A incerteza diária que a nova política comercial dos Estados Unidos trouxe à economia mundial ao longo do último mês deixou perdido até mesmo um dos mais experiente articuladores da diplomacia comercial global: o embaixador Roberto Azevêdo, que durante quase oito anos (entre 2013 e 2020) foi diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).

“Nós vivemos muitas incertezas em um mundo hoje que se pergunta qual é a regra do jogo”, disse Azevêdo durante o fórum Rumo à COP30: O agronegócio e as mudanças climáticas, promovido pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) na manhã desta quarta-feira, dia 23 de abril, em São Paulo.

“Quando você está participando do comércio global, a pergunta sempre é: qual é a regra que está valendo? Hoje ninguém sabe, a realidade é essa, qual é a regra que está valendo”, acrescentou o ex-diretor da OMC, hoje consultor da Abag.

Azevêdo disse acreditar que as antigas regras já não valem mais – e que a dúvida em relação às novas regras ainda é um nó importante a ser desatado. “É a pergunta que se coloca a todos nós e é uma pergunta para o agronegócio”, afirmou.

O ex-diretor geral da OMC também não teve receio de dizer que o mundo hoje está “em convulsão” ao fazer um breve resumo da situação atual.

“Uma guerra comercial levanta a possibilidade da inflação e, quem sabe, taxas de juro mais altas. A probabilidade de recessão nos Estados Unidos e no mundo aumentou. Se isso vai acontecer ou não, não sei, mas acho que aumenta essa probabilidade”, afirmou.

Com essa imprevisibilidade, Azevêdo avaliou que fica difícil definir se acordos bilaterais, por exemplo, poderão trazer impactos positivos ou negativos ao setor.

“Acordos podem abrir mercado para o agronegócio brasileiro, mas também pode haver o oposto, com acordos em que há a preferência de aquisição de produtos do outro mercado em detrimento das nossas exportações. Estamos num cenário em que tudo pode acontecer”, disse.

Em entrevista a jornalistas após o evento, Azevêdo disse que o Brasil não deve se comportar com precipitação.

“O País precisa estar olhando em volta, vendo o que os outros estão fazendo, como as conversas bilaterais estão acontecendo, o que pode surgir delas, até para identificar melhor como responder a essa nova situação”, afirmou.

Ao mesmo tempo, o ex-diretor geral da OMC disse que o Brasil não deve ficar inerte.

“Não deve se precipitar fazendo coisas que de repente possam ser contraproducentes, mas ao mesmo tempo não pode ficar imóvel. Tem que procurar alianças, falar com outros países, conversando com todo o mundo, não só com os Estados Unidos. para entender o que vamos fazer face a essa desestruturação global”, afirmou Azevêdo.

Ele disse também que outros países estão procurando mecanismos de conexão comercial, o que favorece também a área de livre comércio entre Mercosul e União Europeia.

“Acho que União Europeia, Japão, China, Austrália e a Ásia em geral estão procurando alianças que sejam previsíveis, estáveis e um acordo desse tipo entre União Europeia e Mercosul vai nesse sentido de dar estabilidade e previsibilidade”, afirmou Azevêdo.

Ainda assim, o ex-diretor geral da OMC disse que, hoje, a prioridade da Europa é a relação com os Estados Unidos – e não com o Mercosul.

“E o que vai acontecer nessa conversa bilateral Europa e Estados Unidos pode, eventualmente, ter um impacto na nossa relação comercial com a Europa também, influenciando no andamento das negociações Mercosul-UE”, disse.

Questionado se há similaridades em relação entre a guerra comercial vivida em 2018, na primeira presidência de Trump, quando os produtores brasileiros de soja tiveram ganhos, e a atual, Azevêdo disse que os cenários são “diferentes”, mas que há “similaridades”.

“Uma dessas similaridades é o fato de que Estados Unidos e China estão numa tensão geopolítica real. E isso pode levar a um afastamento das duas economias, fala-se até de desacoplamento das duas economias. Se isso vier a acontecer, os Estados Unidos tendem a perder uma parte do mercado chinês de commodities, sobretudo commodities alimentares”, afirma.

A China vai procurar alternativas “e uma das alternativas importantes é o Brasil”, disse Azevêdo. ”Essa é uma realidade que é inescapável. Agora, se isso vai continuar no longo prazo, eu não sei dizer, ninguém sabe dizer”, afirmou.

Ainda que não considere que o Brasil seja um “fiel da balança” até pelo fato de não ter uma participação tão expressiva no comércio global, Azevêdo disse que o país é um ator importante na área das commodities.

“E pode ajudar na nova conformação de fluxos de comércio, de commodities alimentares. O Brasil terá um papel importante e pode ser um dos elementos, um dos parâmetros centrais dessa equação”, afirmou.

COP30

Ao comentar sobre a COP30, que será realizada em novembro em Belém, capital do Pará, Azevêdo disse que a conferência do clima pode ser uma oportunidade de o Brasil “apresentar uma visão um pouco mais construtiva sobre o agronegócio”.

Esse ponto é relevante, na avaliação do ex-diretor geral da OMC, porque a discussão climática se voltou para o agronegócio, mesmo depois de duas edições seguidas da COP terem sido realizadas nos Emirados Árabes Unidos, que sediou a COP28, e no Azerbaijão, que recebeu a COP29, ambos países conhecidos pela produção de combustíveis fósseis.

“Saiu das causas óbvias de emissão e vem para o agronegócio e com distorções, a contabilização do deflorestamento dentro do agronegócio, a não contabilização da capacidade de sequestrar carbono. Vemos uma ciência um pouco politizada”, afirmou.

Apesar dos esforços do setor de trazer mais racionalidade para a discussão, Azevêdo lembra que há mudanças quando isso chega ao nível político.

“O que prevalece é uma narrativa que tende a ignorar a realidade dos países em desenvolvimento, da agricultura tropical e de outras métricas que são pouco estudadas ou pouco avaliadas no mundo do desenvolvimento.”

A valorização do agronegócio na COP se sustenta com duas condicionantes. “A primeira é se essa narrativa estiver sustentada em fatos. Não adianta criar uma narrativa sem fatos”, afirmou.

“E a segunda é se o Brasil tiver uma mensagem harmônica entre governo e setor privado”, acrescentou Azevêdo, lembrando que há uma diversidade de opiniões dos dois lados.

“O governo não é único, tem várias tendências, várias vozes, várias opiniões, e o setor privado também não é único, também tem várias vozes. Precisamos entender como é que nós harmonizamos isso tudo e apresentamos uma visão para o governo.”

Azevêdo disse que, se o país não for capaz de mostrar como o agronegócio brasileiro está contribuindo com a agenda da sustentabilidade e “determinado a fazer a diferença”, vai perder uma oportunidade relevante na COP30. “Essa verdade não será assimilada se não for bem contada”, afirmou.