De um lado, o café e suco de laranja, commodities com alta dependência dos Estados Unidos nas exportações e que estão no grupo dos “penalizados” caso o presidente Donald Trump mantenha a tarifa de 50% sobre produtos do Brasil.

Do lado dos “penalizáveis”, o setor de defensivos químicos, importador e cujas patentes norte-americanas podem ser quebradas pelo governo brasileiro em reciprocidade ao tarifaço e também passível de uma tarifa no mesmo patamar aplicada pelo Brasil.

A três dias do início previsto da aplicação da tarifa, em 1º de agosto, e na reta final das negociações, os dois lados do agronegócio brasileiro estão unidos na incerteza e na tensão em relação aos impactos da aplicação da medida política, mas com efeito direto em seus negócios.

Eduardo Leão, presidente da CropLife Brasil, entidade que reúne empresas do setor de defensivos químicos, lembra que a recém-aprovada lei de reciprocidade brasileira prevê a quebra ou suspensão de patentes a produtos de outros países, entre as medidas a taxações comerciais.

A adoção de medidas nessa linha poderia promover uma saída de empresas do setor do Brasil, já que não seria mais viável economicamente investir no desenvolvimento de moléculas para serem comercializadas em produtos aqui sem ter o retorno econômico.

“É um risco enorme, né? A Argentina brincou de quebrar a patente de sementes, por exemplo, e hoje tem uma produtividade 30% menor do que Brasil e Estados Unidos. Por quê? Porque as empresas de tecnologia saíram da Argentina”, disse Leão ao AgFeed.

Segundo o executivo, a reação de companhias a medidas como quebra ou suspensão de patentes de defensivos ou em biotecnologia seria gradual, já que novos produtos demoram mais de uma década de pesquisas.

“Estamos falando de centenas de milhões de dólares para chegar a um produto e se a empresa não tiver confiança de que daqui a dez anos, caso chegue a um produto, ela não terá o retorno, ela deixa de investir. Então, o risco é bastante grande”, explicou.

De acordo com o presidente da Croplife, além de gigantes norte-americanas, como FMC e Corteva, até mesmo companhias de outros países poderiam ser penalizadas com uma possível quebra ou suspensão de patentes, desde que tenham essas patentes nos Estados Unidos.

“A gente está conversando com o governo, alertando para esses riscos que vai tomar a decisão no final. O risco é muito grande se brincar com direito de patente”, afirmou Leão.

O setor de defensivos pode também ser atingido se a decisão do governo brasileiro for por uma tarifa sobre produtos importados dos Estados Unidos. Segundo a CropLife Brasil, 15% das importações de defensivos químicos pelo Brasil são daquele mercado.

“Isso representa mais ou menos um U$ 1,5 bilhão sobre um total de US$ 10 bilhões de dólares de importações anuais, com um detalhe de que muitos produtos só são produzidos lá. Então, você pode causar um impacto da agricultura muito negativo, pois defensivos representam de 20% a 25% do custo de produção”, completou.

Do lado dos penalizados, o setor brasileiro de suco de laranja, com mais de 40% das exportações para os Estados Unidos, divulgou nesta terça-feira, 29 de julho, cálculos do prejuízo com a possível tarifa de 50% sobre a bebida.

Dados da Associação Nacional das Indústrias Exportadoras de Sucos Cítricos (CitrusBR) apontam um impacto anual de até US$ 792 milhões, ou R$ 4,3 bilhões com a taxação. O valor representaria um aumento 456,2% em relação aos impostos pagos na safra 2024/2025, de US$ 142,4 milhões.

O cálculo considera o desempenho da safra encerrada em 30 de junho e inclui as tarifas já aplicadas de acesso ao mercado americano. O Brasil já paga uma tarifa fixa de US$ 415 por tonelada para exportar aos Estados Unidos.

Com base nos volumes da última safra, esse custo somou US$ 142,4 milhões. A estimativa de impacto de US$ 792 milhões considera a aplicação acumulada da nova tarifa de 50% com a alíquota adicional de 10%, anunciada em abril. Se a nova tarifa substituir a de 10% o impacto seria de US$ 635 milhões por safra, alta de 345,8% em relação ao cenário atual.

Na safra 2024/25, os Estados Unidos foram o segundo principal destino do suco brasileiro, com 41,7% de participação, atrás apenas da Europa. Foram exportadas 307.673 toneladas com receita total de US$ 1,31 bilhão.

“Não há, no curto prazo, mercados com capacidade de absorver esse volume adicional, o que pode colocar o setor em posição delicada”, informou a CitrusBR em nota.

Nem mesmo a fala do secretário americano de Comércio, Howard Lutnick, nesta terça-feira, 29 de julho, de que o governo dos Estados Unidos poderia zerar tarifas sobre produtos não cultivados localmente animou o diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Marcos Antonio Matos.

Apesar de o café não ter oferta interna, Matos avalia que a commodity entra em uma lista de exceção negociada paralelamente e que tarifa de 50% deve ser aplicada a partir de agosto. “Resta saber se será por três dias, três semanas ou três anos”, afirmou o executivo.

Segundo setor na pauta exportadora da agropecuária brasileira para os Estados Unidos, com mais de US$ 2 bilhões, o café tem naquele mercado o principal destino de suas vendas externas. No ano passado, foram exportadas 8,131 milhões de sacas de café para os norte-americanos. O produto tem mais de 30% de market share naquele mercado, que consome anualmente 24 milhões de sacas.

Mesmo sem produzir café, a commodity gera 2,2 milhões de empregos nos Estados Unidos, responde por 1,2 % do Produto Interno Bruto (PIB) e movimenta US$ 343 bilhões na economia local. A bebida é a mais consumida no país, por 76% dos norte-americanos.

Dados da National Coffee Association (NCA), que representa a indústria processadora norte-americana mostram que a cada US$ 1 gasto com café importado, outros US$ 43 são injetados na economia dos Estados Unidos.

A possibilidade de inflacionar a bebida preferida dos norte-americanos e ainda reduzir empregos localmente tem sido a pauta dos negociadores setoriais nos últimos 20 dias para tentar demover Trump da ideia. Entre eles estão líderes da NCA e de companhias do setor privado, como a Starbucks.

Para o diretor-executivo do Cecafé, no entanto, negociações do governo brasileiro, lobbies de todos os setores e falas de representantes do governo norte-americano ficam em segundo plano. Uma decisão final caberá ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump..

“Temos o trabalho da lista de exceção que é uma atividade proativa do setor privado e o café foi procurado. Mas a relação bilateral não é boa, o Brasil não é prioridade nas negociações e tudo depende de uma única pessoa no salão oval”, concluiu Matos.

Resumo

  • Multinacionais de defensicos agrícolas temem que, em resposta à tarifa, o governo brasileiro quebre ou suspenda patentes de produtos norte-americanos
  • CitrusBR estimou em R$ 4,3 bilhões prejuízo da indústria brasileira de suco de laranja com a taxação, valor 456,2% superior em relação aos impostos pagos na safra 2024/2025
  • Setores de suco e do café negociam uma possível exceção para seus produtos junto ao governo nos EUA