A decisão do governo dos Estados Unidos de impor tarifas de 50% sobre todos os produtos brasileiros, anunciada em 9 de julho, inaugura um novo ciclo de tensão comercial com efeitos imediatos sobre o agronegócio nacional.

Setores como carne, soja, café, frutas e etanol, fortemente integrados ao mercado norte-americano, não apenas absorverão os impactos econômicos diretos da medida, mas também enfrentarão um ambiente de crescente pressão regulatória, reputacional e institucional.

Em resposta, o governo brasileiro estuda contramedidas pautadas na reciprocidade, como restrições tarifárias específicas, suspensão de concessões unilaterais e redirecionamento de fluxos comerciais para mercados alternativos.

Mais do que uma disputa bilateral, o episódio marca um ponto de inflexão para a governança do agronegócio brasileiro. Em um cenário de instrumentalização política do comércio e fragmentação do multilateralismo, cresce a expectativa internacional por transparência, rastreabilidade e integridade nas cadeias de valor.

As empresas do setor precisarão responder com agilidade e sofisticação, adotando estratégias de compliance mais integradas, controles reforçados sobre sua rede de fornecedores e alinhamento efetivo com compromissos ESG reconhecidos globalmente.

A experiência internacional mostra que barreiras tarifárias unilaterais tendem a provocar distorções operacionais que comprometem a integridade dos fluxos comerciais.

Não é incomum, nesses contextos, o aumento de práticas como triangulação por países intermediários, emissão fraudulenta de certificados de origem, reclassificação fiscal ou manipulação de preços de transferência.

Inclusive nos Estados Unidos, autoridades como o U.S. Department of Commerce e a Customs and Border Protection têm intensificado a aplicação de sanções por anti-circumvention, ou seja, contra tentativas de evasão indireta de tarifas por meio de estruturas artificiais ou rotas alternativas.

Companhias brasileiras que operam com parceiros em zonas francas ou trading companies sem critérios robustos de compliance aduaneiro podem se ver envolvidas em investigações complexas, com impactos financeiros e reputacionais severos.

A vulnerabilidade se intensifica quando há elos frágeis na cadeia produtiva, como fornecedores indiretos, intermediários sem rastreabilidade ou atuação em regiões críticas do ponto de vista socioambiental.

A ausência de sistemas robustos de diligência, verificação documental e mapeamento de beneficiários finais pode não apenas comprometer certificações internacionais, como também acarretar exclusão de plataformas de exportação e restrições ao acesso a financiamento climático e linhas de crédito ESG.

Paralelamente, as medidas de retaliação avaliadas pelo governo brasileiro devem ser conduzidas com equilíbrio e previsibilidade. Respostas impulsivas ou descoladas de critérios técnicos podem afetar a percepção internacional sobre a capacidade institucional do país de gerir sua política comercial com transparência e responsabilidade.

Nesse processo, é essencial envolver o setor privado de forma estruturada, assegurando que as decisões adotadas levem em conta os impactos sistêmicos sobre cadeias de exportação, certificações e contratos internacionais.

O agronegócio, enquanto principal motor das exportações brasileiras, precisará demonstrar não apenas resiliência logística, mas também convergência regulatória com os compromissos assumidos pelo Brasil em fóruns como a OCDE, a OMC e o Acordo de Paris.

Isso implica, na prática, políticas empresariais consistentes com governança fundiária, prevenção ao desmatamento ilegal, respeito aos direitos de comunidades tradicionais e rastreabilidade socioambiental de suas operações.

Em um cenário de instabilidade tarifária e realinhamento geopolítico, o ESG deixa de ser diferencial reputacional e passa a ser condição de acesso a mercados regulados, financiamentos internacionais e cadeias de fornecimento globais.

Leis extraterritoriais, como a Diretiva Europeia de Devida Diligência em Sustentabilidade e os novos acordos ambientais vinculados ao comércio portuário europeu ampliam a responsabilização das empresas pela conduta de seus fornecedores e reforçam a exigência por sistemas de compliance com foco preventivo, e não apenas reativo.

Destaca-se, em especial, o papel estratégico do setor privado, especialmente os grandes grupos do agronegócio, não apenas como ator econômico, mas como agente de estabilidade regulatória e diplomática.

Naturalmente, companhias do agronegócio que já investem em sistemas integrados de integridade, cláusulas ESG contratuais, auditorias de cadeia produtiva e estruturação de dados confiáveis estarão mais bem posicionadas para enfrentar o novo ambiente.

Além disso, quanto mais as lideranças empresariais contribuírem ativamente para a definição técnica das contramedidas brasileiras, participar do diálogo institucional com autoridades (como MRE e MDIC), mais eficazes serão as próprias contramedidas.

A capacidade de articular respostas consistentes e documentadas neste cenário é determinante não apenas para mitigar impactos imediatos, mas para consolidar a posição do Brasil como fornecedor confiável e competitivo em um mercado internacional cada vez mais fragmentado e exigente.

Mais que um episódio isolado de guerra comercial, a imposição tarifária norte-americana e a reação brasileira que se avizinha são um verdadeiro teste institucional para a governança do agronegócio brasileiro.

Trata-se, na verdade, de mais um chamado à maturidade regulatória, à articulação técnico-política e à construção de cadeias produtivas mais íntegras, rastreáveis e ambientalmente responsáveis.

O futuro competitivo do setor estará menos na proteção tarifária e mais na capacidade de demonstrar, com evidências auditáveis, que o Brasil exporta com integridade, e não apenas com escala.

Juliana Maia Daniel é sócia do Berardo Lilla Becker Segala Daniel Advogados.