de peso precoce, tem potencial de passar de 8 milhões de cabeças de gado para 13,5 milhões em cinco anos.
Essa mudança contribuiria, segundo o estudo, para uma redução de 19,3 MtCO2 e nas emissões da pecuária bovina, associada ao menor tempo de permanência dos animais no sistema. “A intensificação da pecuária reduz emissões sem reduzir produção, e torna o sistema mais eficiente, mais rentável e mais sustentável”, reforçou Lima.
Para colocar até 2030 mais cinco milhões de animais em confinamento ou terminação intensiva, Lima calcula que sejam necessários cerca de R$ 7 bilhões, isso só considerando suplementação animal e sem contar o “investimento para benfeitorias”, disse.
Segundo os responsáveis pelo estudo, essas tecnologias já estão sendo usadas por produtores de forma orgânica, ilustrando que alguns já perceberam o retorno econômico de adotar práticas sustentáveis.
O levantamento dialoga diretamente com as metas do Plano ABC+, que é a principal política pública brasileira voltada à mitigação das emissões no campo. Até 2030, o programa prevê reduzir até 1,07 gigatonelada de CO2 equivalente, por meio da adoção em larga escala de práticas sustentáveis.
O plano envolve, além das quatro temáticas destacadas pelo estudo da FGV, o uso de sistemas irrigados, aumento no manejo de resíduos animais, terminações intensivas, florestas plantadas e recuperação de pastagens degradadas.
O principal item do estudo da FGV, os biocombustíveis, poderiam evitar 27,6 milhões de toneladas de CO2 equivalentes até 2030 se o avanço projetado acontecesse. “O desafio agora é escalar essa adoção com políticas públicas estruturadas e instrumentos de financiamento adequados”, afirma Guilherme Bastos, da FGV.
Com o estudo em mãos, Eduardo Bastos, CEO do Instituto Equilíbrio, afirma que os próximos passos incluem levar os insights para Brasília.
“Queremos apresentar o estudo a ministérios e para a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), mas principalmente ao Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) para ajudar na formulação de políticas públicas”, disse.
A ideia é sensibilizar o governo federal sobre a necessidade de ampliar o financiamento. Ele cita como exemplo o programa Caminho Verde, focado na recuperação de hectares degradados e coordenado pelo Mapa, que já levantou cerca de R$ 30 bilhões. “O número original era R$ 300 bilhões, e só conseguimos por enquanto 10% disso”.
O evento do ano, a COP 30, que será realizada nas próximas semanas em Belém, também está na agenda. Por lá, Eduardo Bastos cita que a ideia é levar a história sobre uma ótica de impacto duplo: climático e financeiro. “É dinheiro no bolso do produtor, é um faturamento maior e mais arrecadação”, concluiu Eduardo Bastos.
Resumo
- Estudo da FGV projeta criação de 700 mil empregos e redução de emissões com ganhos de produtividade e eficiência no campo
- Adoção de biocombustíveis, bioinsumos, plantio direto e terminação intensiva pode elevar o PIB em até R$ 94,8 bi/ano até 2030
- Avanço depende de crédito e políticas públicas; proposta será levada a Brasília e à COP 30 para ampliar incentivos sustentáveis