“Eu me empolgo demais com essas coisas”, disse Sebastian Popik, CEO do Aqua Capital, logo no início da conversa com o AgFeed. E essas coisas, no caso, não são números ou resultados financeiros, mas a estratégia e os retornos que podem ser classificados nas linhas de ESG dos investimentos da firma de private equity que ele comanda.
Popik estava especialmente entusiasmado ao fim da primeira semana de agosto. Na manhã da quinta-feira, 8 de agosto, ao fazer sua leitura matinal da edição digital do Financial Times, ele foi surpreendido pela inclusão do Aqua no ranking dos 100+ investidores globais de impacto realizado pela The Global Impact Investing Network (GIIN) e publicado pelo jornal britânico.
Trata-se de um grupo seleto, que tem sob sua gestão mais de US$ 140 bilhões, e que foi selecionado a partir da análise de dados de impactos socioambientais mensuráveis, coletados pela GIIN junto a mais de 305 casas de investimento de todo o mundo.
Entre as empresas listadas, há apenas mais uma com sede no Brasil e somente cinco que, como o Aqua, tem foco em investimentos em companhias do agro ou das cadeias de alimentos.
“Há uma expressão em inglês que diz ‘it’s an overnight 10-year success’. É quando, de repente, você é reconhecido por uma coisa que estava fazendo há muitos anos”, diz ele a respeito da presença do Aqua no ranking.
“Há vários anos a gente tomou uma decisão de que a parte de sustentabilidade seria uma competência muito central para nós”, diz. O reconhecimento, agora, premia esse compromisso, afirma.
Popik volta alguns anos no tempo para explicar como os conceitos ESG foram sendo incorporados às decisões de investimento e de gestão feitos pelo Aqua e pelas empresas que controla – com 46 investimentos feitos e mais de US$ 1 bilhão em ativos sob gestão, seus fundos são majoritários em companhias como a rede de varejo de insumos AgroGalaxy e a fabricante de biológicos Solubio, entre outras no Brasil e fora do País.
“Há 15, 20 anos atrás, francamente, a sustentabilidade não era uma coisa que eu fazia, mas é uma agenda que apareceu e que hoje pe indispensável”, conta.
Há cerca de 15 anos, porém, a entrada do grupo alemão DEG para o rol de investidores do Aqua virou definitivamente essa chave na gestora. “Eles nos falaram o quanto isso era importante, que queriam ser os padrões de investimento ESG. E dissemos que para nós isso também era muito importante”.
Com o apoio do DEG, que ainda hoje mantém recursos nos fundos I e II do Aqua, começou a ser estruturado o programa de ESG da empresa. A ideia, segundo Popik, era ir além dos conceitos básicos de compliance, que muitos outros vinham adotando.
“O ponto mais relevante era o auferimento, chegar ao ponto de medir o que é que se está fazendo. E a informação ajuda, porque se você começa a ver, por exemplo, variáveis ambientais de um jeito, é natural que tenha propensão a agir”.
A ideia de mensurar os impactos passou a permear todas as áreas das empresas investidas, das ambientais à diversidade racial e de gênero. Assim, por exemplo, há oito anos, o Aqua foi qualificado pela primeira vez no Women 2x Challenge, que verifica a participação feminina nos diferentes níveis de gestão nas empresas.
“Ainda estamos medindo isso e temos gaps que a gente quer alcançar. Sem cotas, mas trabalhando proativamente para qualificar mais. Isso foi o início, compliance e auferimento”.
Um segundo momento relevante, segundo Popik, veio com a pandemia. O efeito da Covid sobre as pessoas gerou um novo senso de propósito e uma maior percepção sobre questões relacionadas à qualidade de vida e ao bem-estar social.
Paralelamente a ela, o agronegócio vivia uma aceleração dos processos de adoção de tecnologia, inclusive de forma a mitigar seus impactos nas mudanças climáticas.
“Foram duas forças paralelas”, avalia. “Começamos a falar de forma mais aberta sobre as mudanças climáticas e as pessoas começaram a dizer que um quarto das emissões vem do agro, 70% da água natural é para produção de alimentos...”
Popik afirma que, neste momento, as questões foram ficando mais claras, tornando-se uma espécie de “agenda pessoal” dele.
“Aí você começa a pensar: ‘puxa, isso vai mudar o agro, vai mudar a produção de alimentos’”.
No lado do private equity, o fundo começa a observar, de forma mais intensa, o surgimento de muitas startups com foco em assuntos como rastreabilidade e redução de emissões. Ainda em estágios muito iniciais para o Aqua, mas já suficientes para que entrassem no radar de seus gestores.
Assim, em 2022, na formulação do Fundo III – que este ano anunciu seu fechamento, com mais de US$ 450 milhões captados –, o Aqua fez um mapeamento muito grande de sustentabilidade e mudanças climáticas a incluiu os temas nas suas teses de investimento.
“O core business de um fundo é devolver investimentos, dar retornos a seus investidores sem surpresas. Esse é o nosso trabalho, o nosso cliente é o investidor. Mas será que tem um ganha-ganha? Será que a gente pode ficar acordado uma hora a mais por dia e procurar essa intersecção entre lucro e algo a mais, que nesse caso são o planeta e as pessoas?”, questiona.
Tudo sempre auferido e auditado por terceiros, ressalta. Com esse objetivo, em 2022 o Aqua aderiu ao Operating Principles for Impact Management (Opin), que estabelece uma série de princípios para a atuação sustentável na área de investimentos.
E então seus fundos passaram por uma auditoria inédita, nessa área, por uma das Big Four. “Eu estava superpreocupado, antes que viesse a auditoria, de a gente ter algum buraco, ou coisas que estivéssemos medindo mal, mas pensei: ‘tudo bem, vamos aprender e remediar’. Isso foi um grande passo”, conta.
Popik, então, faz questão de exibir uma tela de suas apresentações em que resume, de forma gráfica, como foi desenhada, a partir desse momento, a estratégia de sustentabilidade do Aqua.
A imagem mostra uma espécie de círculo virtuoso, com as diretrizes da gestora para essa área se intercomunicando.
“A gente criou uma abordagem de sustentabilidade que, para mim, é cativante”, anima-se ainda mais. E então detalha:
“O primeiro ponto é que você vai focar em investir em modelos de negócios que fazem o bem. O que é fazer o bem? Por exemplo, reduzir o uso de antibióticos na produção de proteína animal ou o uso de insumos não renováveis, porque tem uma pegada de carbono muito grande”.
E segue:
“Aumentar a produtividade agrícola, ou seja, água e terra iguais geram mais produção por unidade. Aumentar ingredientes e alimentos de qualidade, nutricionais e naturais. Então, isso para nós é ‘do good’ e sempre ‘do no harm’.”
“O segundo ponto é world class ESG. Assim, primeiro você tem isso de gerir e monitorar as questões ambientais, sociais e de governança. O Opin é um ótimo exemplo. O Women to X Challenge é outro exemplo. Ser auditado, ser uma B Corp são outros exemplos. “Quando um terceiro está dizendo, é verdade”. Isto é muito bom para nós, porque um comprador estratégico, que geralmente é quem vai pagar um preço maior, requer isto para qualificar a empresa”.
A apresentação do framework chega então a um ponto que merece destaque especial de Popik.
“Eu acho que o pulo do gato é nosso programa de eficiência meio ambiental. E isso eu gostaria que o universo inteiro fizesse. Nós temos um time que trabalha com consultorias que mapeiam projetos de eficiência de redução de uso energético ou substituição por energia renovável, de redução de uso de água e de redução de emissões com payback positivo”.
Em outras palavras, enquanto os chamados fundo de impacto podem sugerir ao investidor abrir mão de parte da sua rentabilidade em troca de um impacto positivo para a sociedade ou o meio ambiente, Popik afirma que as decisões de investimento do Aqua devem sempre considerar esses impactos sem que seja necessário trocá-lo por rentabilidade.
Como a ordem é mensurar e auditar, Popik tem um número a mostrar: 2% do Ebitda (lucro antes de impostos, taxas e amortizações) obtido em 2023 em todos os negócios do portfólio do Aqua provém da implementação de ações sustentáveis como aumento de eficiência energética ou de redução de uso de água, por exemplo.
Assim, diz, com o fechamento de projetos implementados em 2022 foi contabilizada uma economia de pouco mais do que R$ 10 milhões.
“A taxa de retorno de corte é alta, porque nós não somos um fundo de impacto. E aí você também faz a mudança cultural, porque, para o management, não é mais compliance. Ele está vendo coisas como 26% de retorno ao mudar os compressores do ar-condicionado para um mais novo que é muito mais eficiente, ou usar a água que tem proteína da produção de queijo para concentrar a proteína e reaproveitar para insumo. Então, às vezes, não é uma ciência de foguete, mas traz retorno. Isso é muito legal”.
O quadro ainda mostra mais um item no entorno do círculo: o impacto positivo direto, com agendas sociais como a criação de empregos em zonas rurais, e as inclusões racial e de gênero.
Popik acredita que reconhecimentos como o obtido agora, ao ser incluído na lista do Financial Times, trazem benefícios em várias frentes. No front interno, por exemplo, ele vê uma motivação maior das pessoas em se manter engajado nesse modelo.
“O segundo é que as nossas empresas se qualificam para processos de saída mais exigentes. E quando você vê o nosso track record de vendas, foram todos negócios com multinacionais de primeiro nível, várias listadas em bolsa, com requerimento alto. Claramente, essa agenda de ESG impacto é um diferenciador, é um qualificador”, afirma.
E para o investidor, há a compreensão de que dá para ganhar dinheiro e gerar impacto positivo simultaneamente, sem ter de fazer escolhas, afirma Popik. “A gente não faz isso por publicidade, mas essa vez a gente fez um pouco de barulho e ficamos muito orgulhosos”.