A mistura de biodiesel ao óleo diesel comum não avançou em março, conforme esperava o setor. O País seguiu no B14 e um dos argumentos do governo na época foi a preocupação com o efeito nos preços e na inflação, especialmente do óleo de soja, que estava mais caro até dezembro.
Nesse cenário, o mercado ficou de olho no que aconteceria com as empresas, que vêm aumentando investimentos em esmagadoras e poderiam ter que lidar com uma “sobra” de biodiesel.
Se depender dos dados divulgados nesta segunda-feira pela Abiove, que representa as indústrias de óleos vegetais, não foi o que aconteceu.
A produção de biodiesel aumentou 8,2% no primeiro trimestre e 10,1% no mês de março de 2025, na comparação com o ano anterior.
Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o diretor de economia e assuntos regulatórios da Abiove, Daniel Furlan, lembrou que segundo os dados semanais da ANP, o preço do biodiesel, de dezembro de 2024 até agora, já caiu cerca de 15%.
De janeiro a abril deste ano, segundo a Abiove, o preço do óleo de soja de cozinha também teria caído 5,7%.
“É uma indústria que entrega mais e a custos mais baixos. Aquilo que a gente enxergava como um espaço que já havia para se ter o B15, os 15% (de mistura de biodiesel), agora, para nós, está ainda mais clara a oportunidade que há para o B15”, afirmou Furlan.
Apesar dos números positivos, o setor continua em compasso de espera. Uma possível alteração na mistura só pode ser determinada pelo CNPE – Conselho Nacional de Política Energética – que só tem reunião ordinária em dezembro.
Antes disso, o setor espera conseguir marcar reuniões com os ministérios envolvidos para que a promessa da lei “Combustível do Futuro”, de aumentar gradualmente o uso de produtos como etanol e biodiesel, siga sendo cumprida.
Em tese, seria necessário marcar uma reunião extraordinária do CNPE, um fato extremamente comum, toda vez que há a intenção dos envolvidos em aprovar alguma mudança, mas por enquanto não nenhuma sinalização nesse sentido.
“É isso que está nos deixando com muita apreensão, porque nós temos uma super safra, temos oferta abundante de óleo, temos uma necessidade de descarbonizar a economia.
Para nós seria muito importante ter essa clareza, porque as indústrias querem produzir mais, querem contratar mais pessoas”, ressaltou.
Quando se considera o processamento de soja como um todo, a previsão da Abiove foi mantida em relação ao mês passado, projetando para o ano de 2025, 57,5 milhões de toneladas, acima dos 55,8 milhões de toneladas de 2024.
“É um aumento só do acumulado de janeiro a março. Ainda não gerou para a gente aqui um gatilho para revisar. Mas se manter esse ritmo de crescimento, em algum momento do ano, a gente pode revisar”, disse Furlan, admitindo que o processamento de soja no Brasil poderá ser revisto para cima.
Um dos fatores que ajudou as indústrias a não registrar recuo na produção foi o aumento do consumo de óleo diesel como um todo no Brasil. A safra recorde de grãos na temporada 2024/2025 aumenta a demanda por transporte rodoviário. O crescimento significativo na safra de milho, por exemplo, é mais um elemento nesta conta.
Segundo a Abiove, o Brasil teve um crescimento de 1,9% no consumo de diesel no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Portanto, mesmo com o percentual mantido em 14%, houve mais demanda por biodiesel.
Se o B15 tivesse entrado em vigor, a entidade calcula que haveria uma demanda adicional por 650 milhões de litros de biodiesel, com a necessidade de 700 mil toneladas de óleo de soja.
A Abiove manteve praticamente inalterada a estimativa para a produção de soja na safra 24/25, indicando 169,7 milhões de toneladas, alta de 0,1% em relação ao mês anterior.
Os estoques finais subiram de 5,4 milhões de toneladas para 5,8 milhões de toneladas na estimativa divulgada hoje, avanço de 7,4%.
No mês passado a Abiove fez mudanças mais significativas em função dos efeitos do tarifaço de Donald Trump sobre o mercado da soja. Com mais exportações para a China, à medida que ficou ainda mais caro para o país asiático comprar dos EUA, a entidade acabou reduzindo estoques e aumentando a projeção de exportações.
Desta vez foi diferente. Houve uma leve redução na previsão do volume exportado, agora estimado em 108,2 milhões de toneladas, ante 108,5 milhões de toneladas no mês passado. É um volume recorde e muito superior ao ano passado, quando o Brasil exportou 98,8 milhões de toneladas de soja.
Daniel Furlan diz a leve mudança reflete “apenas ajustes” e que não há “nada ainda estrutural” em relação às exportações.
“Acho que o momento ainda é de observar, estamos vendo ainda discussões internacionais, negociações de grande impacto acontecendo entre os Estados Unidos e China, temos visto já uma boa melhoria disso, com as tensões baixando um pouco”, avaliou.
Perguntado se a “janela de oportunidade” para exportar mais soja aos chineses, substituindo os EUA, teria acabado, ele diz que ainda “não está claro”.
“É um estoque final que ainda traz conforto para o Brasil, mas não teria também espaço pra fazer grandes alterações (nas exportações)”, admitiu.
Daniel Furlan disse que a queda recente nos prêmios não chegou a mudar a situação desafiadora das tradings que operam com margens bem mais apertadas, como destacou recentemente a Abiove.
“É um cenário internacional turbulento, por isso que se a gente conseguisse trazer mais tranquilidade no mercado interno, com o biodiesel, ajudaria muito”, reforçou.
Sobre os efeitos da gripe aviária, no mercado de farelo de soja, a Abiove preferiu não se manifestar por enquanto. O setor de aves para corte e produção de ovos consome 11 milhões de toneladas de farelo. Com a interdição de granjas e fechamentos temporários de alguns mercados de exportação, é possível que preços do produto possam ter tendência de queda, mas entidade diz que ainda não vai se posicionar.
Resumo
- Produção de biodiesel aumentou e preços do produto caíram 15% de dezembro até agora
- Preços do óleo de soja recuaram mais de 5% no acumulado até abril e podem favorecer cenário favorável ao B15, segundo Abiove
- Estimativa para a safra de soja 2024/2025 ficou praticamente estável, em 169,7 milhões de toneladas. Volume exportado deve chegar a 108,2 milhões de toneladas de soja em grão