Não se trata de um ou dois casos isolados: 140 milhões de pintinhos machos por ano são descartados pela indústria de ovos no Brasil. É isso mesmo. Nesse mercado, os pintinhos são triturados ao nascer por não botarem ovos como as pintainhas – que são as fêmeas – e também não terem carne suficiente a ponto de servirem para abate. Já as pintainhas continuam vivas para produzirem ovos.

A paulista Raiar Orgânicos, uma das maiores produtoras de ovos orgânicos do Brasil, quer mudar essa história. E, para isso, fechou um acordo com uma empresa alemã, a AAT, que criou uma tecnologia chamada Cheggy – (sim, leitor, o trocadilho com a palavra em inglês ‘check’ é proposital) – capaz de escanear ovo a ovo e identificar o sexo de cada embrião antes que o ovo ecloda, processo de identificação conhecido como sexagem in-ovo.

Hoje o processo de separação é feito de forma manual e há a necessidade de esperar o nascimento para identificação e posterior descarte dos animais.

Com a máquina da AAT, o processo muda. O equipamento funciona com uma espécie de scanner nos ovos, com um feixe de luz sobre cada ovo no 13º dia de incubação.

Em apenas cinco segundos, com a ajuda de algoritmos, a máquina identifica espectros de luz que indicam diferenças na coloração das penas entre embriões machos e fêmeas.

"Pintinhos são mais branquinhos e pintainhas são mais vermelhinhas. A máquina consegue dizer: 'essa aqui está com um tom mais marronzinho, vai ser uma pintainha'. Aí separamos o ovo. E também consegue dizer 'essa aqui está com tom mais branquinho, vai ser pintinho'”, diz Marcus Menoita, cofundador e CEO da Raiar.

“Estamos usando um processo não-invasivo. Não tocamos o interior do ovo. A nossa tecnologia utiliza uma câmera hiperspectral, com várias fotos, para detectar se é macho ou fêmea”, complementa o diretor-geral da AAT, o alemão Jörg Hurlin.

Depois que a classificação é feita, os ovos dos pintinhos são descartados antes que os animais nasçam, sendo destinados como proteína para a produção de rações, compostagem, entre outros produtos. Já os ovos das pintainhas voltam para o processo de incubação e, posteriormente, eclodem.

O equipamento, que já começou a ser utilizado ao longo deste mês em um incubatório da Hy-Line do Brasil, que presta serviços à Raiar, tem capacidade de identificar 6 mil ovos por hora. Os primeiros ovos já analisados devem chegar ao consumidor em dezembro deste ano.

Jörg Hurlin, diretor-geral da AAT, explica que a empresa pertence ao grupo alemão EW, especializado em genética, foi criada há dez anos.

Em 2019, a AAT lançou a tecnologia Cheggy, que já possui 12 unidades rodando na Europa, com mais de 230 milhões de ovos analisados e, mais recentemente, chegou aos Estados Unidos, com análises rodando em duas máquinas nos estados do Texas e de Iowa.

A AAT possui ainda outros tipos de máquina, uma semi-automatizada com capacidade de checar 25 mil ovos por hora, e a outra, totalmente automática, é capaz de verificar 45 mil ovos por hora. A Raiar não utilizará esses equipamentos, pelo menos nesse primeiro momento.

“A nossa máquina é manual e requer mais pessoas do que a gente gostaria. Mas é a escala que a gente podia trazer, era o que era possível. Vamos começar e dar tempo ao tempo para as coisas melhorarem, as novas tecnologias chegarem. Por enquanto, essa máquina nos atende muito bem”, diz Menoita.

A aproximação entre Raiar e AAT começou na edição do ano passado do Salão Internacional de Proteína Animal (Siaves), evento que reúne os principais nomes do setor em São Paulo, e culminou na parceria anunciada na segunda-feira, dia 28 de julho, em São Paulo.

As empresas não revelam o investimento feito. A Raiar se limita a dizer que investiu R$ 180 milhões em infraestrutura e tecnologia desde que surgiu, mas não informa quanto foi aportado no último ano.

A partir de números informados por Menoita, no entanto, é possível fazer algumas contas. Ele diz que a sexagem traz um custo adicional de 1,5 euro a 2 euros por cada pintainha (cerca de R$ 10 a R$ 13, no câmbio atual). Como a Raiar hoje tem um plantel de 400 mil aves, o custo de fazer a análise de todos esses animais poderia superar os R$ 4 milhões.

Ainda assim, Menoita garante que o aumento do custo não será repassado ao consumidor final. "Não temos a menor pretensão de repassar isso", diz. “Se você pegar 2 euros e dividir por 440 ovos, que é a vida útil de uma ave, isso dá 0,002 centavos de euro por ovo na vida útil dela. Então, do nosso ponto de vista, não é necessário você acrescentar isso no preço”, estima o CEO da Raiar.

Como a legislação brasileira não proíbe que os aviários façam o descarte de pintinhos machos vivos, a iniciativa da Raiar é voluntária. A empresa diz, inclusive, que é a primeira do Hemisfério Sul a adotar a tecnologia da empresa AAT.

Mas, ao redor do mundo, outros países vêm se movimentando para coibir a prática. É o caso da Alemanha, que foi a primeira nação a proibir o descarte de pintinhos machos vivos de todas as linhagens de galinhas poedeiras, em 2022, seguida por França, que proibiu descarte de ovos de aves marrons, e Itália.

No Brasil, apesar da prática não ser proibida, o interesse do consumidor nesse tipo de prática vem crescendo.

De acordo com a empresa, com base em um estudo da Innovate Animal Ag, 76% dos consumidores estão dispostos a pagar mais por um ovo sexado, 73% se sentem desconfortáveis com a destinação de pintinhos machos, 72% dos consumidores brasileiros concordam que a indústria de ovos deveria adotar a sexagem de ovos e 47% dizem ter muito interesse em comprar ovos produzidos com sexagem in ovo.

“Acho que o mundo está caminhando para um consumidor que pergunta: que produto é esse que eu estou consumindo? E que empresa é essa que está produzindo? Estamos aqui para dar transparência e tudo o mais. É mais ou menos assim que a gente acredita e é isso o que nos move”, sintetiza Menoita.

Ele avalia também que a adoção da tecnologia de sexagem reforça a política da Raiar de adotar práticas de bem-estar animal, característica que marca os negócios da empresa desde que foi criada em 2021, ao apostar na produção de galinhas livres de gaiolas e alimentadas com grãos orgânicos.

"Bem-estar animal é a essência e a alma do nosso negócio. Tudo que a gente faz é mirando o bem-estar animal", resume Menoita.

Entre algumas iniciativas adotadas pela empresa, estão o método jump start, que veio da Holanda, e consiste em uma espécie de "playground" no qual as galinhas se movimentam, o que ajuda na longevidade das aves, fortalecendo sua musculatura, além de contribuir também para uma maior produção de ovos.

A empresa também foi pioneira no país em inserir um carimbo nas cascas de seus ovos com o nome da marca e a validade a partir do dia da postura, e não da data de embalagem.

Com o investimento na sexagem in-ovo, a Raiar é a primeira de seu segmento a implementar a tecnologia e cumprir um compromisso firmado em 2023 com a ONG Animal Equality, focada em diminuir maus-tratos com animais, e que previa o fim da prática de descarte de pintinhos no processo produtivo.

Além da Raiar, a Mantiqueira, maior produtora de ovos do Brasil, se comprometeu, em 2022, a comprar pintainhas apenas de incubatórios que não realizarem o descarte dos pintinhos machos, ao assinar acordo com a ONG Animal Equality, bem como a Korin Alimentos, outra empresa do setor de ovos orgânicos, que também concordou em não adquirir mais pintainhas de incubatórios que descartam os machos.

Produção em alta

A produção da Raiar tem crescido nos últimos anos, apesar dos questionamentos iniciais que existiam no mercado sobre a viabilidade da produção de ovos orgânicos, como a escassez de grãos orgânicos para a alimentação das aves, a inexistência de um sistema de manejo adequado e o fato de o mercado consumidor possivelmente ainda se concentrar em um nicho. "Para todos esses desafios que existiam no setor, a gente seguia adiante para superá-los", diz Menoita.

De grão em grão, a empresa vem conseguindo fazer sua produção crescer a cada ano e, agora, projeta encerrar o ano com uma produção de 6 milhões de ovos orgânicos por mês – o dobro do volume que começou o ano.

"A Raiar vem crescendo, crescendo, crescendo. Em janeiro, começamos o ano com 3 milhões de ovos por mês. Em dezembro, serão 6 milhões", afirma o CEO.

A quantidade do plantel de aves também deve encerrar o ano com um crescimento considerável, segundo Menoita. "Há três ou quatro anos, tinhamos 20 mil aves. Vamos terminar este ano com 400 mil aves. E a nossa meta é ter 2 milhões de aves orgânicas.”

O faturamento acompanha o crescimento do aumento do volume de produção e deve dobrar neste ano, passando de cerca de R$ 45 milhões no fim de 2024 para uma cifra entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões ao término de 2025, estima Menoita, a depender dos resultados do segundo semestre.

Em abril passado, a Raiar completou três anos nas gôndolas do mercado nacional, com presença em supermercados do eixo Rio-São Paulo como Hortifruti, Natural da Terra e Mambo, entre outros.

A empresa conta com um suporte financeiro de um grupo de 60 investidores, com nomes como Pelerson Penido Dalla Vecchia, presidente do Grupo Roncador, Ciro Echersortu, ex-CEO da Dreyfus, Fábio Barbosa, Chairman da Natura&Co, entre outros. Só no ano passado, a Raiar conseguiu captar R$ 50 milhões em equity para expandir sua granja, localizada em Avaré (SP).

O curioso é que a empresa foi criada por três executivos - Menoita, Luís Barbieri, ex-diretor da Louis Dreyfus Company, e Leandro Almeida, um ex-executivo da trading - que não tinham qualquer experiência no setor de ovos, mas traziam, em comum, uma sensação de inconformismo com o sistema de produção de alimentos. Essa característica continua no DNA da empresa até aqui, segundo Menoita:

“A Raiar é uma empresa que nasceu inquieta. E um dos nossos mantras sempre que, quando todo mundo pôs um ponto final, encerrando algumas questões, a gente colocou uma vírgula. Seguimos assim.”

Resumo

  • A Raiar Orgânicos fechou parceria com a alemã AAT para utilizar tecnologia que identifica o sexo dos embriões de pintinhos ainda nos ovos, evitando o descarte de machos após o nascimento
  • A máquina Cheggy, que escaneia até 6 mil ovos por hora, começou a operar em incubatório parceiro da Raiar
  • Com produção em crescimento e previsão de dobrar o número de ovos até o fim do ano, a Raiar pode atingir faturamento de R$ 100 milhões em 2025

Marcus Menoita, CEO da Raiar Orgânicos

A máquina Cheggy, da AAT, em operação