Na véspera do feriado de Páscoa, a movimentação foi intensa na sede da gestora Aqua Capital, em um moderno edifício da Avenida Cidade Jardim, em São Paulo. O dia foi de fechamento de operações envolvendo o Fundo III, que concentra investimentos em negócios voltados para a tese da agricultura regenerativa.

Uma delas foi divulgada publicamente pelo Aqua: a conclusão da captação do fundo, fechado com um total de US$ 450 milhões (cerca de R$ 2,25 bilhões). Outra operação foi finalizada quase em simultâneo, mas de forma discreta: com um aporte de R$ 100 milhões, o fundo ampliou sua participação no capital social da empresa de biológicos Solubio.

Com o movimento, o Aqua passou de minoritário relevante a controlador da companhia fundada por Alber Guedes no município de Jataí, em Goias. Avança, assim, uma casa em um processo iniciado há menos de dois anos, quando o fundo fez o primeiro investimento empresa.

“A lógica do aporte majoritário já estava no nosso horizonte”, afirma Tomas Romero, sócio do Aqua, ao AgFeed. “No momento que finalizamos o ano passado, a empresa e os fundadores entenderam que uma havia combinação de fatores que apontava nesse sentido, com o agro inteiro vivendo um ciclo de mais cuidado e de reajuste de expectativas”.

A operação concluída agora traz como principal componente uma injeção de capital feita em sua grande maioria pelo Aqua, mas com a participação também de outro sócio, um produtor rural que foi também um dos primeiros clientes da Solubio – o nome não foi revelado.

“Houve também um pequeno componente de transação secundária, focada em limpar a base acionária de alguns dos founders que não estavam mais na gestão da emrpesa”, diz Romero.

A nova estrutura de capital da Solubio fica, assim, mais enxuta, com Guedes se mantendo como o segundo maior acionista e o produtor-investidor, que já tinha participação e agora aumentou, como o terceiro.

Alguns dos fundadores com participações pequenas, mas que se mantêm na empresa, também permanecem como sócios. “Cabeça de dono no time é fundamental”, explica.

Alber Guedes também continua na empresa, deixando o papel de CEO para ocupar a presidência do Conselho. Ele mesmo indicou para o comando da empresa a executiva Sheilla Albuquerque, com longa relação com o Aqua.

Com passagens importantes por empresas do setor de insumos agrícolas, até meados do ano passado Sheilla foi a CEO do AgroGalaxy, grupo de distribuição controlado pelo Aqua. Em junho de 2023, licenciou-se da função para tratar-se de um quadro de burnout.

O convite de Guedes, apoiado pelo Aqua, apressou o seu retorno ao dia-a-dia da gestão de uma empresa. “Eu me sentia mais fortalecida, mas ainda não pensava em voltar”, conta Sheilla ao AgFeed.

“Aceitei porque a Solubio é uma empresa com um propósito em que eu acredito, capaz de ajudar na transformação do agronegócio e liderar um movimento de disseminação da agricultura regenerativa”.

Modelo Aqua de expansão

Sheilla assume a Solubio com um plano de negócios ousado. “Somos uma empresa de crescimento acelerado, que vai crescer ao menos 30% ao ano. Em anos bons do agro, podemos ir muito mais rápido”, diz ela.

Seu objetivo é levar a companhia, em cinco anos, a uma receita de R$ 1 bilhão. No ano passado, o faturamento ficou em R$ 206 milhões.

A CEO já vinha trabalhando em silêncio na elaboração de ajustes na equipe, com mudanças pontuais e na busca de reforços em algumas posições estratégicas. A mais relevante delas é a chegada ao time de Carlos Landerdahl para ocupar o posto de vice-presidente Comercial e de Marketing.

Com passagens em empresas como a Syngenta, nos últimos cinco anos ele atuou como CMO na Ubyfol, empresa mineira com foco em fertilizantes especiais.

“Ele chega para entrar jogando, nem tem tempo para o aquecimento”, brinca Sheilla. Segundo a CEO, o Aqua entende que o modelo de negócios da Solubio, baseado em uma tecnologia de produção de insumos em biofábrifas instaladas nas fazendas dos clientes (on farm) já se confirmou. O desafio, agora, é escalar

“Já estamos em 400 fazendas e queremos conquistar um número maior de clientes”, afirma. Além disso, a Solubio deve incrementar os negócios com produtos de prateleira, que serão distribuídos através de revendas. “É um outro modelo de acesso para participar de mercado como um todo”, diz.

“São produtos que têm mais longevidade embalada. E seremos a primeira empresa a fazer a venda de microalgas vivas, que atuam como estimuladoras de crescimento para plantas”, antecipa ela.

Mas, sobretudo, serão oferecidos diretamente aos clientes, ampliando o conceito de “plataforma de negócios voltados à agricultura regenerativa”, que passa a ser o discurso da empresa a partir de agora.

Sheilla Albuquerque, CEO da Solubio

“A ideia, com a minha chegada, é trazer esse sistema Aqua para a gestão e estruturar o crescimento. As mudanças serão muito pontuais, como está sendo feito em todas as empresas, nada que comprometa a estrutura necessária para crescimento no longo prazo.

“O agro tem essa curva de altos e baixos. O Aqua, como é um fundo que está só no agro, entende muito bem essa volatilidade”.

De acordo com Romero, com o novo aporte, a estrutura de capital da Solubio fica mais fortalecida. “O movimento fortalece o balanço, faz com que a estrutura de dívidas fique mais equacionada e garante colchão de liquidez para momento mais volátil do agro”, diz.

O sócio do Aqua entende que o atual momento do setor ainda deixa “muitas interrogações no ar”. Mas está confiante que a Solubio já possui hoje, “a partir de nosso modelo para escalar empresas”, condições de encarar uma maratona de crescimento.

“Temos experiência para isso, mas funciona muito bem quando se tem o controle. Quando minoritário, você é um passageiro que sugere. E pode ser que se tome ou não as ações que você deseja. Quando é majoritário, é você quem define o caminho a seguir”.

A permanência dos atuais sócios, porém, é também parte do modelo. “Trabalhamos muito bem juntos”, diz, referindo-se à convivência com Alber Guedes.

“A Solubio foi pioneira em on farm e vimos isso quando mapeamos o setor, em 2022. Fizemos o investimento minoritário, que não é nosso modelo tradicional na Aqua, apostando no plano dos fundadores para 2022 e 2023. As condições do agro no ano passado e o atual levaram todos os sócios a pensar em uma nova estrutura de parceria para o longo prazo”.

Para Romero, o cenário apresenta três grandes alavancas de crescimento para a Solubio. A primeira é a expansão do modelo atual, de biofábricas, dentro da atual base de clientes. Segundo ele, os produtores, quando fecham um contrato com a empresa, começam com a utilização de seus produtos em cerca de 15% a 20% da fazenda. Uma vez com o modelo aprovado, há espaço para ampliação.

Sede da Solubio, em Jataí (GO)

A segunda área área de expansão seria levar mais produtos da plataforma para esses mesmos clientes – aí entram os insuos de prateleira, produzidos nas unidades da Solubio e oferecidos para complementar a produção on farm.

A terceira frente é, claro, buscar mais clientes para essa plataforma da empresa. Isso passa por desenvolver novas tecnologias que reduzam custos e tempo de implantação das biofábricas nas propriedades rurais dos clientes.

“Começamos com grandes produtores, mas estamos avançando e a ideia de que a tecnologia possa ser mais democrática, para que feche a conta também para produtores menores”, diz ele.

A construção das biofábricas nas fazendas é feita pela própria Solubio, com estrutura e equipamentos instalados em regime de comodato, sem que o cliente tenha de fazer o investimento.

“É um investimento inteligente para nós, porque é um incentivo ao produtor para uma parceria de longo prazo conosco”, afirma Romero. Ao mesmo tempo, trata-se de um dos gargalos para a expansão do setor, justamente por exigir disponibilidade de capital das empresas que oferecem esse serviço.

Romero admite que esse é um desafio para os próximos anos, mas também aí vê uma das vantagens de a empresa estar agora sob controle do Aqua.

Segundo ele, para 2024, nessa área, “a empresa já tem um plano muito claro de como fazer”. E, no futuro, a Solubio deve ampliar seu trabalho junto ao mercado de capitais em busca de fontes de financiamento.

“Podemos incluir até a emissão de green bonds, através do propósito que estamos trazendo, além de parcertias com associações e entidades em programas de agricultura regenerativa”, diz.

““A gente entende que tem uma abundância de capital com esse perfil e que precisa se estruturar para puxar para nós”, completa Sheilla.

Bons resultados com biológicos

O Aqua Capital tem um bom histórico em suas investidas pelo universo dos biológicos. A primeira empresa do segmento adquirida pela gestora foi a Fertilaqua, produtora de bioestimulantes, vendida em outubro de 2020 para a israelense ICL por US$ 120 milhões.

No ano passado, o Aqua negociou outra de suas investidas no segmento, a Biotrop, com o grupo belga Biobest, recebendo R$ 2,8 bilhões. “Essa transação provou, de forma muito clara, que esse mercado está mesmo no olho dos estratégicos”, diz Romero. “O mundo precisa dos biológicos. Não tem cenário em que a agricultura vai evoluir sem os biológicos”.

Com o Fundo III, o Aqua leva essa tese um passo adiante, formando um ecossistema de empresas complementares. Além da Solubio, a empresa usou os recursos do fundo para a aquisição, em setembro passado, da Exata Brasil, rede de laboratórios de análise de solo.

“Não por acaso, são os principais alavancas pilares da agricultura regenerativa”, afirma Romero. “Isso mostra como a gente está ocupando essa espaço e enxergando as oportunidades no Brasil”.

A ideia é que essas empresas, embora independentes, tirem proveito se sinergias e até compartilhem clientes em projetos específicos. Os executivos das companhias “trocam figurinhas” sobre possíveis contribuições mútuas.

“Muito de nossa proposta de valor é procurar que as diferentes plataformas em que a gente investe se tornem partes de um ecossistema de líderes muito fluído”, diz Romero. “Elas encontram as vantagens de um grande grupo com a flexibilidade e dinamismo de uma empresa isolada menor”.

“Fomentamos projetos específicos de colaboração entre as empresas, mas feito com altíssimos níveis de governanças, pois temos sócios diferentes em cada empresas, que precisam estar confortáveis”.