O agro brasileiro cresceu em produtividade, em tecnologia e ganhou competitividade... mas e a logística? É a pergunta que se repete nos fóruns que discutem o presente e o futuro do setor, um caminho que passa, necessariamente, pela tentativa de reduzir o uso de rodovias e aumentar a participação do transporte ferroviário e das hidrovias.

Um passo importante está sendo anunciado com festa nesta sexta-feira, em Rio Verde, Goiás, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com participação até do ex-presidente José Sarney – responsável pelo início do projeto, em 1987 – o último trecho da ferrovia Norte-Sul será inaugurado, ligando o último trecho que faltava para conectar pelos trilhos o estado goiano com a cidade de Porto Nacional, em Tocantins.

Há dois anos o trecho mais ao sul de Goiás, entre São Simão, até a cidade paulista de Estrela D `Oeste, havia sido inaugurado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A rota que está sendo finalizada agora, operada pela Rumo, possui 1.537 km de trilhos que ligam São Paulo a Tocantins.

O fato é que a Norte-Sul cruza o Brasil por inteiro, do Porto do Itaqui, no Maranhão, até o Porto de Santos, em São Paulo, o que totaliza 2.257 km de extensão.

Apesar de estratégica, a rota foi sendo distribuída aos poucos para a iniciativa privada e passou por diferentes entraves jurídicos, políticos e econômicos, ao longo das últimas décadas.

Em entrevista ao AgFeed, a assessora técnica de logística e infraestrutura da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), Elisangela Pereira Lopes, disse a conclusão da Norte-Sul tem grande relevância para o agro porque "aumenta a área de influência das ferrovias e abre maior concorrência".

A região agrícola conhecida como Matopiba, que engloba os estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e o oeste da Bahia, é uma das beneficiadas, que já utilizava – sempre concorrendo com o minério de ferro – a ligação com o Porto do Itaqui, em São Luís.

O escoamento de parte da produção dos estados da região Centro-Oeste também pode ser impactado, embora a rota não faça sentido para uma parte de Mato Grosso, onde a Ferrogrão – outro projeto que ainda enfrenta entraves – poderia ser mais competitiva.

"Agora, com o último trecho da Norte-Sul, além da rota pela empresa VLI com destino ao sistema portuário de São Luís, na região Norte, haverá a opção também de escoar pelo trecho da empresa Rumo, que leva a Santos," afirma a especialista da CNA.

“Desta forma, esperamos que uma maior competitividade possa pressionar as tarifas ferroviárias para valores abaixo do transporte rodoviário".

Elisangela Lopes afirma, no entanto, que o acesso do agro ao transporte ferroviário segue restrito e que os valores praticados ainda são elevados.

No agronegócio como um todo, apenas 17% do que é produzido utiliza o transporte ferroviário. Segundo a especialista, cerca de 85% da soja e do milho produzidos no Brasil, por exemplo, são transportados por caminhão. Os outros 15% se referem a ferrovias e hidrovias.

"Isso ocorre porque, se olharmos todas as mercadorias que são transportadas por ferrovias no Brasil, percebe-se que mais de 76% é minério de ferro, o espaço do agro ainda é pequeno", destaca.

Um cálculo feito em janeiro de 2023 com base em dados de diferentes institutos e agências, mostra que para transportar grãos de Sorriso a Rondonópolis de caminhão o custo era de US$ 31 por tonelada. Já de Rondonópolis a Santos por ferrovia, era de US$ 32.

Quando considerada a rota inteira, até o destino final da soja que é China, percebeu-se que saindo de Sorriso-MT, para exportar por Santos, envolvendo caminhão e ferrovia, o custo total era de US$ 100 por tonelada.

Já a mesma soja de Sorriso, se saísse de caminhão até Miritituba no Pará, sem o uso da ferrovia, chegaria ao mercado chinês com frete total de cerca de US$ 90 por tonelada.

À espera de incentivos

Embora pareça um mercado em expansão, os especialistas no tema lembram que na década de 1950 o Brasil chegou a ter 38.000 km de ferrovias.

"Atualmente temos 32.000 km de linhas férreas, mas apenas 12.000 km estão sendo usados”, revela Elisangela Lopes.

Segundo a especialista da CNA, o restante está abandonado, sucateado ou são trechos que foram subutilizados pelas concessionárias.

Por este motivo, a CNA defende uma regulamentação detalhada da lei aprovada em 2021 que tem como objetivo permitir que a iniciativa privada invista em linhas férreas, sem a necessidade de leilão.

Lopes diz que a legislação tem um potencial muito positivo, mas que alguns pontos relacionados à concorrência precisam ser regulamentados e esclarecidos. A CNA é contra, por exemplo, a tentativa de dar preferência a quem já tem operação próxima ao local, o que foi garantido por um veto do ex-presidente Jair Bolsonaro a uma parte da nova lei.

Outra pendência é tentar fazer valer o chamado "direito de passagem e tráfego mútuo”. Na prática, se isso for liberado, seria possível ter duas empresas diferentes ofertando transporte ferroviário em um mesmo trecho, o que hoje não ocorre.

Enquanto isso, o Brasil amarga um retrato pouco atrativo na distribuição dos modais de transporte. Se consideradas todas as cargas transportadas – e não apenas o agronegócio – 66% ocorrem pelas rodovias, 18% por ferrovias e os 16% restantes envolvem hidrovias e cabotagem.

"Se o uso das rodovias caísse para 50%, já seria um grande avanço", avalia Lopes.