A lei dos bioinsumos publicada no fim de dezembro foi resultado de uma longa discussão entre produtores, indústrias, lideranças e governo.

De modo geral, a maioria comemorou o novo marco regulatório que trazia mais clareza para atividades comuns, como a produção de insumos biológicos nas fazendas, por exemplo, o chamado on farm. Além disso, passou a diferenciar o que era agrotóxico, essencialmente químico, e o que são os defensivos biológicos, baseados em microrganismos que já estão na natureza e agem como inimigos naturais de pragas e doenças.

Alguns detalhes, no entanto, ficaram pendentes para a chamada regulamentação da lei. O processo está sendo liderado pelo Ministério da Agricultura (Mapa) e poderá ser finalizado até o fim do ano.

O AgFeed conversou com Reginaldo Minaré, diretor executivo da Abbins, Associação Brasileira de Bioinsumos, entidade que acompanha de perto as discussões desde o início.

Ele contou que diversas associações que representam produtores e empresas já começaram as reuniões para definir um conjunto de sugestões que serão apresentadas ao Mapa possivelmente até junho.

Para tratar da regulamentação, um encontro já ocorreu em janeiro e o segundo está marcado para essa quinta-feira, em Brasília, na sede da Aprosoja Brasil.

Todas as 50 entidades que ajudaram a elaborar um projeto de lei substitutivo no ano passado – boa parte dele foi aproveitado na versão final aprovada no Congresso – também estão sendo chamadas para tratar deste “segundo round” do debate.

A Abbins, por exemplo, é uma entidade criada em 2021, mas que representa bem este novo universo dos bioinsumos. Entre os associados estão empresas que produzem itens acabados vendidos aos agricultores, também estão fábricas que fornecem insumos para a produção dentro das propriedades e há ainda associados produtores rurais, os donos das biofábricas.

Um dos pontos importantes, segundo Minaré, é definir como será o processo de registros dos inóculos, na indústria.

Inóculo é um concentrado de microrganismos utilizados para produzir bioinsumos, inclusive a produção de inoculantes. “É importante porque as indústrias poderão oferecer no mercado um bioinsumo pronto para uso, que o agricultor não precisa multiplicar, não precisa expandir o produto, para utilizar. As indústrias poderão oferecer também inóculos para o agricultor multiplicar, expandir, e fazer o seu bioinsumo para uso próprio”, explica.

Porém, como essa definição antes não existia, a regulamentação será fundamental agora.

Parecem detalhes muito técnicos, mas é justamente aí que muitas vezes estão interesses divergentes entre produtores, pequenas empresas de bioinsumos e grandes multinacionais de químicos, que agora tentam aproveitar também a onda crescente de adoção desses produtos.

Outro ponto em destaque está na parte das fazendas. A lei permite que os agricultores se organizem em associações para produzir os bioinsumos. Esse grupo não poderia vender os produtos, mas pode fornecer a seus associados. Uma cooperativa, por exemplo, pode registrar uma biofábrica industrial.

“Qual vai ser essa estrutura de associação ou de cooperativa que vai precisar ser estabelecida e informada ao Ministério da Agricultura para ter a possibilidade de verificação de que não está ocorrendo comércio desse produto, que é só realmente para uso próprio? Todo esse universo teremos que trabalhar”, explicou Minaré, sobre a regulamentação.

A elaboração e tramitação da lei no Congresso Nacional foi marcada por divergências, especialmente entre entidades que representam grandes indústrias, como a CropLife Brasil, e aquelas que representam agricultores, como a Aprosoja.

A expectativa do diretor da Abbins é que, ao longo do debate da regulamentação, a divergência volte a ocorrer.

Entre os temas polêmicos estão as regras para as biofábricas nas fazendas. Minaré cita como exemplo as dificuldades que produtores de queijo da Serra da Canastra ainda enfrentam para registrar seus produtos, em função de regras rígidas que acabam prejudicando a produção de menor porte. Ele acredita que problema semelhante pode ocorrer na produção on farm.

“No que diz respeito ao on farm, você pode ter, mesmo a lei permitindo, exigências exageradas que vão inviabilizar os agricultores”, diz. Há uma discussão por exemplo sobre “tipos de biofábricas”, se vai ter só aquelas feitas de inox com painéis eletrônicos.

“E por que não os outros produtos? Por exemplo, o México permite a produção em biofábricas de base em plástico, de PVC. E funciona muito bem”, ressaltou.

Também deve fazer parte dos debates o pedido da indústria para que produtos possam ser registrados com múltiplas funcionalidades. O tema envolve não apenas os defensivos, mas também os biofertilizantes.

A Mosaic, por exemplo, explicou recentemente ao AgFeed que não consegue trazer para o Brasil algumas inovações tecnológicas já usadas em outros países em função das barreiras regulatórias, que precisam agora avançar.

O AgFeed perguntou à CropLife Brasil o que a entidade deve priorizar durante o processo de regulamentação da lei de bioinsumos, para que seus interesses também sejam contemplados.

No debate da lei no ano passado, a CropLife não assinou o substitutivo das 50 entidades porque exigia mais rigor em relação à produção on farm, por exemplo, além de uma avaliação tripartite, envolvendo Anvisa, Ibama e Mapa para fazer o registro de produtos biológicos.

Para responder o questionamento feito hoje, a entidade não forneceu detalhes sobre os pontos que vai pleitear junto ao Mapa neste momento. Por email, enviou o seguinte posicionamento:

"A regulamentação da Lei dos Bioinsumos, sancionada no final de 2024, é um passo importante para fornecer orientações claras, garantir segurança jurídica e impulsionar o desenvolvimento do setor. A CropLife Brasil tem acompanhado esse processo desde a elaboração da legislação e está pronta para trabalhar com produtores e governo para definir as prioridades e avançar nos temas relevantes da regulamentação. Nosso objetivo é contribuir para a discussão, promover avanços regulatórios e assegurar previsibilidade e um ambiente favorável à inovação."

Investimentos destravados

O importante, segundo Minaré, é que apesar das pendências do processo de regulamentação, a aprovação da lei em si já deve significar uma “mudança histórica” na agricultura.

Ele diz que projetos como a biofábrica do grupo Amaggi, por exemplo, que está investindo R$ 120 milhões, só agora estão virando realidade porque seguiam no aguardo de um ambiente de maior segurança jurídica.

“Antes era cada um registrado em uma lei. Então os insumos (defensivos) biológicos tinham a lei dos agrotóxicos, a lei da agricultura orgânica, a lei dos fertilizantes, a lei dos produtos veterinários. Essa lei o que fez? Retirou todos esses produtos dessa manta de retalho de leis e trouxe para dentro de uma lei única, especial, para tratar de todos os biológicos”, explicou.

O diretor da Abbins contou ao AgFeed que alguns agricultores, até o ano passado, vinham sendo pressionados por vendedores de grandes indústrias de biológicos para que desistissem da produção on farm.

“Muitos sofreram um terrorismo nas bases, falavam que seria proibido, que produtor iria pra cadeia. A situação agora é diferente, não precisa convencer agricultor que ficaria ilegal. Está legal. Aqueles que estavam interessados em adotar a prática e estavam com medo de não ter o suporte jurídico necessário, esse pessoal virá”, afirma.

Considerando apenas o universo da Abbins, Minaré estima que 3,5 mil propriedades rurais tenham biofábricas ativas, atualmente.

Ele prevê um crescimento de pelo menos 15% neste número ao longo de 2025, com cada vez mais produtores buscando informações, inclusive se associando em cooperativas.

Para o mercado de bioinsumos como um todo, também estima um avanço de dois dígitos esse ano, em linha com o que vinha ocorrendo, mas lembrando que agora “a base é maior”.

Minaré lembra que as previsões do setor indicam que, até 2030, 50% do mercado de pesticidas seja substituído por biológicos no Brasil. O mercado de agrotóxicos, segundo ele, estaria em torno de US$ 20 bilhões.

Ele citou outro investimento recente, a biofábrica da Coopavel, no Paraná, que deve servir de modelo para outros. “Pela nova lei, isso pode ser feito até no modelo de produção pra uso próprio. Acreditamos que um número significativo de cooperativas caminharão pra esse segmento”.

Em função de toda essa perspectiva otimista, o foco das entidades agora é evitar que haja algum retrocesso na regulamentação.

“A regulamentação da lei não pode retirar direitos que a lei já garante. O decreto está em um patamar hierárquico abaixo dessa lei. O decreto e portarias que virão, servirão para detalhar a aplicação e execução daquilo que a lei garantiu, com direitos e também com obrigações”, ressaltou.

Ainda assim, ele admite que a regulamentação pode por exemplo “criar alguma burocracia, que dificulte a excução”. “Não é isso que a gente quer. A gente quer uma regulamentação objetiva, fluida, que permita a todo mundo ter uma possibilidade de não ter obstáculos na realização de determinadas atividades, tanto a indústria quanto o agricultor”.

Em defesa da produção on farm, Reginaldo Minaré também citou a garantia de maior competição do setor, o que vem viabilizando preços mais baixos.

A SLC Agrícola, por exemplo, confirmou no ano passado que não pretendia mais aumentar a produção de suas biofábricas, já que vinha encontrando produtos industrializados a preços mais competitivos.

“O produto industrial só melhorou o preço porque on farm existe e concorre, se on farm não existir, mercado volta a ser concentrado, veja o que ocorreu com o setor de sementes”, ressaltou.

Na visão dele, a SLC “está trabalhando com as ferramentas disponíveis no mercado, como é uma grande empresa tem poder de compra para negociar, ganham na escala porque compram em grande quantidade”.

Minaré lembrou que a companhia listada na B3 pretende manter a produção on farm, justamente porque vai seguir decidindo o que fará mais sentido economicamente.